Pop Rock
9 de Outubro
1991
ROBERT WYATT
Dondestan
CD, Rough Trade, import. Contraverso
A primeira impressão
recolhida diz respeito à vaga de fundo do órgão – o mesmo de “Rock Bottom”, um
velho órgão Riviera, que o músico voltou a pôr a funcionar, como que dando um
acordo tácito a esse reviver de um passado traumático que acabou por resultar
numa obra, sob todos os aspetos, fabulosa. Mas não só o órgão omnipresente traz
de novo à superfície os rasgos e a visão amarga desse álbum – temas como “The
sight of the wind”, “Catholic architecture” (onde não faltam os perturbantes
suspiros de “Alifie”/“Alifib”, no álbum de 74) e “N. I. O. (new information
order)” remetem de imediato para as sombras e para a majestosidade de “Rock
bottom”. “Worship” opta pela via “jazzy” de “Ruth is stranger than Richard”. Em “CP jeebies” e “Dondestan”,
curiosamente, Robert Wyatt recupera o estilo silabado e o timbre da vocalização
no seio dos Soft Machine. No primeiro caso próximos da serena desolação de
“Moon in June”, no segundo das palpitações pop dos volumes 1 e 2.
“Left on man” e “Lisp
service” (composto de parceria com Hugh Hopper) partem dos pressupostos
deixados em aberto por “Old rottenhat”, com uma maior amplidão nos arranjos, a
voz projetada de forma mais solta e extrovertida. “Shrinkrap” apresenta o “rap”
(a quem Wyatt se declara rendido) de acordo com a sua visão pessoalíssima,
alternando as sacudidelas da voz e a experimentação de estúdio com o piano e
delírios fonéticos semelhantes aos de Ivor Cutler, na sequência final de “Rock
bottom”.
Com a particularidade de
os primeiros quatro temas terem sido compostos por Alfreda Benge (que, como de
costume, assina também a pintura da capa), “Dondestan” funciona, ao nível de
textos, no previsível registo de comentário sociológico a que a sensibilidade
do músico empresta conotações intimistas. A ironia prevalece sobre a demagogia.
Como nos versos de “New information order”: “Privatizem o mar. Privatizem o
vento. O próprio tempo é para se vender. Devia pagar-se imposto para respirar.”
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