Pop
QUARTA-FEIRA,
28 MARÇO 1990 VIDEODISCOS
MÚSICA FUNERÁRIA
MICHAEL NYMAN
The Cook, the Thief, his Wife & her Lover
LP e
CD Venture, importação Contraverso
Depois do som Glass, o som Nyman. O
mesmo é dizer que a audição das primeiras espiras de qualquer disco destes
compositores permite a identificação imediata dos autores. Criaram cada um o
seu estilo, sem dúvida inovador em relação aos primeiros álbuns, tornando-se, a
partir daí, prisioneiros incapazes de se libertar das respetivas linguagens.
Especializaram-se, entretanto, em determinados processos de composição e
produção, digamos, de encomenda. Com Glass são as óperas, em relação a Nyman as
bandas sonoras para os filmes do seu compatriota Peter Greenaway.
“The Cook, the Thief, his Wife &
her Lover” é o quarto álbum composto para as fitas de Greenaway, depois de “The
Draughtsman’s Contract”, “A Zed and Two Noughts” e “Drowning by Numbers”, não
contando com o lado dois de “Zoo Caprices”, preenchido por interpretações a
solo do violinista Alexander Balanescu de algumas das peças de “A Zed...”. As
conceções estéticas do músico e do cineasta coincidem e desdobram-se em
múltiplas variantes, de filme para filme, de disco para disco, permanecendo o
essencial irredutível a qualquer transformação.
Outra das inconfundíveis marcas do
som Nyman é a sistemática utilização da sua Michael Nyman Band, recorrendo
inevitavelmente a determinadas soluções harmónicas e melódicas, em que os jogos
instrumentais se decidem no diálogo labiríntico entre os metais e as cordas,
pontuadas pelo cravo ou pelo piano do maestro. O minimalismo, o barroco e a
música de feira assumem-se numa linguagem única, capas de resultar no
brilhantismo de “A Zed...” e do segundo lado de “The Kiss and other Movements”
ou na solene chateza de “Drowning by Numbers”.
“The Cook”, editado em simultâneo
com “La Traversée de Paris” (com música especialmente composta para a
monumental exposição realizada no novo Arco do Triunfo de La Défense),
apresenta, no entanto, algumas inovações. “Memorial”, o longo tema de abertura,
é uma opressiva lucubração acerca da morte, inspirada na tragédia de Heysel
Park – música funerária como o era a totalidade de “Drowning by Numbers”. A
morte é, de resto, uma das obsessões partilhadas com Greenaway, cujos filmes
(para além das infinitas e labirínticas leituras que permitem) são outras
tantas aproximações a esta temática. “The Cook, the Thief, etc” associa e
interliga de uma forma sublime a morte e a comida, o absurdo e o ponto exato em
que a Arte se confunde com a decadência. Como já acontecia em “The Belly of an
Architect” (a música de Wim Mertens cumprindo sofrivelmente a sua parte) ou o
precursor “A Grande Farra” de Ferreri, este num registo mais brutal e
escatológico.
“Memorial” arrasta-se inicialmente,
vergado ao peso de uma difícil digestão traduzida numa sobrevalorização dos
graves do violoncelo e do trombone, para se elevar finalmente pela voz da
soprano Sarah Leonard. “Miserere” é a outra peça-chave do disco, polifonia
vocal entregue à interpretação do agrupamento London Voices. O resto é o Nyman
do costume – excêntrico, maneirista e pelo menos sempre interessante.
Michael Nyman (como Greenaway)
traduz o devorar das formas e o apocalipse estético de toda a Arte, reduzida a
um classicismo gelado e matemático.
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