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22|MARÇO|2002
música|intercéltico
Voltou. O festival folk com mais mística em Portugal. Doze
edições, e os mais importantes nomes da folk, atestam a sua importância. No
Coliseu, De Dannan, Kornog, Os Cempés, Roldana Folk.
pés
para que vos quero
Sim, o Intercéltico está de volta, depois de, no ano
passado, a sua trajetória ter sido interrompida, no ano de todos os buracos que
transformaram o Porto num queijo. Mas, dando razão ao ditado que diz que o que
tem de ser tem muita força, a normalidade foi reposta. O Intercéltico regressou
para continuar. É tempo de serem reatados laços que, verdadeiramente, nunca se
desfizeram. Serão três dias – hoje, amanhã e domingo – de música com raiz, mais
do que na cultura, no imaginário céltico, mas também de aprofundamento da
decifração de uma cidade – o Porto – que será o cenário ideal para a fruição
deste tipo de música que teve berço no Norte da Europa.
De Dannan,
Kornog, os Cempés (na foto), Ghalia Benali & Timnaa e Roldana Folk são os
nomes convocados para a 13ª edição do Intercéltico, como sempre uma iniciativa
com a chancela da MC - Mundo da Canção. É este o cartaz. Os amigos do festival
sabem, porém, que este não se esgota nos palcos, mas se estende por um clima
feito de encontros que têm a folk como pano de fundo. Encontros que este ano
bem poderão ter lugar à mesa do restaurante “Ribeiro” (passe a publicidade),
onde, até 24, decorre uma semana de gastronomia portuguesa. Quanto mais
satisfeito ficar o corpo, melhor será a disposição para, no Coliseu, o espírito
acatar e saborear as danças e baladas que constituem o programa principal.
Mas
passemos os olhos pela ementa. Hoje é dia de Portugal e da Bretanha. Os nossos
fazem-se representar pelos Roldana Folk, os gauleses pelos Kornog. Roldana Folk
será o mesmo que dizer Roldana Fole. Porque entre os objetivos desta banda
originária do Porto formada por ex-elementos dos Vai de Roda, Jig e Frei Fado
d’El Rei está “dar a conhecer a sonoridade do acordeão”, no cruzamento de
ambientes célticos (não digam “celtas”, que eles já desapareceram há muitos
séculos…), portugueses, latino-americanos, folk e jazz, “antigos e modernos”.
ocidente
bretão. Das brumas da Bretanha chegam, a pingar lendas, os Kornog
(“Ocidente”, em bretão). Vêm de longe, do tempo em que gravaram um álbum
magnífico: “On Seven Winds”. Depois, já no final dos anos 80, pararam. A
ressurreição ocorreu há meses, através de um novo álbum, simplesmente “Kornog”,
como se de um novo começo se tratasse. É-o. Aos sons tradicionais da Bretanha
transportados pela bombarda, juntam uma atitude contemporânea que os coloca
numa primeira liga formada, entre outros, pelos Skolvan, Storvan, Strobinell ou
Skeduz.
Amanhã,
sábado, está marcado o regresso dos galegos Os Cempés ao Intercéltico. Cem pés
é muito pé ou nem por isso. Quem dançou como um tarado ao ouvi-los, em 1998, no
café-concerto do Teatro Rivoli, já sabe que irá gastar as solas dos sapatos.
Mas o que talvez não saiba é que, de então para cá, Os Cempés evoluíram de um
irresistível grupo de baile para a banda mais sofisticada que em 1998 gravou
“Capitán Re”. Agora, promovidos ao palco principal, trazem um Chapitô folk
intitulado “Circo Montecuruto”, encenação circense de “Sgt. Pepper’s Lonely
Hearts Club Band”. A inspiração e os motivos são, no entanto, mais sérios. Trata-se
de um documento musical que reproduz o que aconteceu numa povoação piscatória
galega em Junho de 1999, quando, nas palavras do acordeonista e sanfoneiro do
grupo, Oscar Sanjurjo, “as forças de segurança do estado espanhol ocuparam a
vila marinheira de Cedeira, cortaram os acessos e desalojaram pela força a
lota, ameaçando a vida de homens e mulheres, crianças e velhos, quando estes
reivindicavam pacificamente o direito a viver do seu trabalho no mar”.
Diversão, sim, mas sem esquecer assuntos mais sérios. Os Cempés poderão, de
resto, ser um caso sério deste festival.
Depois de
tantos pés, uma pausa no celtismo. Protagonizada pela tunisina Ghalia Benali,
que virá acompanhada pelos músicos belgas que formam os Timnaa. “World music”,
sinónimo de música apátrida. Norte de África, América Latina, Balcãs, França,
Península Ibérica ou Brasil, desde que sirva, segundo a cantora, de “passaporte
para muitas culturas, um microcosmos em que os séculos se reúnem para criar
qualquer coisa nova”.
E a fechar
– soem as trombetas! –, mais um regresso. Este de peso. Dos De Dannan,
instituição da música da Irlanda. Antigamente davam pelo nome, completamente
diferente, de Dé Dannan, fazem da música tradicional do seu país o seu modo de
vida desde a década de 70, quando tinham como cantora a ainda jovem Dolores
Keane. Desde então fizeram questão de acolher algumas das melhores vozes
femininas da folk irlandesa, como Mary Black e Maura O’Connell, além, claro, da
ex-diva (os anos e o álcool ter-lhe-ão dado cabo da voz…) Dolores Keane. E
Eleanor Shanley – a senhora que trazem a Portugal.
Quanto a
reportório, não são esquisitos. Tanto podem ferrar o dente numa canção dos
Beatles, como passear-se pela “country” ou os sanguíneos Balcãs. Mas sempre com
o coração deposto no altar da Ilha onde, diz-se, Lúcifer, aureolado pela luz da
esmeralda, reinou antes de se ter tornado um anjo mau. Mas Deus estava atento.
Conta-se, aliás, a seguinte anedota: um violinista morreu e foi para o céu; a
certa altura, ouve um violino, a tocar uma música inconfundível; o violinista
reconhece-o e diz para S. Pedro: “Não sabia que o Frankie Gavin tinha
morrido…”. “Não, não morreu. Não é o Frankie Gavin que está a tocar.”
“Impossível!”, insiste o violinista, “este som só pode ser do Frankie Gavin!”.
S. Pedro suspira a atira, a rematar: “Não é. Esse que estás a ouvir é Deus, só
que pensa que é o Frankie Gavin!”.
Porto
de 12 anos
Poucos
festivais em Portugal se poderão orgulhar de um currículo como o do
Intercéltico. Aqui recordamos os elencos das anteriores 12 edições.
1986 | Alan Stivell (Bretanha), Vai de
Roda (Portugal), Andy Irvine (Irlanda), Júlio Pereira (Portugal), Milladoiro
(Galiza), Emilio Cao (Galiza).
Destaquem-se as presenças de Andy Irvine,
dos Planxty, do histórico Stivell e do grupo nº1 da Galiza, Milladoiro.
1991 | Alan Stivell (Bretanha), Bagad
Kemper (Bretanha), Na Lua (Galiza), Vai de Roda (Portugal), Gwendal (Bretanha).
A Bretanha no centro das atenções.
Inesquecível a trovoada desencadeada pela Bagad Kemper, então ainda distante
das revoluções que viria a encetar nos anos seguintes.
1992 | Matto Congrio (Galiza), Maddy
Prior Band (Inglaterra), Bailia das Frores (Portugal), Llan de Cubel
(Astúrias), Bleizi Ruz (Bretanha), De Dannan (Irlanda).
Maddy Prior fascinou, mas os De Dannan
não deram hipótese à concorrência…
1993 | Barzaz (Bretanha), Battlefield
Band (Escócia), Uxia (Galiza), Sétima Legião (Portugal), Barabán (Itália), The
Chieftains (Irlanda).
A energia dos Battlefield Band e o baile
sofisticado dos Barabán não foram suficientes para fazer sombra ao brilhantismo
dos Chieftains, num concerto que permanece até hoje como um marco.
1994 | Amélia Muge (Portugal),
Mac-Talla (Escócia), Leilia (Galiza), Márta Sebestyen & Muzsikás (Hungria),
Kristen Nogues/Trio Mollard-Pellen (Bretanha), Déanta (Irlanda), Toque de Caixa
(Portugal), Dervish (Irlanda).
De antologia o concerto dos Muzsikás. No
“combate” particular travado entre as duas bandas irlandesas, triunfo esmagador
para os Dervish. Cathy Jordan desencadeou paixões.
1995 | Realejo (Portugal), Boys of the
Lough (Irlanda/Escócia), Skolvan (Bretanha), Fairport Convention (Inglaterra),
Luar na Lubre (Galiza), Four Men & A Dog.
Outro combate, este inglês: os Four Men
& A Dog, do gordo Gino Lupari, não deram chances aos decanos Fairport
Convention. Nunca se terá dançado tanto no Intercéltico!
1996 | Gaiteiros de Lisboa (Portugal),
Carlos Nuñez (Galiza), Strobinell (Bretanha), Värttinä (Finlândia), Brigada
Victor Jara (Portugal), Arcady (Irlanda).
No ano de abertura à Escandinávia, bons
nomes mas nenhuma vitória esmagadora. Os Arcady terão sido quem mais alto
ergueu a fasquia.
1997 | Ronda dos Quatro Caminhos
(Portugal), Sonerien Du (Bretanha), Jac-Y-Do (País de Gales), Berroguetto
(Galiza), Pauliteiros de Malhadas (Portugal), Patrick Street (Irlanda).
Apesar dos pesos-pesados Patrick Street,
houve quem jurasse que o troféu deveria ser entregue aos Berroguetto.
1998 | Deaf Shepherd (Escócia),
Garmarna (Suécia), Caretos de Podence (Portugal), La Musgaña (Espanha), Solas
(Irlanda).
Nível alto, mas nada de incendiário.
Optamos pelos La Musgaña, em concerto especial com convidados do quilate de
Manuel Luna.
1999 | Adufe (Portugal), Celtas Cortos
(Espanha), Xosé Manuel Budino (Galiza), Dervish (Irlanda), Tri Yann (Bretanha).
Em ano de equívocos de programação, não
foi difícil aos Dervish rubricarem mais um triunfo.
2000 | Ceolbeg (Escócia), Kepa Junkera
(País Basco), Muxicas (Galiza), Lúnasa (Irlanda), Fausto (Portugal).
A estrela era portuguesa, mas a Irlanda
fez, uma vez mais, a diferença. O basco mostrou ser um executante de outra
galáxia.
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