Y
22|FEVEREIRO|2002
roteiro|ao
vivo
manifesto da digital
politik
Uma anedota posta
a circular na web definia os DAT Politics como uma famosa banda pop francesa.
Definição carregada de ironia, foi de imediato descodificada pelos mais
conhecedores de uma ramificação da nova eletrónica que junta terroristas do
computador como Kid606, Matmos, Lesser ou Blectum from Blechdom. Através de uma
dialética do absurdo, procurava definir-se, pelo seu oposto, a música do
coletivo francês que, na 5ª feira, se estreia ao vivo no nosso país, para
apresentar o quarto álbum, “Plugs Plus”.
Por vezes, o que se apresenta como
piada ganha veracidade, fazendo sentido o que antes não pretendia ser mais que
“boutade”. Numa primeira leitura poderá parecer ridícula qualquer opinião que
situe a banda francesa, originária da zona industrial de Lille, dentro dos
parâmetros da pop, dando origem a equívocos nascidos da quase instintiva associação
do binário “pop francesa” aos Air ou aos Daft Punk. Caminhar nesta direção
desembocaria num beco. Mas é possível analisar o problema de outro ângulo.
Os DAT Politics – Claude Pailliot,
Gaetan Collet e Vincent Thierion – derivam do trabalho pioneiro de outra banda
francesa, os Tone Rec, autores de um álbum, “Pholcus”, que deitou por terra as
ideias feitas sobre o que era o pós-rock de feição eletrónica. Mas se os Tone
Rec (que o público português viu ao vivo, há dois anos, no festival Reset) lançavam
as suas cargas de dinamite digital recorrendo ainda a detonadores com a forma
de guitarras elétricas e bateria (reais ou simuladas, o que os colocava numa
zona próxima dos Young Gods), embora o computador portátil (laptop)
constituísse já a arma mais mortífera do seu arsenal “noise”, os DAT Politics
tornaram-se o corolário lógico dessa estética de rutura que é também ideologia
e manifesto tecnológico.
Os Tone Rec apresentaram-se no Reset
compondo um simulacro dos Kraftwerk – os músicos voltados aos pares de frente
uns para os outros, em pose de técnicos atarefados com a programação das
máquinas. Mas enquanto os alemães recorriam ainda ao romantismo dos
sintetizadores analógicos, os franceses eram extensões orgânicas de minúsculos
processadores digitais, figuras estáticas alinhadas com os ecrãs e canetas de
contacto com os seus “laptops”, dos quais brotavam sons em que a violência não
escondia a existência de memórias enraizadas na tradição do krautrock ou da sua
correspondente gaulesa (Pôle, Heldon, Bernard Szajner…).
Os DAT Politics esticaram o elástico
até ele se partir. “Villiger” e “Tracto Flirt” fabricaram uma estética sonora
balizada pela dor e pelo estalo digital, que rompia violentamente com o
laboratório da “clicks & cuts”. Mas a esquizofrenia espreitava. A par das
lancinantes estocadas desferidas pelos “laptops” (há quem defina esta música
como “laptop rock”…), nasciam já melodias e fragmentos de groove aonde se
descortinavam os alicerces de “dance floors” de um futuro vestido de bata
branca.
“Sous Hit”, de 2001, começa com uma
sequência de nove temas de escassos segundos, que são outros tantos assaltos
brutais à saúde dos tímpanos e das colunas da aparelhagem: estilhaços digitais
violentos nos quais toda a música parece desmoronar-se. Eis-nos, finalmente,
perante os “sous hit” da pop, na sua expressão mais lancinante. É também uma
paródia: o hit (ou “tube”, como lhe chamam os franceses), como a afirmação
explosiva da nova tecnologia, demonstração de agressividade da Indústria.
Duas reações possíveis: fugir ou
continuar em frente. Quem avançar até ao ruído limite dos DAT Politics
encontrará um outro lugar, onde a tempestade se ordena de acordo com uma
estranha matemática de canções e refrões. Unificados já por uma nova forma de
escuta em que a pop é sinónimo de sobrevivência. Algo parecido com o espaço de
imobilidade demente que se abre no olho de um furacão.
DAT POLITICS
Lisboa|Galeria Zé dos Bois
5ª, 28, às 22h. Tel. 213430205
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