Pop Rock
11 DEZEMBRO
1991
OS FAVORITOS DA LUA
LUA
EXTRAVAGANTE Lua Extravagante
LP/MC/CD, EMI – Valentim de Carvalho
Música lunar. Da noite e das
marés da voz. Vitorino, Janita e Carlos Salomé, e Filipa Pais cantam o lado
nostálgico de ser português. É um disco de canto sofrido, de doridas harmonias.
É também a prova de que é possível, em Portugal, fazer discos que voltam as
costas à moda e ao efémero. Em “Lua Extravagante” não há canções que pisquem o
olho à salada radiofónica. Há somente, e não é pouco, a dignidade do canto e da
música vivida por dentro. A transmissão de experiências que dizem da maneira
como costumávamos ser. Cruzam-se vivências da cidade (Lisboa, sempre presente,
até nos antigos azulejos da cervejaria Trindade, que a capa, belíssima, retrata)
e do campo. As palavras do povo encontram-se com as do poeta Pessoa, no fado e
na distância. Em frente, o escuro da noite e a ilusão do mar.
“A Ilha” abre “à voz
duma monção”. Vitorino pegando ainda e sempre no filão dos Descobrimentos,
observados pelo prisma do sonho do qual não se regressa. O canto solta-se nos
“amores primeiros”. Lua-cheia. O tema do mar regressa no romance popular “Nau
Catrineta” sobre a cadência grave da sanfona de Carlos Guerreiro, instrumento
que acrescenta à música da Lua Extravagante o tom exato de profundidade, de
intemporalidade da “noite antiquíssima”.
Janita Salomé dá voz aos
festejos de um casamento cigano do séc. XIX, em “Cante cigano”, cerimónia
solar, de união. Filipa Pais, a voz feminina da Lua, brilha em “Adeus ó serra
da Lapa”, de José Afonso, “Andorinha negra” e “Cantiga da ceifa”, um tema
popular beirão recolhido por Giacometti. A altura da serra, o voo, a vastidão
da grande planície alentejana, cantados por Filipa Pais, com amplitude e
elevação. “Fado Pessoa” proporciona a Vitorino mais uma bela interpretação,
desta vez das palavras de Fernando Pessoa, num fado em que o acordeão, muito
parisiense, tocado pelo próprio, sugere a alma desenraizada no vazio urbano,
“cercada com um andaime, a casa por fabricar”.
O segundo lado do disco
peca por não conseguir manter o nível do primeiro. Descontando a já referida
“Cantiga da ceifa”, os temas normalizam-se nas interpretações vocais, de Janita
Salomé, em “Margarida do convento” e “A bela do castelo sem portas” (pese embora,
neste último, a qualidade das palavras, escritas por Janita, sobre o amor na
sua vertente mágica e esotérica, iniciação ao “amor virgem, fonte de toas as
nascentes”); de Carlos Salomé, em “Lua de papel” (destaque para a guitarra de
José Peixoto); e de Vitorino, no tema que fecha o disco – “Lua extravagante” –,
que de novo canta o mar e os amores (“de amores nasce a lua extravagante”), dos
marinheiros e de Lisboa, retomando, no som e na temática, a canção inicial, a
concluir o ciclo lunar: “Oh lua vê lá dos teus cuidados com a gente/porque o
cabo maus não quer/deixa que o meu barco volte ao cais/donde parti
confiante/Lisboa não pode esperar mais…”. É a hora? (7)
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