11 de Maio de 1994
WORLD
VOZES DO OUTRO LADO DO ESPELHO
ZAP MAMA
Sabsylma
Cramworld, import. Megamúsica
Paris, subúrbio noroeste, edifício B. Uma táxi directamente para Katmandu. Através do vidro da janela é possível vislumbrar um grupo de gospel a cantar ao longe. Visão fugaz e enganosa. Um gospel na Amazónia? De passagem por África lá está James Brown a acenar. Boa altura para sintonizar na rádio Marraquexe. Estranhamente o aparelho debita o som de um “didgeridoo” aborígene australiano. Ou é a voz de uma das Zap Mama a imitar um “didgeridoo”? Ou é um sonho, o sonho mais bizarro da mais bizarra mutação da world music? Aliás, que música do mundo? Melhor dizendo, música de que mundo? Questões para as quais as Zap Mama se estão positivamente nas tintas.
O mundo, para este grupo vocal de raparigas belgas de ascendência africana, é em primeiro lugar a voz. Com a voz, as vozes, reais, naturalistas, virtuais, as Zap Mama entregam-se a um jogo sem objectivo nem fronteiras que em cada lance arrasta as noções de acompanhamento, solo e harmonias vocais. Uma chave para abrir o baú? Em “Locklat Africa” elas dizem: “(…) Mas onde estamos nós? Um passo em frente e um passo atrás, o regresso às raízes essenciais, às raízes humanas. Não somos robôs sociais. Ainda não acabámos de explorar e descobrir as nossas possibilidades, as nossas capacidades físicas e morais. É uma aventura magnífica…”
Com o álbum homónimo de estreia as Zap Mama provocaram o espanto. Com “Sabsylma” provocam a reflexão. À primeira audição a música e as técnicas vocais utilizadas parecem mais próximas neste disco dos cânones tradicionais, sobretudo africanos, mas também indianos como em “India”. Além disso, há o jazz e o chamamento astral de Billie Holiday, em “For no one”, e de James Brown, em “Mr. Brown”. Depois escuta-se uma e outra vez estes cânticos e percebe-se que não pertencem a nenhuma pátria demarcada. Tudo é simulação e esta simulação tem por único objectivo a obtenção de prazer. Como uma criança, a música das Zap Mama move-se por impulsos e não por encadeamentos lógicos. Não há elos cartesianos a ligarem cada tema de “Sabsylma” mas tão-só as imprevisíveis deslocações ditadas pelo tal jogo a que se acrescentam continuamente novas regras. E novos brinquedos. Neste caso e pela primeira vez percussões verdadeiras, palmas, o som de água, cães a ladrar, os vagidos de um bebé no berço.
Outra chave, para abrir o baú dentro do baú? Tentem decifrar a introdução do tema “The mamas of the mamas”: “Os nomes dos nomes cantam para os gémeos dos gémeos, para o duplo dos duplos, para os idênticos ao mesmo.” Quantas Alices do outro lado de quantos espelhos? (8)
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