22 ABRIL 1992
PESADELOS DE UM COWBOY ESPIRITUAL
NICK CAVE & THE BAD SEEDS
Henry’s Dream
LP/CD, Mute, distri. Edisom
Nick Cave agora é um artista. Nos Birthday Party era mais um arruaceiro, um espinho cravado no cérebro da pop. Mas depois Nick conheceu Berlim, explicou o fim do mundo a Wim Wenders – ele que tão bem sabe cantar o fim – e por fim realizou o seu próprio filme, “Ghosts of the Civil Dead”, e escreveu o seu próprio livro, “And the Ass saw the Angel”, ambos os títulos, sobretudo o último, significativos da visão muito especial que o autor tem do mundo.
Os artistas, a dada altura, costumam voltar-se para as coisas espirituais e Nick Cave não foi excepção. “Tender Prey” e “The Good Son” recuperam as orações murmuradas em “Kicking against the Pricks” que finalmente explodem em espirituais e “gospels” enegrecidos, com Cave a sair da cave e a levantar os olhos para a divindade, ou pelo menos para aquilo que ele julga ser a divindade.
“Henry’s Dream” continua a ser religioso, à sua maneira. É um álbum conceptual sobre o tema da “fuga”, um disco em que as orações se confundem com imprecações. No argumento de “Ghosts of the Civil Dead”, Nick Cave escreveu sobre um assassino profissional, Jack Henry Abbott. Henry, um “serial killer” que aqui vê transcritos os seus pesadelos em forma de canções.
Espiritualidade, para Nick Cave, é sinónimo de violência. Interior e exterior. Em “Henry’s Dream” assiste-se à deambulação infinita pelos pântanos da alma empreendida por um “cowboy” do inferno. O céu de Cave é, apesar de tudo, diferente do de Wenders. Tem a cor da carne e o sabor do sangue. Nick Cave procura refúgio no amor. Todos os fazem quando se sentem perdidos. “Straight to You” e “Jack the Ripper”, as duas canções incluídas no “single”, são canções de amor, no vórtice do holocausto: “Now that heaven has denied us its kingdom, and the seas are all drunk and howling, this is the time that I’ll come running straight to you, for I am captured”. “Jack the Ripper” agride de outro modo, entre o coro dos danados e descargas contínuas de electricidade: “I got a woman, she rules my house with an Iron fist.” O amor dói.
O universo de Nick Cave só encontra paralelo no de Clint Ruin. Mas enquanto este procura a salvação na autoflagelação, na tortura e, amiúde, na reclusão no quarto fechado da esquizofrenia, para o ex-Birthday Party, ainda é possível abrir portas que dão para o outro lado, seja ele qual for – o movimento é sempre em frente: “Oh sweet Jesus, there is no turning back”, canta Cave em “When I first came to town”. “Henry’s Dream” oscila entre as chicotadas de “Papa won’t leave you Henry” e a derrocada emocional de “Brother my cup is empty”; entre o momento de encantamento de “Christina the astonishing” e o caos celestial de “When I first came to town” a galope numa harmónica de “cowboy” na direcção do pôr-do-sol.
Do lado de lá, a noite, os seus fantasmas e os seus rituais, em “John Finn’s wife” – “the night was deep, and the night was dark and I (aqui não se percebe, ele come as palavras) qualquer coisa dance home on the edge of town/ some big ceremony is going down”. Bruce Springsteen numa “bad trip”, povoado por imagens de carnificina, tesouras, facas de carniceiro e um seio tatuado. Cavalgada de pesadelo, sempre em crescendo, através da escuridão, que finalmente atinge o auge e o firmamento num fabuloso clímax orquestral, antes do derradeiro apaziguamento em forma de “gospel” declamado. Em “Loom of the Land” Elvis sai de um casino em Las Vegas e encontra Johnny Nash numa “no man’s land” imaginária, do lado escuro da “country”. Nick Cave é o verdadeiro “cowboy” espiritual. (8)
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