Pop
Rock
13
Julho 1994
WORLD
DO ANTIGO PARA A INOVAÇÃO
ENSEMBLE TRE FONTANE
L’Art de Jongleurs,
vol. 2
(10)
Guillaume de Machaut
& Le Codex Faenza
(8)
Alba
Musica, distri. Megamúsica
Desculpem-me os leitores estes desvios, mas o facto é que nos últimos
tempos as gravações mais interessantes têm aparecido na área das chamadas
músicas antigas. É claro, na folk, as coisas não param, só que muitos discos,
alguns deles brilhantes, não chegam ou ainda não chegaram aos nossos
distribuidores.
Mas regressemos às “velharias” e a dois discos de um grupo, os Ensemble
Tre Fontane que, feitas as contas e assimilados os sons, não anda longe na
atitude de algumas formações atuais da folk europeia.
Sobretudo no segundo volume de “L’Art des Jongleurs” (o primeiro, que não
conhecemos, incide na tradição vocal trovadoresca), o tratamento das fontes
utilizadas sofre deslocações subtis que aproximam a música antiga a formas
musicais e de sensibilidade contemporâneas um pouco à maneira do que acontece
nesse monumento definitivo de abolição de tabus e fronteiras estéticas no tempo
que é “Carmina Burana” segundo os Clemencic Consort.
No caso dos Tre Fontane – um trio originário do Sul de França, região
trovadoresca por excelência – e em particular no primeiro e mais antigo dos
discos em análise, são as percussões soltas e evidenciando uma espontaneidade
muito própria do universo folk a fazerem a diferença.
Incidindo sobretudo no reportório instrumental da Idade Média, os Tre
Fontane desenvolvem aqui, como na quase totalidade do disco posterior, a música
anotada no Codex Faenza, descoberto em 1939, documento de primordial
importância para o estudo e aprofundamento das técnicas interpretativas da
música medieval. Às peças (baladas e “virelais”) de Guillaume Machaut, séc.
XIV, músico e poeta considerado um dos melhores e mais representativos
compositores no estilo da “ars nova”, juntam-se as “estampies” italianas, em
voluntária acentuação de características comuns. Da audição de todas elas
sobressai um sentimento de hedonismo exacerbado em que os sentimentos, da
amargura mais profunda à exaltação amorosa, assumem proporções exageradas, pelo
menos para a nossa triste e apagada maneira de sentir. A natureza, as voltas da
roda do destino, a vida vivida em pleno, transformam-se em fonte de prazer
constante. A música reflete essa “joie de vivre” e exacerbação da arte ou do
amor cortês levados a um refinamento e elegância de linguagem sem precedentes
na chamada “ars antiqua”, anterior historicamente à “ars nova”.
Faixas como “Tre fontane” ou as duas baladas de Machaut, exemplos de
maior volúpia sensitiva numa obra que toda ela um jardim de flores no esplendor
máximo da fragrância e da cor – “Dame comment…” e “Dame ne regarde pas…” são de
molde a transformar por dentro quem as ouve.
Centrada quase exclusivamente nas obras de Machaut, a última produção até
ao presente dos Tre Fontane é mais contida, dando a entender uma preocupação
maior de fidelidade às fontes consultadas e uma contenção de estilo que se
prolonga pela própria instrumentação, aqui limitada à sanfona, falutas de
bísel, alaúde árabe e “sordun” (ou “sourdeline”, instrumento de palheta dupla
de sonoridade aparentada ao fagote com um “vibrato” semelhante ao da
gaita-de-foles), enquanto em “L’ Art des Jongleurs, vol. 2” se estende pela
exuberância, além dos instrumentos citados, da “chamelie” (outro instrumento
medieval de palheta dupla), bombarda e várias percussões (bendir, darbouka,
tablas, tamborim, etc.). Entenda-se então a afirmação de Jacques Berque,
aplicável por inteiro à música dos Tre Fontane: “A autenticidade não está na
repetição exaustiva do antigo, mas sim no restabelecimento do antigo através da
inovação”.
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