5 de Julho de 1995
JOGO DE NERVOS
É fácil perdermo-nos no labirinto de sons, palavras e imagens criados por Laurie Anderson. Difícil fazer “pause” numa obra cuja estrutura global se assemelha a um jogo de computador. Com os seus vários níveis de dificuldade e gráficos de excelente qualidade. O “menu” de referências é imenso, praticamente infinito. O gráfico principal reproduz o mapa dos Estados Unidos da América, ampliados à escala do universo.
Nível 1. Número de jogadores, dois. Com ou sem som? Com, obviamente. “Start”. Uma mulher, já não muito nova, de cabelo curto mal cortado, toca violino com um arco fluorescente. “Big Science”. Caímos em queda livre, num voo indeterminado sobre a América. Sobrevivemos, é claro. No mundo virtual somos todos heróis. “O superman”, o habitante deste admirável mundo novo onde é possível controlar os maquinismos da realidade, sai vencedor. “O superman”, oito minutos de discurso andróide, sobe incompreensivelmente ao top de vendas. A saída do lado direito do ecrã dá acesso a uma ilha do Pacífico em cujo centro se esconde “Mr. Heartbreak”. A resolução da imagem do mar – o Inconsciente Colectivo, saberemos no fim, depois de atingirmos, no final deste dédalo parcial, a ilha do tesouro – é do melhor que se pode esperar. Alta definição. Sem brilho, mas com a qualidade média que nos habituámos a receber da criadora destes jogos.
Tudo se complica no nível seguinte, uma simulação, “ao vivo”, em quatro partes, de “United States of America”. “United States of the Mind”. Quatro gráficos, um de cada cor, dão acesso à proto-música da “clone performer”, a personagem que escolhemos dos ficheiros.
Pelo canto do gráfico onde aparece desenhada a Florida alcançamos o nível seguinte, “Home of the Brave”, casa dos monstros como a de “Jurassic Park”, ou do vídeo realizado pela própria Laurie Anderson, “Monsters in a box”, onde se exige mais empenhamento, se se quiser ultrapassar as armadilhas que Laurie, a navegante virtual, coloca no caminho. A voz do monstro mais temível, William Burroughs, carrega consigo a ameaça de uma lucidez despedaçada. “A linguagem é um vírus do espaço exterior”, diz o monstro. Se um dos sentidos perversos desta frase nos atingir na cabeça, estamos liquidados. Fim das vidas. “Game over”. É preciso alcançar a chave do enigma, sem deixar baixar em excesso os níveis de energia. As imagens e discursos confundem-se. A voz de Laurie torna-se masculina. Um lírio digital oferecido a Fassbinder parece querer sair do monitor, torna-se “real” numa outra dimensão. O medo dá lugar aos anjos. De Los Angeles ao anjo de Wim Wenders, com quem Laurie sobrevoa os céus de Berlim “Até ao Fim do Mundo”, um filme sobre a transformação do mundo em imagens e da viciação do homem nas imagens. O “vídeo game” absoluto. Com banda-sonora de canções pop. Produzidas em directo dos circuitos de um computador de uma máquina de jogos electrónicos.
O ecrã cobre-se de súbito de um vermelho monocromático. “Bright Red”, onde o leque de possibilidades de manipulação das diversas morfologias envolvidas se diversifica ainda mais. O rosto da personagem Laurie Anderson sofre múltiplas mutações, ele próprio tornado num gráfico de onde brota uma voz computadorizada. Ao seu e ao nosso lado encontra-se agora um terceiro jogador, perito em interagir com este tipo de informação-arte-diversão: Brian Eno, também ele autor de uma “Nerve Net” (“Rede de Nervos”). Do altifalante, uma voz desumanizada inicia uma sessão de histórias de viagens virtuais pelos Himalaias ou pela Guerra do Golfo, que invadem o quotidiano. O jogo confunde-se progressivamente com a sala onde nos encontramos agarrados ao “joystick”. Torna-se num jogo de nervos. Percebemos então que o labirinto é o labirinto do cérebro. “The Ugly one with the Jewels”. O problema está em onde encontrar a jóia que permite sair do labirinto. Felizmente há o manual com “dicas”, onde se ensina o modo de obter vidas infinitas e é possível visualizar a planta panorâmica do jogo. A bíblia dos jogadores. A “Nerve Bible”. O jogo dos jogos que vamos poder jogar hoje mesmo na sua versão interactiva com Laurie Anderson em Portugal. “Pause”.
Nota: Quem quiser jogar com Laurie Anderson pode ainda fazê-lo no CD-ROM da Macintosh “Puppet Motel”, comercializado pela Voyager, um edifício com 31 quartos correspondentes a outros tantos recantos do cérebro da artista. 44k de som estereofónico de qualidade extraordinária para canções de “Bright Red” e alguns originais num universo audiovisual de exploração infinita, “onde as sombras passam em corrida, as nebulosas rodopiam, as palavras se transformam em fumo e o tempo se move nas duas direcções”. É ainda possível fazer o ponto da situação da actual “Nerve Bible Tour” no ciberespaço, em “The Green Room”, na rede da World Wide Web.
LAURIE ANDERSON
Coliseu dos Recreios, Lisboa, hoje, 21h30
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