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NOVEMBRO 1992
PELA LEI E PELA GREI
Chieftains, Battlefield Band e Barabàn são os nomes já
confirmados para o Festival Intercéltico do Porto, cuja quarta edição terá
lugar nos próximos dias 1, 2 e 3 de Abril, no Teatro Rivoli. Este ano vais er
possível conhecer os “suonattori” dos Apeninos e participar num torneio de xadrez celta. Se
levar vacas, tenha cuidado. Se é mulher, prepare-se, ou não para gritar. E
nunca, mas nunca, puxe os cabelos a um padre.
Para além daquelas bandas,
encontra-se em fase de negociações a vinda de um grupo da Bretanha (que poderá
bem ser um dos nomes sonantes da editora Keltia) e outro da Galiza. Prevê-se
ainda, à semelhança das edições anteriores do festival, a atuação de uma banda
portuguesa.
Algumas
atividades paralelas – que muito contribuíram para o sucesso e ambiente de
festa que caracterizaram as anteriores edições do Intercéltico, este ano, como
sempre, organizado pelo MC - Mundo da Canção – estão já confirmadas, como uma
exposição sobre os “suonattori” ou tocadores de “piffero” (instrumento de
palheta dupla parente da bombarda) e “musa”(gaita-de-foles) dos Apeninos, que
será acompanhada de um “workshop” dirigido por Giuliano Grasso, membro dos
Barabàn.
Para
os estudiosos, apreciadores ou simples curiosos de tudo o que se relaciona com
a cultura celta, está reservada uma surpresa: a apresentação e realização de um
mini-torneio de xadrez celta, uma variante deste jogo com regras próprias,
descoberta a partir de estudos e recolhas efetuadas na Irlanda e na Bretanha.
Bárbaros
Uma
pequena exposição alusiva ao tema “As antigas leis da Irlanda”, com possível
edição de uma brochura, dará a conhecer certas idiossincrasias da personalidade
dos antigos irlandeses. Legislação que nada deixava ao acaso e sobre matérias
tão díspares como os direitos cívicos do gado bovino e da mulher (desde que
gritasse) ou ofensas dirigidas a um membro do clero (desde que fosse virgem).
Por exemplo, era ilegal “expor uma vaca ao perigo derivado dos cães vadios e
dos piratas”. Sobre as práticas, presumivelmente sexuais, levadas a cabo sobre
lençóis ou sobre a relva, a lei era um pouco mais elaborada: “se uma mulher
concordar em ir para a cama ou para trás de uma sebe com um homem, este não
pode ser considerado culpado mesmo que ela grite. Mas se ela não concordou, ele
é culpado, desde que ela grite”. Dos desagravos aos membros do clero se diz que
“por puxar os cabelos a um bispo casto, a multa é de um bezerro de um ano por
cada vinte cabelos arrancados”. Estas leis permaneceram em vigor até ao século XVI
e ao reinado de Isabel I, altura em que foram abolidas, por terem sido
consideradas “bárbaras”.
Embaixadores
Dos
grupos já agendados no programa, os Chieftains, cabeças de cartaz da edição
número quatro do Intercéltico, são o que se pode chamar uma lenda viva da
Irlanda e os representantes legítimos da música tradicional desta Ilha, no
resto do mundo. Estiveram em Portugal em Setembro passado, na Festa do
“Avante!”, onde rubricaram uma atuação com sabor a alguma frustração. Nem o
local nem o contexto eram os mais propícios para uma música feita de pormenores
e subtilezas estilísticas, manifestando os Chieftains, logo nessa ocasião, o
desejo de voltar. Em condições diferentes, de modo a poderem tirar o máximo
partido da excelência instrumental em que são mestres. Até Abril, vale a pena
recordar ou descobrir discos como “The Chieftains 5”, “Bonaparte’s Retreat”,
“Boil the Breakfast early”, “The Chieftains 10”, “Celebration”, manifestos
inspirados da tradição musical da Irlanda. Enquanto não chega o novo disco,
intitulado “Another Country”, no qual os Chieftains voltam a desempenhar o
papel de anfitriões, num trabalho de levantamento das relações entre a música
irlandesa e a “country” americana que inclui como convidados, entre outros,
Emmylou Harris, Ricky Scaggs, Chet Atkins, Willie Nelson e os Nitty Gritty Dirt
Band.
Não
menos importantes, os Battlefield Band desempenham na Escócia o mesmo papel que
os Chieftains na Irlanda, de embaixadores da música tradicional do seu país no
estrangeiro. Autêntica instituição, a banda chegou ao ponto de organizar
anualmente um festival próprio, o “Battlefield Band’s Highland Circus” e de
emprestar o seu nome a uma corrida de cavalos. Da formação original dos
Battlefield Band, e ao fim de 15 anos de carreira, apenas resta o teclista e
vocalista Alan Reid que virá a Portugal acompanhado por Alistair Russell
(guitarra, cistro, voz), Iain MacDonald (Highland pipes, flauta, whistle) e
John McCusker (violino, whistle, acordeão, teclados).
Nos
concertos, os escoceses são um espetáculo de energia e entusiasmo. Sempre
imprevisíveis, é frequente alternarem em “medleys” diabólicos, temas
tradicionais como outros estilos musicais, desde canções dos Beatles e dos
Creedence Cleawater Revival a clássicos de rock’n’roll, versatilidade essa
patente no álbum ao vivo “Home Ground”, gravado em 1989. De uma discografia que
compreende até à data 10 álbuns de originais, recomenda-se “Home is where the
Van is” (1980), “There’s a Buzz” (1982), “Celtic Hotel” (1987) e o volume dois
de “Music in Trust” – de parceria com a harpista Alison Kinnaird – banda sonora
de uma série televisiva sobre os patrimónios arquitetónico e paisagístico da
Escócia. Todos eles com o selo Temple e disponíveis no nosso país.
Lombardos
Originários
da região de Milão, os Barabàn poderão ser uma das revelações do festival.
Movendo-se numa área próxima à dos piemonteses La Ciapa Rusa, os Barabàn fazem
o levantamento de temas tradicionais da Lombardia, região do Norte de Itália, a
Leste do Piemonte, adaptando-os, numa fase seguinte, a arranjos da sua autoria
que incluem o uso imaginativo dos computadores. A música resultante é ao mesmo
tempo complexa e espontânea, terna e extrovertida, sem nunca perder de vista a
visão intuitiva do mundo e o telurismo que caracterizam o modo de ser
tradicional. Os Barabàn são Vincenzo Caglioti (acordeão, voz), Aurelio Citelli
(voz, teclados, sanfona, percussão), Giuliano Hrasso (violino, viola, voz),
Guido Montaldo (“piffero”, flautas, clarinete, voz) e Paolo Ronzio (guitarra,
“piva” [outra variante de gaita-de-foles], “musa”, bandolim, voz). Têm gravados
três álbuns: “Musa di Pelle, Pinfio di Legno Nero…”, na Madau Dischi e, na
editora própria Associazione Culturale Barabàn, “Il Valzer dei Disertori”
(considerado pela “Folkroots” o melhor álbum de música tradicional italiana de
1987) e “Nequane”, um disco espantoso, na linha de “Faruaji”, dos Ciapa Rusa,
inspirado num ritual de invocação à chuva celebrado na localidade de
Valcamonica. “Naquane” e “Il Valzer dei Disertori” vão ser editados brevemente
em Portugal pelo Mundo da Canção.
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