Sons
22 de Janeiro 1999
REEDIÇÕES
Obrigado, Cristo, pela bomba
Os “blues” e a paranóia, o rock sinfónico e a poesia de um bardo celta – três apontamentos nas margens dos anos 70.
Os Groundhogs nasceram no final dos anos 60, inspirados pelos “blues” de John Lee Hooker e pela pop dos Beatles e dos Kinks. Mas é no início da década seguinte que o grupo do guitarrista Tony McPhee atinge a maturidade e a popularidade. “Thank Christ for the Bomb”, de 1970 (reedição remasterizada), terceiro álbum da banda, reflecte a nota de estranheza que sempre caracterizou a música do grupo. A temática antibelicista, perspectivada com uma ironia e uma crueza pouco habituais na época, funciona como suporte de uma música assombrada por melodias aveludadas (John Peel tocou até à exaustão o tema “Soldier”, cujas mudanças de tom e “nuances” vocais deixam adivinhar a presença fantasmagórica de Paul McCartney e Ray Davies…) e uma leitura dos “blues” pautada pela suavidade. Uma sonoridade estranha, fora do tempo e das regras de um estilo, “os blues”, que Tony McPhee condensa no formato guitarra/baixo/bateria de forma inigualável.
Esta estranheza acentua-se em “Split”, de 1971, com reedição também remasterizada. “Split” disseca a paranóia e a dissociação de personalidade sofridas por McPhee, na consequência de um “flipanço” (seis meses de “bad trip”, incluindo a ressaca…) provocado pela ingestão involuntária (?) de LSD. A guitarra explode literalmente, nas quatro secções que compõem o título-tema, em solos de uma violência, intensidade e experimentação sónica que tocam o génio de Jimi Hendrix. O público britânico vibrou com o sofrimento e fez de “Split” um dos álbuns mais vendidos de toda a carreira dos Groundhogs – chegou ao 5º lugar no top.
“Hogwash”, de 1972, já com Clive Brooks, ex-Egg, no baixo, em substituição de Pete Cruickshank (que nunca chegou a recuperar a sanidade mental, também ele exagerando na dose de LSD…), introduz pela primeira vez a electrónica na música dos Groundhogs, acentuando ainda mais a dicotomia entre a força e simplicidade emocional aprendidas com os mestres do “blues” e um lado mais conceptualista e abstracto que McPhee constrói com o “mellotron” e uma panóplia de sintetizadores. Entre os “blues” psicadélicos e uma mutação aberrante da música cósmico-progressiva, “Hogwash” infecta como uma bactéria demoníaca. (BGO, distri. Megamúsica, 8, 8 e 8)
Curiosamente, em paralelo com estas três reedições, foi lançado no ano passado um novo álbum dos Groundhogs, “Hogs in Wolf’s Clothing”, que assinala o regresso de Tony McPhee às origens, com uma colecção de versões de temas de outro dos seus heróis, Howlin’ Wolf, “bluesman” do Inferno, do abandono e do desespero absolutos. Uma viagem através da noite e da solidão, com a guitarra eléctrica de McPhee galgando até aos limites da desolação. (HTD, distri. Megamúsica, 7)
No extremo oposto do espectro da música dos anos 70, estão os Strawbs. “Hero and Heroine” e “Ghosts”, ambos editados em 1974, regressam remasterizados, como exemplo de uma música que nessa altura já deixara para trás a herança folk dos primeiros álbuns e superara o trauma provocado pela saída de Rick Wakeman. Nasciam os grandes instrumentais e as profundas tiradas poéticas típicas do rock sinfónico, na sombra dos Genesis e da herança dos Beatles, para onde Dave Cousins, vocalista de inquestionável carisma, empurrara o grupo. Sem atingir o brilho e a originalidade dos anteriores “From the Witchwood” e “Grave New World”, os Strawbs aproximavam-se aqui do fim de uma carreira, que se foi esvaindo num rasto de teatralidade e elegância. (A&M, import. Lojas Valentim de Carvalho, 6/6)
Ao contrário de Dave Cousins, Robin Williamson é um verdadeiro bardo. O cantor e multi-instrumentista dos Incredible String Band, extinta a sua parceria, nesta banda, com Mike Heron, pegou na harpa, viajou para sua Escócia natal e perdeu-se nas névoas da mitologia e música célticas. Não é bem o caso de “Dream Journals 1966-76”, fragmentos instrumentais e peças declamatórias (exploradas por Williamson nos Merry Band), que o músico recuperou e alterou para criar um novo painel de sonhos onde o surrealismo se cruza com a magia das histórias e lendas que o ex-Incredible String Band narra de forma quase radiofónica. “Dream Journals” devolve-nos o prazer da escuta da palavra. Da sua música, dos seus desenhos, das suas entoações mágicas. (Pigs Whisker, import. Virgin, 7)
22 de Janeiro 1999
REEDIÇÕES
Obrigado, Cristo, pela bomba
Os “blues” e a paranóia, o rock sinfónico e a poesia de um bardo celta – três apontamentos nas margens dos anos 70.
Os Groundhogs nasceram no final dos anos 60, inspirados pelos “blues” de John Lee Hooker e pela pop dos Beatles e dos Kinks. Mas é no início da década seguinte que o grupo do guitarrista Tony McPhee atinge a maturidade e a popularidade. “Thank Christ for the Bomb”, de 1970 (reedição remasterizada), terceiro álbum da banda, reflecte a nota de estranheza que sempre caracterizou a música do grupo. A temática antibelicista, perspectivada com uma ironia e uma crueza pouco habituais na época, funciona como suporte de uma música assombrada por melodias aveludadas (John Peel tocou até à exaustão o tema “Soldier”, cujas mudanças de tom e “nuances” vocais deixam adivinhar a presença fantasmagórica de Paul McCartney e Ray Davies…) e uma leitura dos “blues” pautada pela suavidade. Uma sonoridade estranha, fora do tempo e das regras de um estilo, “os blues”, que Tony McPhee condensa no formato guitarra/baixo/bateria de forma inigualável.
Esta estranheza acentua-se em “Split”, de 1971, com reedição também remasterizada. “Split” disseca a paranóia e a dissociação de personalidade sofridas por McPhee, na consequência de um “flipanço” (seis meses de “bad trip”, incluindo a ressaca…) provocado pela ingestão involuntária (?) de LSD. A guitarra explode literalmente, nas quatro secções que compõem o título-tema, em solos de uma violência, intensidade e experimentação sónica que tocam o génio de Jimi Hendrix. O público britânico vibrou com o sofrimento e fez de “Split” um dos álbuns mais vendidos de toda a carreira dos Groundhogs – chegou ao 5º lugar no top.
“Hogwash”, de 1972, já com Clive Brooks, ex-Egg, no baixo, em substituição de Pete Cruickshank (que nunca chegou a recuperar a sanidade mental, também ele exagerando na dose de LSD…), introduz pela primeira vez a electrónica na música dos Groundhogs, acentuando ainda mais a dicotomia entre a força e simplicidade emocional aprendidas com os mestres do “blues” e um lado mais conceptualista e abstracto que McPhee constrói com o “mellotron” e uma panóplia de sintetizadores. Entre os “blues” psicadélicos e uma mutação aberrante da música cósmico-progressiva, “Hogwash” infecta como uma bactéria demoníaca. (BGO, distri. Megamúsica, 8, 8 e 8)
Curiosamente, em paralelo com estas três reedições, foi lançado no ano passado um novo álbum dos Groundhogs, “Hogs in Wolf’s Clothing”, que assinala o regresso de Tony McPhee às origens, com uma colecção de versões de temas de outro dos seus heróis, Howlin’ Wolf, “bluesman” do Inferno, do abandono e do desespero absolutos. Uma viagem através da noite e da solidão, com a guitarra eléctrica de McPhee galgando até aos limites da desolação. (HTD, distri. Megamúsica, 7)
No extremo oposto do espectro da música dos anos 70, estão os Strawbs. “Hero and Heroine” e “Ghosts”, ambos editados em 1974, regressam remasterizados, como exemplo de uma música que nessa altura já deixara para trás a herança folk dos primeiros álbuns e superara o trauma provocado pela saída de Rick Wakeman. Nasciam os grandes instrumentais e as profundas tiradas poéticas típicas do rock sinfónico, na sombra dos Genesis e da herança dos Beatles, para onde Dave Cousins, vocalista de inquestionável carisma, empurrara o grupo. Sem atingir o brilho e a originalidade dos anteriores “From the Witchwood” e “Grave New World”, os Strawbs aproximavam-se aqui do fim de uma carreira, que se foi esvaindo num rasto de teatralidade e elegância. (A&M, import. Lojas Valentim de Carvalho, 6/6)
Ao contrário de Dave Cousins, Robin Williamson é um verdadeiro bardo. O cantor e multi-instrumentista dos Incredible String Band, extinta a sua parceria, nesta banda, com Mike Heron, pegou na harpa, viajou para sua Escócia natal e perdeu-se nas névoas da mitologia e música célticas. Não é bem o caso de “Dream Journals 1966-76”, fragmentos instrumentais e peças declamatórias (exploradas por Williamson nos Merry Band), que o músico recuperou e alterou para criar um novo painel de sonhos onde o surrealismo se cruza com a magia das histórias e lendas que o ex-Incredible String Band narra de forma quase radiofónica. “Dream Journals” devolve-nos o prazer da escuta da palavra. Da sua música, dos seus desenhos, das suas entoações mágicas. (Pigs Whisker, import. Virgin, 7)
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