01/02/2016

Manifesto da digital politik [DAT Politics]

Y 22|FEVEREIRO|2002
roteiro|ao vivo

manifesto da digital politik

Uma anedota posta a circular na web definia os DAT Politics como uma famosa banda pop francesa. Definição carregada de ironia, foi de imediato descodificada pelos mais conhecedores de uma ramificação da nova eletrónica que junta terroristas do computador como Kid606, Matmos, Lesser ou Blectum from Blechdom. Através de uma dialética do absurdo, procurava definir-se, pelo seu oposto, a música do coletivo francês que, na 5ª feira, se estreia ao vivo no nosso país, para apresentar o quarto álbum, “Plugs Plus”.
            Por vezes, o que se apresenta como piada ganha veracidade, fazendo sentido o que antes não pretendia ser mais que “boutade”. Numa primeira leitura poderá parecer ridícula qualquer opinião que situe a banda francesa, originária da zona industrial de Lille, dentro dos parâmetros da pop, dando origem a equívocos nascidos da quase instintiva associação do binário “pop francesa” aos Air ou aos Daft Punk. Caminhar nesta direção desembocaria num beco. Mas é possível analisar o problema de outro ângulo.
            Os DAT Politics – Claude Pailliot, Gaetan Collet e Vincent Thierion – derivam do trabalho pioneiro de outra banda francesa, os Tone Rec, autores de um álbum, “Pholcus”, que deitou por terra as ideias feitas sobre o que era o pós-rock de feição eletrónica. Mas se os Tone Rec (que o público português viu ao vivo, há dois anos, no festival Reset) lançavam as suas cargas de dinamite digital recorrendo ainda a detonadores com a forma de guitarras elétricas e bateria (reais ou simuladas, o que os colocava numa zona próxima dos Young Gods), embora o computador portátil (laptop) constituísse já a arma mais mortífera do seu arsenal “noise”, os DAT Politics tornaram-se o corolário lógico dessa estética de rutura que é também ideologia e manifesto tecnológico.
            Os Tone Rec apresentaram-se no Reset compondo um simulacro dos Kraftwerk – os músicos voltados aos pares de frente uns para os outros, em pose de técnicos atarefados com a programação das máquinas. Mas enquanto os alemães recorriam ainda ao romantismo dos sintetizadores analógicos, os franceses eram extensões orgânicas de minúsculos processadores digitais, figuras estáticas alinhadas com os ecrãs e canetas de contacto com os seus “laptops”, dos quais brotavam sons em que a violência não escondia a existência de memórias enraizadas na tradição do krautrock ou da sua correspondente gaulesa (Pôle, Heldon, Bernard Szajner…).
            Os DAT Politics esticaram o elástico até ele se partir. “Villiger” e “Tracto Flirt” fabricaram uma estética sonora balizada pela dor e pelo estalo digital, que rompia violentamente com o laboratório da “clicks & cuts”. Mas a esquizofrenia espreitava. A par das lancinantes estocadas desferidas pelos “laptops” (há quem defina esta música como “laptop rock”…), nasciam já melodias e fragmentos de groove aonde se descortinavam os alicerces de “dance floors” de um futuro vestido de bata branca.
            “Sous Hit”, de 2001, começa com uma sequência de nove temas de escassos segundos, que são outros tantos assaltos brutais à saúde dos tímpanos e das colunas da aparelhagem: estilhaços digitais violentos nos quais toda a música parece desmoronar-se. Eis-nos, finalmente, perante os “sous hit” da pop, na sua expressão mais lancinante. É também uma paródia: o hit (ou “tube”, como lhe chamam os franceses), como a afirmação explosiva da nova tecnologia, demonstração de agressividade da Indústria.
            Duas reações possíveis: fugir ou continuar em frente. Quem avançar até ao ruído limite dos DAT Politics encontrará um outro lugar, onde a tempestade se ordena de acordo com uma estranha matemática de canções e refrões. Unificados já por uma nova forma de escuta em que a pop é sinónimo de sobrevivência. Algo parecido com o espaço de imobilidade demente que se abre no olho de um furacão.

DAT POLITICS
Lisboa|Galeria Zé dos Bois

5ª, 28, às 22h. Tel. 213430205

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