Sons
26 de Fevereiro 1999
DISCOS – POP ROCK
26 de Fevereiro 1999
DISCOS – POP ROCK
O diabo com sapatos de camurça
Chuck E. Weiss
Extremely Cool (8)
Rykodisc, distri. MVM
“Foi numa noite de lua cheia que escrevemos metade destas canções. Por entre o intermitente coaxar das rãs, ao cósmico decote dourado das estrelas, as luminosas gotas da humidade dos pauis cruzavam a paisagem em insinuantes adornos e abrupta lascívia celeste. Tínhamo-nos conhecido há 25 anos num registo nocturno de maior obscuridade: roubávamos anões de jardim nos relvados de Beverley Hills. O espólio obtido era cuidadosamente empilhado no beco ao lado do 69ers, um ‘late bar’ no centro de Los Angeles, e era então que nos libertávamos das agruras do mundo. Éramos uma dupla bem conhecida na cena noctívaga da cidade, e não só pelos nossos méritos musicais (...) De novo no centro da cidade, e com emprego fixo num casino aberto 24 horas por dia, pudemos explorar novos caminhos e experimentar inesperadas combinações: shows com animais, coristas, travestis, enfim... a nata do showbiz do submundo. Com o passar dos anos, esta imagem atenuou-se cada vez mais, até ficar como uma qualquer história que se ouve numa conversa casual entre copos, cigarros e música de ‘jukebox’.” É com estas palavras que Tom Waits explica a sua relação pessoal e artística com Chuck E. Weiss, um compositor/intérprete que ao fim de um longo período de gestação das canções que escreveu (18 anos, desde o momento em que foram concebidas) editou finalmente o seu primeiro álbum de originais, tendo como produtor executivo o actor Johnny Depp e a participação vocal do próprio Waits.
Para além de explicar alguns pedaços de vida desta relação, a citação dá um tom bastante aproximado do ambiente geral que caracteriza este trabalho. Chuk E. Weiss, como Tom Waits, ou mais ainda do que este, é um vagabundo das horas mortas (ou demasiado vivas) afogadas em álcool e loucura.
“Extremely Cool” passa pelo meio do fumo e cheio de rouquidão, com o passo acertado pelos “blues” (Chuck tocou com Lightin’ Hopkins, Willie Dixon e Muddy Waters), o jazz de cabaré, o “cajun”, o rockabilly, o rock‘n’roll e a música de variedades, como em geral é entendida a partir das cinco horas da madrugada. Chuck E. Weiss é um Alan Vega sem a metralha dos Suicide, um apaixonado pelo “bourbon” e pelos abismos (é raro ouvir chorar tanto um trompete, como acontece em “Deeply sorry”). E, já agora, por uma boa piada assassina. Um “crooner” de pacotilha que gosta de swingar e pôr a alma a nu. Aquecida por um corpo ou por um copo, tanto faz. Imagine-se uma luz tão velada e um coração tão ferido como o do seu companheiro de estrada, Tom Waits, em álbuns como “Small Change” ou “Blue Valentine”, sem a orquestra, mas aos tropeções nas mesmas ruas e nos mesmos camarins. Só que Chuck E. Weiss chegou depois e o seu passo é mais angustiado. Como no blues de abertura “Devil with blue suede shoes”. Faz sentido. Voltando a pegar nas palavras de Tom Waits: “Ainda me lembro da primeira vez que, numa saudável euforia alcoólica, o Chuck abandonou o seu lugar habitual na bateria, colocando-se ao meu lado na frente do palco e... quem diria! O Chuck cantava! E, meu Deus, cantava como se o próprio diabo o perseguisse!”
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