Sons
26 de Março 1999
WORLD
Palavras para quê?
Solas
The Words that Remain (9)
Shanachie, distri. MC – Mundo da Canção
As palavras que permanecem são como as árvores. Criam raízes na alma, florescem e frutificam. Da mesma forma, os Solas cresceram de tal forma desde o seu álbum de estreia, “Solas”, gravado em 1996, passando por “Sunny Spells and Scattered Showers”, do ano seguinte, que, também eles, dão a provar o sabor da eternidade. “The Words that Remain” é, seja qual for a perspectiva com que o encaremos, um clássico.
Em primeiro lugar, no que julgamos ser a característica mais importante da música de raiz céltica, é a maneira como nos faz mover por dentro, como nos transporta para territórios anímicos que só a melhor música tradicional da Irlanda é capaz de revelar. Há aqui um segredo, um sortilégio qualquer que os Solas descobriram. O mesmo segredo de que, no passado, apenas os The Bothy Band e os Planxty foram detentores. Karan Casey, a cantora do grupo, é absolutamente espantosa em todas as suas intervenções, a começar pelo tema de abertura, uma versão e interpretação vocal de antologia de um original de Woodie Guthrie, “Pastures of plenty”, pondo a vibrar a mais ínfima célula do corpo. O mesmo acontece em “The grey selchie”, “Song of choice” (em dueto com a cantora country Iris de Ment, duas vozes em estado de graça, numa comunhão perfeita de intenções e de timbres), “I am a maid that sleeps in love”, “A chomaraigh aoibhinn ó” (tem que se ouvir para se acreditar, a grande arte não se explica, vive-se) e “Sráid an chioig” (Enyas e Loreenas deste mundo aprendam como se toca no paraíso sem ser preciso ir ao supermercado...) constituem outros tantos momentos de excepção. Ainda da voz de Karan diga-se que possui a mesma dimensão épica – ao mesmo tempo parecendo pertencer a uma criança e carregada de experiência – de Dolores Keane (enquanto jovem e não maculada pelo álcool...), Triona Ní Dhomnaill e Cathy Jordan. Depois, em termos instrumentais, os Solas, liderados por esse prodigioso multinstrumentista que é Seamus Egan, positivamente explodem de talento, bom-gosto e técnica de execução. “The stride set” (reels, com a presença do banjo de Bela Fleck), com passagem pela Galiza, com seguimento para “The waking up set” (jigs), trazem-nos à memória algumas das páginas douradas do “Irish folk revival” dos anos 70. Também para inscrever nos compêndios fica a conversa a três entre a flauta de Seamus Egan, o violino de Horan e a concertina de Mick McAuley em “The vega set”. Num registo de doçura, o violino de Winifred Horan afaga e afasta os medos nocturnos, em “La bruxa”, enquanto a descontracção evidenciada em “Sproggies set” é de fazer morrer de inveja a concorrência. Ouçam, com máxima urgência, “The Words that Remain”. Mais palavras para quê?
26 de Março 1999
WORLD
Palavras para quê?
Solas
The Words that Remain (9)
Shanachie, distri. MC – Mundo da Canção
As palavras que permanecem são como as árvores. Criam raízes na alma, florescem e frutificam. Da mesma forma, os Solas cresceram de tal forma desde o seu álbum de estreia, “Solas”, gravado em 1996, passando por “Sunny Spells and Scattered Showers”, do ano seguinte, que, também eles, dão a provar o sabor da eternidade. “The Words that Remain” é, seja qual for a perspectiva com que o encaremos, um clássico.
Em primeiro lugar, no que julgamos ser a característica mais importante da música de raiz céltica, é a maneira como nos faz mover por dentro, como nos transporta para territórios anímicos que só a melhor música tradicional da Irlanda é capaz de revelar. Há aqui um segredo, um sortilégio qualquer que os Solas descobriram. O mesmo segredo de que, no passado, apenas os The Bothy Band e os Planxty foram detentores. Karan Casey, a cantora do grupo, é absolutamente espantosa em todas as suas intervenções, a começar pelo tema de abertura, uma versão e interpretação vocal de antologia de um original de Woodie Guthrie, “Pastures of plenty”, pondo a vibrar a mais ínfima célula do corpo. O mesmo acontece em “The grey selchie”, “Song of choice” (em dueto com a cantora country Iris de Ment, duas vozes em estado de graça, numa comunhão perfeita de intenções e de timbres), “I am a maid that sleeps in love”, “A chomaraigh aoibhinn ó” (tem que se ouvir para se acreditar, a grande arte não se explica, vive-se) e “Sráid an chioig” (Enyas e Loreenas deste mundo aprendam como se toca no paraíso sem ser preciso ir ao supermercado...) constituem outros tantos momentos de excepção. Ainda da voz de Karan diga-se que possui a mesma dimensão épica – ao mesmo tempo parecendo pertencer a uma criança e carregada de experiência – de Dolores Keane (enquanto jovem e não maculada pelo álcool...), Triona Ní Dhomnaill e Cathy Jordan. Depois, em termos instrumentais, os Solas, liderados por esse prodigioso multinstrumentista que é Seamus Egan, positivamente explodem de talento, bom-gosto e técnica de execução. “The stride set” (reels, com a presença do banjo de Bela Fleck), com passagem pela Galiza, com seguimento para “The waking up set” (jigs), trazem-nos à memória algumas das páginas douradas do “Irish folk revival” dos anos 70. Também para inscrever nos compêndios fica a conversa a três entre a flauta de Seamus Egan, o violino de Horan e a concertina de Mick McAuley em “The vega set”. Num registo de doçura, o violino de Winifred Horan afaga e afasta os medos nocturnos, em “La bruxa”, enquanto a descontracção evidenciada em “Sproggies set” é de fazer morrer de inveja a concorrência. Ouçam, com máxima urgência, “The Words that Remain”. Mais palavras para quê?
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