17/05/2015

O top e a forca [Festival Noites Celtas]



10 de Abril 2001

O top e a forca

Susana Seivane (sábado) e os Tendachënt (domingo) salvaram a face das duas últimas "Noites Celtas" que este fim-de-semana decorreram no Coliseu do Porto. A gaiteira galega pôs toda a gente a dançar. Os italianos trouxeram consigo a melhor música do festival. Desiludiram as duas bandas britânicas, Oyster Band e The Men They Couldn't Hang. Se os primeiros não desbarataram por completo o prestígio adquirido quando nos anos 80 foram considerados uma ostra com pérola do movimento punk folk, já os "homens que não podiam ser enforcados" mereceram, de facto, a forca. Comentava alguém: "Mas isto é o Super Rock Super Bock, ou quê?" O pior fecho de festival de que há memória.

Sem deslumbrar e demonstrando algum cansaço (a média recente de concertos tem andado perto de um por dia) Susana Seivane (na foto) conseguiu mesmo assim levar no sábado para o Coliseu a sua alegria contagiante e uma boa dose do virtuosismo que lhe é reconhecido. O principal problema com que hoje se debate, ao vivo, será o de não ter uma banda de acompanhantes à sua altura. Faltam grandes arranjos e rasgos instrumentais. Dos solos que se sucedem a um ritmo vertiginoso à apresentação dos temas, passa tudo por ela. Chega por enquanto para contagiar as audiências e fazê-las dançar, mas adivinha-se a necessidade de mudanças. Mas vale sempre a pena ver e ouvir esta gaiteira que ousou desafiar o feudo masculino das gaitas-de-foles na Galiza. E o seu reduzido top azul, fazendo ressaltar ainda mais as suas capacidades musicais, foi um dos "musts" do festival...
A fechar a noite de sábado, os Oyster Band tocaram rock "mainstream" com ligeiras reminiscências folk. John Jones, de óculos escuros e concertina à tiracolo, é uma espécie de Bono, dos U2. Fartou-se de gesticular, procurando dar um tom épico de "grande banda em palco" mas nunca conseguiu fazer esquecer que estavam ali um pouco deslocados.
Domingo, foi pena a ordem das bandas não ter sido trocada. Actuaram primeiro os Tendachënt, extensão natural dos La Ciapa Rusa, sob a liderança de Maurizio Martinotti. A principal ruptura será a inclusão de uma bateria, no sentido de permitir um "alargamento" do som capaz de encher palcos de grandes dimensões, como o do Coliseu do Porto. Mas é a sofisticação dos arranjos e o extremo bom gosto de Martinotti que continuam a destacar-se. Para este exímio executante de sanfona, a música tradicional do Piemontes é um tesouro a partir do qual elabora requintados bouquets, um pouco como faziam os Malicorne, em França, nos anos 70. Contrapontos violinísticos, polifonias vocais de recorte delicado, baladas emocionantes (algumas delas retiradas do reportório dos La Ciapa Rusa) e as colorações medievalistas da sanfona combinaram-se numa sessão de folk progressivo com a complexidade e a riqueza de uns Gentle Giant. Juntamente com os Muzsikas, os Tendachènt provaram ser possível agarrar uma audiência sem o recurso aos decibéis e ao facilitismo.
Que foi o que fizeram a seguir os britânicos The Men They Couldn't Hang. Nem num pub se aceitaria uma música tão pobre. Uma ofensa tanto ao rock como à folk. O público foi saindo, os mais jovens bateram palmas sem entusiasmo, as "Noites Celtas" não ganharam para o susto. Sem os italianos, teria sido um desastre.
Já de madrugada, no café.concerto do Rivoli, a Banda do Rei Pescador, ex-King Fisher's Band, uma das bandas de animação de bares mais antigas do Porto, conseguiram levar a sala à loucura, com interpretações castiças de hinos como "Céu azul, nuvens brancas", em homenagem ao FCP, e outro cujo refrão diz "Estou apaixonado por um molho de cenouras". Convenhamos que não terá sido um final dos mais dignos...

Em resumo

Melhor música - Muzsikas e Tendachënt
Desilusão - The Men They Couldn't Hang
Era escusado - João Afonso e Oyster Band
Adereço musical - O top azul de Susana Seivane

Sem comentários: