Pop Rock
18 de Dezembro
1991
A
QUEDA DA CASA DE HAMMILL
Peter Hammill
The Fall of the House of
Usher
2xLP, CD, Some Bizarre, import. Contraverso
Há quase vinte anos que os incondicionais de Peter Hammill ouvem falar na
célebre ópera. Esta chegou finalmente, e com ela o sabor da desilusão. O
perfeccionismo, a tentativa de deixar para a posteridade um testemunho
definitivo do seu génio foram fatais para o antigo vocalista dos Van Der Graaf
Generator. Aprisionado num estilo que no passado frutificou nas obras-primas
“Pawn Hearts”, “In Camera”, “Over”, “The Future Now” ou “A Black Box”, Hammill
revelou-se, a partir deste último disco, incapaz de ultrapassar as suas
próprias contradições, arrastando-se em “In a Foreign Town” e “Out of Water”
numa agonia que nem a experiência com computadores de “Spur of the Moment”
conseguiu sarar.
A famigerada ópera parte da narrativa de Edgar Allan Poe, “A Queda da
Casa de Usher”, adaptada a “libretto” por Chris Judge Smith. Escolha óbvia de
enquadramento para as paranóias do músico: a incomunicablidade, a
hipersensibilidade mórbida, a tendência para a autodestruição. Hammill incarna,
como não podia deixar de ser, a figura do nobre alucinado Roderick Usher, que
vive aprisionado nas paredes – as suas paredes, o seu pesadelo – de uma casa
doente. Andy Bell é o amigo, Montresor. Lene Lovich, a irmã, Lady Madeline,
enterrada viva por Usher. Herbert Grönenmeyer, o ervanário. Não falta o coro, à
maneira das tragédias gregas, interpretado por uma só voz, de Sarah-Jane
Morris, e as “vozes da casa”, desempenhadas por Peter Hammill.
A história da maldição, loucura e decadência, que consuzem à ruína final,
não podia ser melhor escolhida para traduzir o universo estético-existencial do
ex-Van Der Graaf. À música, infelizmente, falta o fulgor e o génio de que este
foi pródigo em obras anteriores. A insistência sistemática nas texturas
orquestrais realizadas por computador procura, ao nível da paleta tímbrica,
associações com a grandiosidade desesperada da sequência “Gog/Magog” de “In
Camera”, mas a repetição dos registos de cravo e a tirania das cordas,
interrompidas por uma ou outra ousadia pontual, acabam por tornar monónota a
audição.
Como novidade, apenas os jogos vocais e a presença de vozes femininas,
inéditos na obra do compositor. Dos seis atos em que se divide a obra, da
descrição da paisagem desolada que rodeia a casa maldita à derrocada final,
destacam-se o tom sinistro das sobreposições vocais de Hammill em
“Architecture”, síntese de uma das suas obsessões de sempre, a fobia dos espaços
fechados e a simbiose edifício-homem, evidente em temas anteriores da sua
discografia como “A house with no door”, “(In the) black room” e “A louse is
not a home”, e o diálogo Usher/Montresor em “Leave this house”, dilaceração de
Roderick Usher entre o apelo do amigo para abandonar o ventre do monstro e a
consciência de um destino trágico a cumprir no seio da casa. O ancestral
combate entre as forças do bem e do mal, entre os anjos e os demónios que vivem
dentro de cada um de nós, que Hammill já gritara no emblemático “Killer”, de “H
to He, who am the only one”.
Temas como “One thing at a time” ou “The herbalist” dir-se-iam escritos
por Meat Loaf. Na maioria dos casos, a música contenta-se em servir de
contraponto às palavras. Faltam sobretudo ideias, uma dinâmica diferente, de
maiores contrastes, que sublinhasse com outra força o desenrolar da tragédia.
Não era Hammill (e neste “era” ressoa a mágoa da oportunidade perdida) o pai de
todos os excessos? (6)
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