16/02/2016

Mais do mesmo, não! [Pedro Abrunhosa]

Y 5|ABRIL|2002
roteiro|ao vivo

pedro abrunhosa
mais do mesmo, não!

“Intimidades” foi o termo escolhido por Pedro Abrunhosa para designar o espetáculo que apresenta, esta noite e amanhã, no C.C.B., em Lisboa. Temas novos, a incluir no próximo disco, e versões refrescadas (“descaracterizadas”, segundo o autor, “como se tivessem sido escritos em 2002”) de temas antigos, dos álbuns “Viagens”, “Tempo” e “Silêncio”, constituem o alinhamento de um concerto que terá como convidados Carlos do Carmo (“preciso de pagar uma dívida, de exorcizar o Carlos do Carmo, que nunca consegui ter ao meu lado no palco…”), que já havia colaborado no tema “Manhã”, de “Tempo”, e o grupo de cordas do Leste europeu, Helicon String Quartet. A fórmula é simples: “Mais do mesmo, não!”
            Abrunhosa avança numa direção. Ao encontro da essência das canções, “à procura de novos caminhos estéticos…”. Depois do “jazzman” e do sociólogo da dança, surge o “singer songwriter”, de regresso a uma componente jazzística que, depois da Cool Jazz Orchestra, se foi diluindo à medida que a sua música foi tomando conta do imaginário das massas.
            “Sem medo da reação dos fãs”, que poderão na aceitar o novo rosto das canções que fizeram suas. O essencial é agora que estas “continuem a funcionar na sua forma mais clássica, mas despida”.
            “O mais importante é esta coisa de escrever canções, o ‘songwriting’, algo que me fascina. Porra! O que quero é escrever canções e vesti-las à luz da minha estética, que é sempre uma estética do momento. Este concerto é uma metamorfose, ainda não é a crisálida, mas já não é a lagarta”, conclui.
            Mudar “Talvez foder” é “um grande desafio”. Sem lhe retirar uma sílaba, tenciona dar-lhe uma volta, salvo seja, até o registo de “rock e hip-hop original” mudar para algo que define como “espiral de vazio”. “Continuará a ser dançável, mas de maneira diferente”. O resultado, para já, é que os novos arranjos “soam bem”. O resto compete aos deuses e ao público. “O lado comercial é um pau de dois bicos. Não me importo que os meus discos não sejam vendidos, o que não suporto é que não sejam ouvidos. Não vendo música, faço música!”.
            Como modelos deste classicismo, cita a canção renascentista, e também Dylan ou Tom Waits. E Bowie, o camaleão. “Conseguiu desde os anos 60, desde o Ziggy, estar à frente. Admiro essa coragem, de alguém que vende milhões de discos dizer ‘tudo o que fiz agora está errado e é isto que estou a fazer neste momento’. Essa capacidade é notável, de mudar de pele, tanto mais que assistimos, no panorama mediático português, a um estrelato fabricado”.
            O tempo, o silencio, viagens. Moldam a música de Abrunhosa. Com os ouvidos atentos ao seu redor. “Quando editei ‘Viagens’, os Radiohead eram uma banda imberbe. Mas depois deles não posso ficar na mesma. Não conhecia Sigur Rós, a Björk não tinha editado o ‘Vespertine’, tudo isso me afetou”. Ao contrário de outros artistas que não ouvem, Abrunhosa faz uso da sua cidadania enquanto músico: “É o mesmo que um cientista à procura de uma vacina que ignora a descoberta do átomo”. Com uma diferença: “A Ciência tem um propósito. A arte, não. É fútil”.
            E a intimidade? Kundera falou na insustentável leveza do ser. Abrunhosa não se aproxima muito, a não ser através das canções que ficam a bailar na cabeça dos outros. “Escondo-me atrás de personagens”. E dos míticos óculos escuros que se tornaram parte integrante da sua imagem. “Estão mais ligeiros, mas continuo sem os tirar em público. São um refúgio”.

PEDRO ABRUNHOSA
LISBOA | Grande Auditório do Centro Cultural de Belém
Hoje e amanhã. Às 21h30. Tel. 213612444.

Bilhetes entre €5 e €20.

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