10/04/2010

Paolo Conte - Tournée 2

Sons

15 de Janeiro 1999
DISCOS – POP ROCK

Paolo Conte
Tournée 2 (9)
East West, distri. Warner Music

O piano bêbedo, parte 2

O primeiro volume de “Tournée”, contendo gravações de uma digressão pela Europa efectuada entre 1991 e 1993, foi editado precisamente há cinco anos (crítica no Pop Rock de 11 de Janeiro). Em tons de vermelho, o iluminado “crooner” italiano demonstrava toda a sua arte de recauchutador de um tempo perdido, simultaneamente “retro” e actual. Conte é o trovador ébrio de todos os fins de noite, a personagem hesitante entre vários mundos, o popular e o jazz, o espectáculo e a poesia, o drama e a comédia. Em italiano, francês, inglês ou alemão, as suas palavras e a sua voz de barítono errante exprimem sentimentos tão fortes como vagos, filtrados pelo fundo de um copo vazio. “Tournée 2” prossegue a demonstração, actualizando espectáculos realizados entre 1994 e 1998 em salas de Roma, Milão, Nápoles, Veneza, Londres, Berlim, Varsóvia, Bruxelas, Hamburgo, Paris, Montecarlo, Amesterdão, Nova Iorque, Montréal e Atenas. Desta feita em tons de roxo e azul a ilustrarem o mesmo recorte de montanhas diluídas num horizonte de lembranças.
Acompanhado por uma “big band” ou simplesmente concentrado no seu piano forte, Conte espalha o seu talento por dois discos onde cabem antigas glórias como “Un fachiro al cinema”, “Novecento”, “A donna della tua vita”, “Swing”, “Schiava del Politeama”, “Il treno va” e o absolutamente magistral “Per quel che vale”, ao lado de originais que dão a conhecer outras cenas de uma superprodução onde o burlesco se casa com o sublime. Devemos levar a sério este cantor que dissolve o musical em lascas brechtianas, apelando à voz feminina de Ginger Brew, em “Legendary”, desfaz o jazz em puro prazer swingante, em “Gong-oh”, e confere sentidos inusitados à balada napolitana? Devemos desfazer-nos em lágrimas ou rir à gargalhada com esta navegação pelo absurdo que apenas faz sentido no pátio da nossa própria imaginação? James Bond, Franco Francchi e Ciccio Ingrasia, as mulheres de Fellini, as sombras de Tom Waits (com quem Conte partilha a posse de um piano bêbedo) e Bryan Ferry, a Europa enfiada num cenário de Hollywood. As baladas, os embalos e os tombos desta voz rouca fazem naufragar tudo o que tínhamos como fixo e definitivo. Restam fragmentos, festas ao luar, o sorriso de Duke Ellington, milongas e habaneras, paródias apalhaçadas vibrando na mortalha de um kazoo. Paolo Conte é um “virtuose”, não confundir com virtuoso, que ninguém duvide disso. O tempo da sua música não é o tempo vulgar. Ouça-se “Swing”, com a sua grande orquestra em grande forma, com solos de alta montanha, recortados contra um ecrã dos anos 30. Ouça-se o humor galopante e intimista de “Tua cugina prima (tutti a Venezia)”, a declaração apaixonada de “Spassiunatamente”. Devore-se cada entoação, cada facada no coração, cada recanto privado desta música que se ilumina nos palcos de um festival da Eurovisão privado. Paolo Conte é um génio. Alguém tem dúvidas sobre isso?

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