cultura DOMINGO 8 OUTUBRO
2000
Espetáculo
“Uma vela por Amália” relembra a fadista
Uma voz na voz dos
outros
Apagou-se a vela
do 1º aniversário da morte de Amália. Cantou-se o fado. Cantou-se a memória e a
saudade. E revelou-se a presença arrepiante de uma nova fadista, Katia
Guerreiro, sósia da diva.
Cumprido um ano
sobre a sua morte, Amália permanece viva apenas nos discos, nos filmes e no
coração de cada um. Tudo o mais é saudade. E o que sobra é vaidade.
Espectáculos como o do aniversário
do 1º ano da morte da fadista, realizado na noite de sexta-feira no Coliseu dos
Recreios, em Lisboa, sob o genérico "Uma vela por Amália" e
transmitido em directo pela TVI, funcionam como um lenitivo. As pessoas vão
para ouvir um eco, para ouvir uma voz que já se foi, impressa nas vozes dos que
por cá ficaram. Vão porque necessitam da ilusão que faz esquecer a ausência.
Vão para ouvir cantar o fado.
Muitos sopraram uma vela por Amália
no Coliseu. O espetáculo foi longo, ainda mais longo pelo atraso com que se iniciou
– mais de uma hora – provocado pelas exigências do directo. O povo, depois de
minutos antes se ter comprimido e protestado de viva voz contra a abertura
tardia das portas, esteve pacato lá dentro, sossegado pelas imagens da novela
que a TVI passava em directo nos monitores do Coliseu.
Por fim lá chegou o bolo com a vela.
Melhor dizendo, 18 velas, tantos foram os artistas que cantaram. Depois das
palavras de apresentação de João Braga, com a sobriedade que se impunha, veio o
fado. Com a arquitetura da velha de Lisboa como pano de fundo.
Uma nova geração
de fadista
Amália já não se encontra entre nós.
Mas para além da saudade que deixou, deitou sementes ao fado. Graças a ela, à
sua vida e à sua voz, o fado está hoje bem servido por uma nova geração de
cantores capazes de manter aceso o fado nas décadas vindouras. Joana
Amendoeira, Teresa Tapadas, Ana Sofia Varela e Maria Ana Bobone, pela ordem que
foram entrando em cena, são todas senhoras de belas vozes, têm alma e uma
presença física invejável. São bonitas e cantam bem. Ana Sofia Varela será das
quatro a que melhor junta à graça a garra.
Deixámos propositadamente de fora o
nome de Katia Guerreiro, recém-formada em medicina ("consultório à
disposição" como brincou João Braga) e estreante em espectáculos ao vivo
com esta dimensão. O fadista-apresentador bem avisou que qualquer elogio
ficaria além da realidade. Tinha razão. O impacte provocado pela sua presença é
arrepiante. Katia Guerreiro é fisicamente uma sósia de Amália. Quem gravou o
espectáculo do Coliseu experimente parar a imagem. Assustador. O rosto, o
franzir das sobrancelhas, a boca, a expressão, os olhos fechados, a inclinação
da cabeça. É Amália nos tempos da juventude. Será encenação minuciosamente
preparada por Katia Guerreiro? A maquilhagem? Ou será ela mesmo assim? Depois a
voz, até a voz toca no mesmo registo mais grave de Amália. Katia cantou
"Barco negro" e"Amor de mel, amor de fel". Um fantasma
pairou no Coliseu.
João Maria Tudela, Rodrigo Costa
Félix, Raúl Indipwo, Paulo de Carvalho, Paulo Bragança, António Pinto Basto,
Carlos Zel, Maria Armanda, Margarida Bessa, Maria do Céu, Waldemar Bastos, Tito
Paris e João Braga foram as outras vozes que levaram a memória e a música de
Amália pela noite de fora, acompanhados pelas guitarras e violas de Raúl Nery,
Carlos Gonçalves, José Luís Nobre Costa, Jaime Santos Jr. e Joel Pina. Com a
presença na sala do presidente da edilidade lisboeta, João Soares, ouviram-se
ainda depoimentos televisivos de Daniel Proença de Carvalho, Artur Agostinho, Ruy
de Carvalho e Alexandra.
Na assistência bebeu-se cada verso,
os lábios e a alma conheciam de cor cada fado de Amália. Passou só um ano mas a
saudade é já imensa.
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