08/02/2018

Lua Extravagante - Lua Extravagante


Pop Rock
11 DEZEMBRO 1991

OS FAVORITOS DA LUA



LUA EXTRAVAGANTE Lua Extravagante
LP/MC/CD, EMI – Valentim de Carvalho

Música lunar. Da noite e das marés da voz. Vitorino, Janita e Carlos Salomé, e Filipa Pais cantam o lado nostálgico de ser português. É um disco de canto sofrido, de doridas harmonias. É também a prova de que é possível, em Portugal, fazer discos que voltam as costas à moda e ao efémero. Em “Lua Extravagante” não há canções que pisquem o olho à salada radiofónica. Há somente, e não é pouco, a dignidade do canto e da música vivida por dentro. A transmissão de experiências que dizem da maneira como costumávamos ser. Cruzam-se vivências da cidade (Lisboa, sempre presente, até nos antigos azulejos da cervejaria Trindade, que a capa, belíssima, retrata) e do campo. As palavras do povo encontram-se com as do poeta Pessoa, no fado e na distância. Em frente, o escuro da noite e a ilusão do mar.
            “A Ilha” abre “à voz duma monção”. Vitorino pegando ainda e sempre no filão dos Descobrimentos, observados pelo prisma do sonho do qual não se regressa. O canto solta-se nos “amores primeiros”. Lua-cheia. O tema do mar regressa no romance popular “Nau Catrineta” sobre a cadência grave da sanfona de Carlos Guerreiro, instrumento que acrescenta à música da Lua Extravagante o tom exato de profundidade, de intemporalidade da “noite antiquíssima”.
            Janita Salomé dá voz aos festejos de um casamento cigano do séc. XIX, em “Cante cigano”, cerimónia solar, de união. Filipa Pais, a voz feminina da Lua, brilha em “Adeus ó serra da Lapa”, de José Afonso, “Andorinha negra” e “Cantiga da ceifa”, um tema popular beirão recolhido por Giacometti. A altura da serra, o voo, a vastidão da grande planície alentejana, cantados por Filipa Pais, com amplitude e elevação. “Fado Pessoa” proporciona a Vitorino mais uma bela interpretação, desta vez das palavras de Fernando Pessoa, num fado em que o acordeão, muito parisiense, tocado pelo próprio, sugere a alma desenraizada no vazio urbano, “cercada com um andaime, a casa por fabricar”.
            O segundo lado do disco peca por não conseguir manter o nível do primeiro. Descontando a já referida “Cantiga da ceifa”, os temas normalizam-se nas interpretações vocais, de Janita Salomé, em “Margarida do convento” e “A bela do castelo sem portas” (pese embora, neste último, a qualidade das palavras, escritas por Janita, sobre o amor na sua vertente mágica e esotérica, iniciação ao “amor virgem, fonte de toas as nascentes”); de Carlos Salomé, em “Lua de papel” (destaque para a guitarra de José Peixoto); e de Vitorino, no tema que fecha o disco – “Lua extravagante” –, que de novo canta o mar e os amores (“de amores nasce a lua extravagante”), dos marinheiros e de Lisboa, retomando, no som e na temática, a canção inicial, a concluir o ciclo lunar: “Oh lua vê lá dos teus cuidados com a gente/porque o cabo maus não quer/deixa que o meu barco volte ao cais/donde parti confiante/Lisboa não pode esperar mais…”. É a hora? (7)

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