CULTURA
SEGUNDA-FEIRA, 19 JUL 2004
“O ‘glamour’ é uma sofisticação, um
mistério”
ENTREVISTA COM UTE
LEMPER
Vai cantar em hebraico e árabe no novo espetáculo “Voyage”, “cabaré
político” com base em Berlim. Esta noite, no CCB, em Lisboa, apresenta canções
suas, de Brel, Piazzolla e Brecht. E avisa: é um concerto de “grande impacte
físico”.
“Voyage” é o espetáculo que
Ute Lemper apresentará hoje à noite no Grande Auditório do Centro Cultural de
Belém, uma viagem com início e fim em Berlim onde será acompanhada por quatro
músicos de Nova Iorque, Mark Lambert (guitarra), Vana Gierig (piano), Greg
Jones (baixo) e Todd Turkisher (bateria). Nele, a cantora cantará novas canções
da sua autoria, Jacques Brel, Astor Piazzola e o habitual reportório de Brecht.
A diva do cabaré, atualmente residente em Nova Iorque, cultiva uma imagem onde
o “glamour” e o cabedal se combinam numa dose q.b. de agressividade mas também
de intimismo. Falamos, é claro, de uma mulher fatal.
PÚBLICO – Que espetáculo
irá apresentar em Lisboa?
UTE
LEMPER – Chama-se “Voyage” e o reportório é diferente do anterior “But One
day”. Dei-lhe este nome porque se trata de facto de uma viagem. O ponto de
partida é Berlim, obviamente, regresso sempre lá. As minhas raízes, a minha
herança e o meu reportório pertencem a Berlim. A partir daí construí uma
espécie de cabaré político. A viagem segue pelo Médio Oriente, vou cantar em
hebraico e em árabe. Vai ter um impacte político muito forte. Também haverá reportório
francês, com canções de Jacques Brel, “Buenos Aires”, de Astor Piazzolla e,
claro, as habituais canções de Brecht. Mas o principal vão ser as canções
escritas por mim. Algumas delas novas, como “Ghost of Berlin” e “Nevada”. Vão
ser apresentadas de uma forma muito cinemática.
Como irá ser o espetáculo,
em termos de apresentação?
Trarei
quatro músicos comigo, de Nova Iorque. Vai ter momentos de intimidade. É um
“show” com uma respiração especial e com um grande impacte físico.
Disse uma vez: “Sou
uma vamp, é tudo o que sei fazer, deviam prender-me num zoo.” Continua a ser verdade?
(risos)
Absolutamente!
Num dos seus
espetáculos havia bastante agressividade, falava em vampiros e em beber o
sangue da audiência…
Isso
fazia parte do espetáculo “Berlin Cabaret”. Era uma provocação. Agora sou
bastante mais tolerante.
Que ideia faz do “glamour”?
Não
sou sempre glamourosa. Há dois tipos de “glamour”, um superficial e outro
interior, um “glamour” espiritual. É uma sofisticação, um mistério.
Definitivamente, é o oposto da vulgaridade.
Nos anos 80 houve
quem, na América, protestasse nos seus concertos, por cantar “coisas de
comunistas”. Continua a ter reações negativas deste tipo?
Isso
foi em 1988, nos tempos da guerra fria. Hoje os comunistas tornaram-se muito
populares (risos). Mas é preciso distinguir entre Nova Iorque e o resto da
América. Há na América uma grande dose de provincianismo, um falso moralismo.
Todos os países têm o seu provincianismo, mas o da América é enorme! Mesmo em
Washington existe esse provincianismo burguês.
O que é que Nova
Iorque, onde reside, tem, que outras cidades, como Paris ou Berlim, não têm?
É
um caldeirão de culturas. Eu sou alemã mas sou nova-iorquina. Um vizinho meu é
italiano e é nova-iorquino. Outro é francês e é nova-iorquino. Somos todos
nova-iorquinos. Em Paris continuo a ser uma alemã em Paris. Em Londres sou uma
alemã em Londres. São países com um sentido de identidade bastante forte.
Lisboa é diferente, vivi em Lisboa durante algum tempo quando rodava um filme chamado
“Aurélien”. Levei a minha família, os meus filhos e andámos de carro por todo o
lado. Fui às praias e a um sítio maravilhoso, Sintra. Em Lisboa não encontrei
qualquer provincianismo. Quero dizer, os ingleses são “tão” ingleses, os
franceses são “tão” franceses (risos). Em Nova Iorque também não há nada disso.
Em “But One Day” tem uma
canção sobre o 11 de Setembro, onde diz “Here in New York, where nothing is the
same”.
Foi
algo insuportável. Embora eu viva na “uptown” e não na “downtown” apercebi-me
de tudo. Alguém que aborda de forma brilhante o assunto é o cineasta Michael
Moore, em “Fahrenheit 9/11”.
O título-tema de “But
one day” é uma canção de amor bastante estranha em que fala de estar à espera
de um choque frontal.
Pode
ser uma colisão entre dois mundos ou uma colisão dentro de nós próprios.
Que significa o termo “sehnsucht”
que aplicou, por exemplo, a Kurt Weill?
É
equivalente a ansiedade mas mais profundo. Algo dialético como o yin e o yang,
as duas partes complementares da realidade. É também uma tortura interior
típica dos alemães, o seu maior sofrimento interior. Foi Goethe quem disse:
“Sinto duas almas diferentes dentro do meu peito.” Ou então o eterno “Ser ou
não ser, eis a questão” (risos).
UTE LEMPER
LISBOA
Grande Auditório do Centro Cultural de Belém.
Pç.
do Império. Às 21h. Tel.: 213612444. Bilhetes entre 12 e 42 euros.
Sem comentários:
Enviar um comentário