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30|NOVEMBRO|2001
música|biosphere
Planetário
Poderá
ser um dos concertos mais espetaculares do ano. O Auditório de Serralves
abrir-se-á à música de Biosphere, projeto do norueguês Geir Jenssen. Imbuída de
forte carga cinematográfica, a eletrónica de Biosphere conjuga a imensidão dos
grandes espaços árticos e o brilho hipnótico de pequenas estrelas vivas. Para
ver, ouvir e sonhar. Como uma estufa. Ou um planetário.
1. origem
Biosfera. “A
fina camada da superfície da terra e do mar que contém a massa total dos
organismos vivos existentes no planeta, que processam e reciclam a energia e os
nutrientes disponíveis no meio ambiente” (in Enciclopédia Britânica). Em 90, ao
tomar conhecimento do projeto científico “Biosphere 2 Space Station Project” –
gigantesca cúpula de vidro no deserto do Arizona –, Geir Jenssen adaptou esta
designação ao seu projeto musical. Na estação “Biosphere 2” testava-se a
viabilidade da manutenção, no espaço, de uma colónia terrestre; na cúpula
“Biosphere 2” habitaram várias famílias em isolamento do exterior. Da mesma
forma, a música de Biosphere evoca a solidão dos espaços polares e recria a
biodiversidade de organismos sónicos em mutação. A sua serenidade advém de uma
visão distanciada do planeta, observado a partir do espaço.
2.
ambiente
Nos anos 80,
Jenssen integrou o grupo Bel Canto, responsável por dois álbuns editados na
editora Crammed Discs, um dos quais, “White-out Conditions”, é um clássico da
“pop atmosférica”. Atmosfera que viria a revelar-se ainda demasiado densa para
o desejo de silêncio do norueguês. O passo seguinte dá pelo nome de Bleep. A
eletrónica liberta-se da pop e passa a desenvolver-se através das pulsações da
tecno ambiental. É já como Biosphere que grava os clássicos “Microgravity” e
“Patashnik”, este último indutor de sonhos para a geração do “chill-out”.
Transe boreal cuja síntese se encontra no cume gelado de “En trance”. Mas
quando “Novelty waves”, retirado de “Patashnik”, é usado com anúncio da Levi’s,
Jenssen percebe que chegara a altura de partir de novo. A viagem culminaria nas
paisagens de “arctic sound” de “Substrata” e da obra-prima “Cirque”.
3. espaço
Depois de
Bruxelas e Oslo, Jenssen estabelece a sua residência em Tromso, cidade
norueguesa a 400 milhas a Norte do Círculo Polar Ártico. Aí, longe do caos
urbano, a atmosfera é mais límpida e o céu parece mais próximo. Biosphere é um
telescópio apontado ao negro do firmamento, emissão galática, pesquisa de
sinais de vida extraterrestres, mas também colónia de organismos microscópicos
em agitação atómica sob o manto do “groove” eletrónico. “Trabalho devagar”,
disse Geir Jenssen em 1994. O espaço resolve-se no tempo e na distância, que o
norueguês considera essencial para a criação musical.
4. cinema
Geir Jenssen
afirma que toda a música que o entusiasma tem a capacidade de provocar visões
na sua mente. Afinal, o mesmo estímulo que o cinema. Existe uma relação
estreita entre som e imagem quer dentro da estrutura da música dos Biosphere,
quer em bioeletroentidades compostas para bandas sonoras – como o clássico do
cinema mudo soviético, “O Homem da Câmara de Filmar” (1929, Dziga Vertov), com
o tema “The silent orchestra”, ou “Kill by Inches” (1999, Doniol-Valcroze), bem
como a totalidade da banda sonora de “Insomnia”, de 1997, de Erik Skjoldbjærg.
É ainda Jenssen quem aconselha o ouvinte a construir as suas próprias
narrativas e visões.
5.
iluminação
“Cirque”
culminou um trabalho de depuração. Da embalagem – digipak povoado de texturas
que por si só desencadeiam a projeção do filme interior – ao conteúdo, é um
universo de temperaturas, ventos e alucinações, num espectro que vai da
auto-descoberta e das paisagens glaciares ao beat minimal. Cristais de gelo,
fauna e flora subliminares, contraponto glaciar da selva tropical noturna dos
Can de “Future Days”. Inspirou-se no livro “Into the Wild”, de Jon Krakauer,
crónica de viagens de Chris McCandless que, após deambulações pela América do
Norte, terminou a sua demanda nas paisagens desoladas do Alasca, onde o seu
corpo foi encontrado morto, com uma nota de SOS.
6.
cristais
Geir
Jenssen/Biosphere tem ainda a sua assinatura numa quantidade de álbuns, entre
encomendas, compilações ou remisturas. Destacam-se “Nordheim Transformed”,
recriação da música do compositor de eletrónica norueguês dos anos 70, Arne
Nordheim, em colaboração com Deathprod, e os dois volumes de “The Fires of
Ork”, de parceria com o alemão Pete Namlook. “Substrata 2”, já deste ano, é
outro digipak com embalagem de luxo, onde cabe a versão remasterizada de
“Substrata”, um dos melhores álbuns de “ambiente tecno”. Também deste ano,
“Light” reúne os nove temas compostos para a banda sonora de “O Homem da Câmara
de Filmar”.
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