30/11/2010

Jim O'Rourke - Eureka

Sons

26 de Março 1999
DISCOS – POP ROCK

Ideia luminosa
Jim O’Rourke
Eureka (8)
Domino, distri. Música Alternativa


Em Chicago recicla-se até ao infinito a espiral das últimas quatro décadas de música pop. Nos comandos desta linha de montagem encontra-se Jim O’Rourke, patriarca do pós-rock, erudito de reconhecidos méritos (acertou em todos os nomes com que a revista “The Wire” o desafiou numa das suas últimas Invisible Jukebox), divulgador de novos talentos (entre os quais Nuno Canavarro, que Jim descobriu através de “Plux Quba”, gravada pelo músico português em 1988, editando o disco na sua própria editora Moikai) e amigo (por vezes até demais) dos seus amigos.
Depois da reconversão dos Gastr del Sol de discípulos heterodoxos dos Faust (com um álbum novo disponível em Portugal em finais do próximo mês) em neuróticos da pop, no álbum do ano passado, “Camoufleur”, também na sua obra a solo o conceptualista de Chicago se vem emaranhando cada vez mais nas malhas de um passado tão diversificado quanto sedutor nas margens do mainstream. E se, neste particular, o seu anterior trabalho, “Bad Timing”, cultivava ainda o gosto por um certo desequilíbrio estrutural e por heranças estéticas politicamente incorrectas – como as dos Faust ou de um dos seus heróis, John Fahey –, neste novo “Eureka” a ideia luminosa passa pela rendição à luxúria dos meios técnicos facultados pelo estúdio e às doçuras da pop encarada como arquitectura orquestral, numa profusão de sopros, cordas, piano classicizante, subtilezas pontilhísticas e toda a espécie de ornamentações electrónicas que não deixam de evocar a obra de Van Dyke Parks.
“Eureka” flutua num limbo de lembranças e sonoridades embelezadas pela “patine” do anacronismo, remetendo canções como “Prelude to 110 ou 120/Women of the world” e “Movie on the way down” para o trabalho de trovadores dos anos 70 como Roy Harper e Neil Young (o mais doce, de “After the Gold Rush”, “Harvest” ou da recente revisitação a este último disco, “Harvest Moon”), respectivamente, enquanto “Through the night slowly” transporta reminiscências de Robert Wyatt em “Ruth is Stranger than Richard” somadas ao easy listening de luxo dos High Llamas e Stereolab. “Eureka”, o título-tema, desliza, por sua vez, pelas alamedas povoadas de répteis sombrios que Brian Eno destapou em “Another Green World” (aparentemente uma das redescobertas mais recentes dos pós-rockers). O easy listening (e as referências, tornadas já um pouco fastidiosas à bossa-nova) instala-se, de resto, na versão de um tema de Burt Bacharach, “Something big”, ao mesmo tempo uma demonstração da fixação do músico de Chicago no legado deixado pelos grupos ingleses de Canterbury, também eles fascinados pelas melodias e nostalgia da bossa-nova.
“Eureka”, pese embora a diversidade de influências em jogo, inevitáveis em alguém com a cultura musical de Jim O’Rourke, consegue, todavia, provocar o efeito de verosimilhança, indispensável em qualquer boa obra de ficção. Porque, se, para o compositor, a causa se encontra nos livros de História, o objectivo, esse aponta para o futuro. Mesmo quando o futuro passa por adquirir a forma, ou a quintessência, de uma visão perdida algures nas catacumbas da alma, como um anjo decaído que procurasse acima das nuvens o elo perdido da sua identidade celeste.

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