Sons
27 de Novembro 1998
WORLD
Outubro em Novembro
A música céltica, sem rótulos nem (por enquanto) enfeites de Natal, regressa em força com duas lendas, um Outono de esplendor e uma harpa a celebrar o Cristianismo.
27 de Novembro 1998
WORLD
Outubro em Novembro
A música céltica, sem rótulos nem (por enquanto) enfeites de Natal, regressa em força com duas lendas, um Outono de esplendor e uma harpa a celebrar o Cristianismo.
Jacqui McShee pertence a uma geração de vozes femininas sobreviventes dos primórdios do folk-rock britânico dos anos 70, juntamente com Maddy Prior, Shirley Collins, Mandy Morton, Linda Thompson e June Tabor, entre outras. Sandy Denny, essa já não pertence ao mundo dos vivos. Foi nos Pentangle que, ainda nos anos 60, Jacqui se fez notar por uma voz fluida e cristalina que deslizava entre as baladas folk e o jazz. Para trás ficaram álbuns como “Basket Of Light”, “Cruel Sister” e “Solomon’s Seal”, situados um pouco à margem das principais forças motrizes do movimento – Fairport Convention, Steeleye Span, Strawbs, Albion Band – mas que trouxeram para os terrenos da folk uma agilidade que saltava entre o misticismo e o gosto pela improvisação. Passaram os anos e os Pentangle, sempre impulsionados pela voz de Jacqui e pelos talentos instrumentais de Danny Thompson (hoje movendo-se livremente pelas alamedas do jazz), John Renbourn (o medievalista do grupo) e Bert Jansch (estilista da guitarra (fingerpicking”), foram perdendo fulgor, apagando-se, mesmo assim, em glória, com “So Early in the Spring”, lançado há dois anos. Jacqui McShee apossou-se entretanto do nome da banda assinando este novo trabalho como Jacqui McShee’s Pentangle, um colectivo de novos músicos onde avulta o baterista Gerry Conway, ex-Fotheringay. “Passe Avant” é, como seria de prever, um pretexto para pôr em relevo as capacidades vocais da cantora, oscilando entre arranjos ortodoxos de temas tradicionais como “The house carpenter” e “The nightingale” e uma veia jazzística explorada ainda com maior intensidade que nos Pentangle, como “Gypsy countess”. Belíssimas, a incursão pela nova tradição francesa, em “Jardin d’amour”, composto por Pierre Bensusan, o “standard” “We’ll be togheter again” – balada carregada de nostalgia pelo sax fumarento de Jerry Underwood onde a cantora demonstra todas as suas potencialidades expressivas como cantora de jazz – e o tradicionalismo folk (embora num original do grupo...) assumido até às últimas consequências, em “Lagan love”. Já as incursões por um outro tipo de jazz de fusão de modernidade mais do que duvidosa, como “Edson” e “Midnight dance”, só podem ser encaradas como chamadas de atenção para o ecletismo de Jacqui McShee que, todavia, se despede com outra balada tocante, “Just for you (song for Cath), onde as entoações folk e jazz da voz se confundem para nos mostrarem, bem juntas, a emotividade, a subtileza e a interiorização de uma cantora que decorridos trinta anos de carreira amadureceu sem perder a frescura dos primeiros tempos. (Park, distri. Megamúsica, 7).
Outra lenda do “folk rock” inglês, os Steeleye Span, perderam a sua diva, Maddy Prior. “Time”, álbum anterior do grupo, em que Maddy partilhava as vocalizações com Gay Woods (que cantara no primeiro disco do grupo, “Hark! The Village Wait”, antes de formar os The Woods Band com Terry Woods), surge assim como passagem de testemunho entre as duas cantoras, uma vez que em “Horkstow Grange”, a responsabilidade vocal, no sector feminino, passou a ser da inteira responsabilidade de Gay. Menos elástica e de timbre mais metálico (além de uma inconfundível ponta “country”) que Maddy Prior, Gay não deixa, no entanto, os seus créditos por mãos alheias, mesmo quando por vezes recorre a algumas artimanhas de estúdio ou se escuda nas harmonizações vocais colectivas que, de resto, sempre foram uma das imagens de marca dos Steeleye. O violino de Peter Knight, a bateria do multifacetado Dave Mattacks (dos Fairport Convention aos Pere Ubu, bateu todo o terreno...) e a escolha judiciosa dos temas permitem a sustentação de um nível de qualidade mais do que satisfatório. Atente-se na curiosidade que constitui “Queen Mary/Husden house”, com os teclados de Tim Harries simulando uma harpa, numa evocação, precisamente, dos primórdios do grupo, de “Hark! The Village Wait” e “Please to see the King”. E temas como “Bonny birdy” ou “I wish that I never was wed” dão-nos a garantia de que o “folk rock” está longe de ter secado. (Park, distri. Megamúsica, 7).
Na Escócia, os The House Band insistem, por seu turno, em não se deixarem arrastar pela corrente “celtic shit” que vai empurrando para o esgoto um número crescente de produtos cuja quantidade não pára de aumentar, ainda para mais agora que o Natal se avizinha... “October Song” é, diga-se desde já, uma peça fundamental na discografia do grupo. Roger Wilson é um cantor e violinista de formidáveis recursos cuja vocalização em “Seven yellow gypsies” – tema monumental que, se não estamos em erro, é uma variação de “Raggle taggle gypsy”, que recordamos de uma portentosa interpretação pelos Planxty – evoca o melhor de Martin Carthy. Ged Foley faz-lhe frente com “The Factory Girl”, outra canção de antologia de “October Song” ainda, curiosamente, a fazer lembrar o mesmo tipo de abordagem estilística de Martin Carthy. Como de costume, há incursões no Leste, neste caso através do tradicional romeno “Risipiti”, instrumentalmente das melhores coisas que temos ouvido nos últimos tempos. Delírio da bombarda e da flauta. Puro gozo. “The end of the world” repete, com outro título, um tema de “Word of Mouth”, no primeiro de três “an dro” bretões compostos respectivamente por Patrick Molard, Jean-Michel Veillon e Alain Pennec. Os veteranos John Skelton, na flauta, bombarda, gaita-de-foles francesa (na modalidade “veuze”) e whistles, Ged Foley, na guitarra e bandolim, e Chris Parkinson, na concertina e harmónica, derramam o seu virtuosismo num álbum que apenas pecará pelo grafismo, pouco adequado à estética do grupo, da capa. Quanto à música, roça a nota máxima. (Green Linnet, import. FNAC, 9).
Os amantes da harpa voltam a ter motivos de regozijo com o mais recente trabalho de Savourna Stevenson, “Calman the Dove”, projecto conceptual em torno da “celebração da chegada do Cristianismo celta à ilha de Iona”. Executado na sua estreia na abadia da ilha, esta nova versão de “Calman the Dove” reuniu em estúdio a harpista (que neste álbum também toca teclados), Davy Spillane (no “low whistle” e “uillean pipes” e Anne Wood, no violino. Respirando calma e religiosidade, “Calman the Dove” não descura, no entanto, a proverbial tendência de Savourna para, sempre que pode, testar os limites e potencialidades do instrumento, notando-se embora um pendor místico que contraria o lado mais experimentalista de um álbum como “Tickled Pink”. Depois, sabe sempre bem escutar Davy Spillane numa onda de disciplina. (Cooking Vinyl, distri. MC - Mundo da Canção, 7).
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