Pop
A DISCOTECA
UHF
Os UHF são um caso à parte no rock português. Numa já longa carreira iniciada há dez anos a reboque do movimento despoletado por Rui Veloso, o grupo soube sempre manter-se na linha da frente, fiel a um estilo e a uma imagem, cuidadosamente cultivados pelo seu líder incontestado e carismático, António Manuel Ribeiro. Dez anos foi o tempo que levou a construir o mito.
1979 é o ano da
estreia discográfica com o álbum “Jorge Morreu”, destilando raiva e suor.
Integravam a banda, além de António Manuel Ribeiro, Renato Júnior (guitarra),
Américo Manuel (bateria) e Zé Carvalho (baixo). No ano seguinte, os UHF assinam
contrato com a Valentim de Carvalho, que edita o single “Cavalos de Corrida”,
primeiro hino da banda e enorme sucesso de vendas.
Em 1981, mais um estouro com o
single “Rua do Carmo”. “Modelo Fotográfico”, um tema mais lento, passa mais
discretamente. Ainda uma canção inédita, “Quem irá beber comigo esta noite?”,
oferecida juntamente com os primeiros dez mil exemplares do novo álbum “À Flor
da Pele”. O mini-álbum “Estou de Passagem” assinala a mudança para nova
editora, a Rádio Triunfo, a par de mais um single, “Um Mau Rapaz”, e o
longa-duração “Persona Non Grata”. Por esta altura, António Manuel Ribeiro
assume o papel de mártir incompreendido, de herói lutando contra as injustiças
do mundo, envergando a máscara de um Jim Morrison à portuguesa.
Toda a iconografia típica da
mitologia rock serve para criar a imagem pretendida: o álcool e a droga, a
dureza da estrada, os amores errantes, a violência, e uma cidade e um país
demasiado pequenos para as grandes tragédias do espetáculo contribuem para
engrandecer a figura do homem-só-coerente-até-ao-fim que é António Manuel
Ribeiro. Mas o mais interessante é que o homem até é sincero.
O rock, do verdadeiro, do duro, foi
desde sempre o veículo privilegiado para suportar musicalmente os discursos na
primeira pessoa do singular do líder da banda da outra margem. O que ele desde
sempre nos conta é, no fundo, a história da sua vida, feita de vivências quase
sempre amargar e dolorosas – que as outras, as boas e alegres não têm grande
interesse. António sabe disso, que é como quem diz, sabe-a a toda e faz o que
lhe pedem. A culpa não é dele, no fundo até é um otimista, mas já se sabe como
estas coisas funcionam na cabeça das pessoas.
1983 é ano de novas mexidas na
formação, com a entrada de Francis como segundo guitarrista e de Zé Matos, no
baixo, substituindo Carlos Peres, que entrara entretanto para a banda – não se
sabe exatamente quando porque a folha de promoção é omissa e, confesso, eu
próprio não me lembro bem. Ao certo sabe-se que é deste ano o mini-álbum “Ares
e Bares de Fronteira”. O ano seguinte é negro na carreira do grupo. O baterista
Zé Carvalho sofre um acidente de automóvel e tem de ser substituído por Luís
Espírito Santo. Zé Carvalho acaba mesmo por abandonar definitivamente. O novo
homem dos batuques passa a ser Hipo. No baixo, Zé Matos troca com Fernando
Delaère. Não querendo fazer humor negro, pode dizer-se que a fatalidade
contribuiu ainda mais para “fazer” o nome dos UHF. Mas pronto, o pior já
passara e os UHF voltam-se para procedimentos mais suaves. Um single intitulado
“De Carrocel” e uma participação no álbum infantil “Abbacacadabra” são
sintomáticos desta nova atitude. Por outro lado, o álbum deste ano chama-se
“Puseste o Diabo em mim”, o que contradiz um pouco o acima enunciado.
Parece que o lugar de baterista nos
UHF é o mais disputado de todos. Mais um Zé, desta vez Cadela, e Rui Velez
procuram aquecer o lugar, vamos a ver se o conseguem. No álbum, “Ao Vivo em
Almada – No Jogo da Noite”. Em 1986, que é o ano que vem a seguir, há mais
mudanças, mas começo a ficar um pouco farto e confuso no meio de tantos nomes.
Afinal, os UHF não são uma outra designação para AMR (António Manuel Ribeiro)?
É neste ano que os AMR gravam um vídeo para o programa “1,2,3”, contendo o tema
“Até às Tantas”. Já em 1987, o álbum de estreia a solo de António Samuel
Caeiro, com título “É Hoje, Agora”, ao mesmo tempo que os XYZ passam a quinteto
com a entrada para o baixo de Xana Sin e de Gil (sem apelido) para as teclas. O
Luís Espírito Santo toma definitivamente (até ver) conta da bateria.
Contrato com a Edisom e mais dois
singles “Na Tua Cama”, ainda por cima “Em Violência” e sobretudo indecentemente
“Em Lugares Incertos”, como refere o título do mini-LP do mesmo nome. Tudo isto
em “Noites Negras de Azul”, até agora o álbum mais recente. Mais alterações e
confusões no entra-e-sai (salvo seja) da banda. No ano passado, saiu o maxi com
três temas; “Hesitar”, “Esta Mentira à Solta” e “(Fogo) Tanto me Atrais”. É a
fase (inevitável, na via sacra do estrelato) da introspeção e
autoculpabilização. “Onde é que terei errado?”, “Terá valido a pena?” e outras
angústias do estilo quando o dinheiro começa a “entrar” e a consciência a
pesar. Que fazer? Desistir em nome da pureza de intenções, ou sacrificar o nome
e a integridade conseguidos à custa de muito suor e sofrimento, em troca do
infame e vil metal? A melhor solução é escrever novas canções relatando a
grande infelicidade que é ter dinheiro e sucesso.
QUARTA-FEIRA,
14 MARÇO 1990 VIDEODISCOS
Sem comentários:
Enviar um comentário