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15|MARÇO|2002
roteiro|ao
vivo
matt howden
sinfonias do sol negro
Matt Howden e
Aranos. Dois violinistas loucos. Demónios. Pagãos. Artífices de uma música que
brota das profundezas, com o rosto corado pelas maldiçoes lançadas pelos
antigos gigantes. Matt Howden é um dos astros negros dos Sieben e, com Tony
Wakeford, dos Sol Invictus (além de fazer parte dos Raindogs, banda com base em
Portugal). Aranos, enigmática personagem de ascendência cigana, natural da
Boémia, é uma das entidades em ação nos Nurse With Wound, de Steven Stapleton,
e nos Current 93, de David Tibet. Os dois tocam juntos, hoje e amanhã, em
Lisboa, no Teatro Ibérico de Xabregas, duas noites que se prevêm fora do comum.
Em cada uma destas apresentações os
músicos reservaram os dez, quinze minutos finais para interpretarem temas
compostos para os concertos de Lisboa. Na 6ª feira, após o concerto, terá lugar
uma aula de tango pelo grupo Milonga das Estrelas, para o qual Aranos escreveu
propositadamente um tango (convém esclarecer que o tango é uma das suas
paixões, bem como a guitarra de Carlos Paredes). A Matt Howden a Aranos
juntar-se-ão em palco Paulo Romão, dos Raindogs, e, em três ou quatro temas,
B’Eirgh, vocalista da banda britânica In Gowan Ring, pertencente à editora
World Serpent.
É extensa a obra de Howden, a solo
ou nos projetos Sol Invictus, Sieben e Stiki. De comum, a proximidade do Mal,
as cores soturnas, as luzes fátuas, os rituais ocultos de louvor a deuses
cruéis e antigos. “Intimate & Obstinate”, “Hellfires” e “Redroom” são os
três trabalhos com a assinatura Matt Howden. Na forja está uma longa peça
conceptual intitulada “Voyager”, inspirada na expedição espacial que leva a
sonda para fora do Sistema Solar, ao encontro do desconhecido.
Em “Hellfires”, os “fogos do Inferno”,
Howden fez incidir a sua atenção nas concepções filosóficas e religiosas do
Inferno em algumas das civilizações do passado, como o Hades etrusco ou o
Amenti egípcio. Temas como a transmigração das almas ou a condenação eterna são
abordados segundo uma perspetiva que o levou, por exemplo, a questionar-se
sobre as “regras” e os “motivos” que poderiam levar Shu, deus da luz, a
determinar a “aniquilação completa” de uma alma pecadora. Charun, “meio humano,
meio besta, com o seu olhar flamejante e o seu aspeto selvagem”, considerado
uma “concorrente do próprio Satanás”, é outra das simpáticas personagens que
Howden convocou para “Hellfires”.
“Redroom” é a obra em vermelho, a
cor que cobre as paredes do seu estúdio. A cor do Inferno, do sangue e do sexo.
“Voyager” não deverá ter esta cor, mas é de prever que seja escuro. A escuridão
do espaço sideral. Matt Howden faz questão de explicar que este seu trabalho
não significa qualquer conversão ao espírito “new age”, deixando, aliás, o
aviso para esperarmos dele “todas a espécie de coisas estranhas e
assustadoras”.
Mas nem só de trevas vive a música
de Matt Howden. As formas com que reveste as suas visões de pesadelo têm amiúde
a solenidade da música clássica, reportando-as ao mesmo tipo de sinfonias
infernais de projetos como SPK (de “Zamia Lehmani”), Lustmord ou Zone. No
folclore pop colou-se-lhes o rótulo de “gótico”.
Feiticeiras, a decadência da Europa,
a intrusão do mundo astral no mundo físico, o cosmos em ruínas, a oposição
luz/trevas e um lote bem fornecido de criaturas mitológicas e títulos em latim
integram o léxico fundamental da sua obra, que pode ser apreciada num sem
número de realizações das quais as mais recentes são “The Line and the Hook”,
dos Sieben, e “Thrones”, dos Sol Invictus, este editado já em Fevereiro.
Fica assim entendido que tem
apetência pelo lado escuro da mente e pelos rituais que a fazem sintonizar-se
com o buraco negro do Inconsciente. A normalidade repugna-lhe. A tempestade vai
bem com a sua personalidade. Recorda com nostalgia um concerto dos Sieben no
“Wave Gothic Festival” em Leipzig, quando, durante o “encore”, a noite explodiu
em trovões e relâmpagos: “Great stuff!”
Será assim em Lisboa? A meteorologia
não prevê uma melhoria de tempo, estando reunidas as condições para que o
cerimonial decorra da melhor forma. Com fantasmas à solta. Quem tem medo do
escuro?
MATT HOWDEN & ARANOS
LISBOA | Teatro Ibérico de Xabregas
6ª e sáb., às 21h30. Bilhetes a
12,50 euros
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