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5|ABRIL|2002
roteiro|ao
vivo
pedro abrunhosa
mais do mesmo, não!
“Intimidades” foi o termo escolhido por Pedro Abrunhosa para
designar o espetáculo que apresenta, esta noite e amanhã, no C.C.B., em Lisboa.
Temas novos, a incluir no próximo disco, e versões refrescadas
(“descaracterizadas”, segundo o autor, “como se tivessem sido escritos em
2002”) de temas antigos, dos álbuns “Viagens”, “Tempo” e “Silêncio”, constituem
o alinhamento de um concerto que terá como convidados Carlos do Carmo (“preciso
de pagar uma dívida, de exorcizar o Carlos do Carmo, que nunca consegui ter ao
meu lado no palco…”), que já havia colaborado no tema “Manhã”, de “Tempo”, e o
grupo de cordas do Leste europeu, Helicon String Quartet. A fórmula é simples:
“Mais do mesmo, não!”
Abrunhosa
avança numa direção. Ao encontro da essência das canções, “à procura de novos
caminhos estéticos…”. Depois do “jazzman” e do sociólogo da dança, surge o
“singer songwriter”, de regresso a uma componente jazzística que, depois da
Cool Jazz Orchestra, se foi diluindo à medida que a sua música foi tomando
conta do imaginário das massas.
“Sem medo
da reação dos fãs”, que poderão na aceitar o novo rosto das canções que fizeram
suas. O essencial é agora que estas “continuem a funcionar na sua forma mais
clássica, mas despida”.
“O mais
importante é esta coisa de escrever canções, o ‘songwriting’, algo que me
fascina. Porra! O que quero é escrever canções e vesti-las à luz da minha
estética, que é sempre uma estética do momento. Este concerto é uma
metamorfose, ainda não é a crisálida, mas já não é a lagarta”, conclui.
Mudar
“Talvez foder” é “um grande desafio”. Sem lhe retirar uma sílaba, tenciona
dar-lhe uma volta, salvo seja, até o registo de “rock e hip-hop original” mudar
para algo que define como “espiral de vazio”. “Continuará a ser dançável, mas
de maneira diferente”. O resultado, para já, é que os novos arranjos “soam
bem”. O resto compete aos deuses e ao público. “O lado comercial é um pau de
dois bicos. Não me importo que os meus discos não sejam vendidos, o que não
suporto é que não sejam ouvidos. Não vendo música, faço música!”.
Como
modelos deste classicismo, cita a canção renascentista, e também Dylan ou Tom
Waits. E Bowie, o camaleão. “Conseguiu desde os anos 60, desde o Ziggy, estar à
frente. Admiro essa coragem, de alguém que vende milhões de discos dizer ‘tudo
o que fiz agora está errado e é isto que estou a fazer neste momento’. Essa
capacidade é notável, de mudar de pele, tanto mais que assistimos, no panorama
mediático português, a um estrelato fabricado”.
O tempo, o
silencio, viagens. Moldam a música de Abrunhosa. Com os ouvidos atentos ao seu
redor. “Quando editei ‘Viagens’, os Radiohead eram uma banda imberbe. Mas
depois deles não posso ficar na mesma. Não conhecia Sigur Rós, a Björk não
tinha editado o ‘Vespertine’, tudo isso me afetou”. Ao contrário de outros
artistas que não ouvem, Abrunhosa faz uso da sua cidadania enquanto músico: “É
o mesmo que um cientista à procura de uma vacina que ignora a descoberta do
átomo”. Com uma diferença: “A Ciência tem um propósito. A arte, não. É fútil”.
E a intimidade?
Kundera falou na insustentável leveza do ser. Abrunhosa não se aproxima muito,
a não ser através das canções que ficam a bailar na cabeça dos outros.
“Escondo-me atrás de personagens”. E dos míticos óculos escuros que se tornaram
parte integrante da sua imagem. “Estão mais ligeiros, mas continuo sem os tirar
em público. São um refúgio”.
PEDRO ABRUNHOSA
LISBOA
| Grande Auditório do Centro Cultural de Belém
Hoje e amanhã. Às 21h30. Tel. 213612444.
Bilhetes entre €5 e €20.
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