05/02/2009

Arto Lindsay - Mundo Civilizado

Sons

13 de Junho 1997
POP ROCK

Arto Lindsay
Mundo Civilizado (7)
Rykodisc, distri. MVM

Olha que coisa mais linda... Arto Lindsay que o diga, cada vez mais embrenhado que está na música brasileira em geral e na bossa-nova em particular. “Mundo Civilizado” é a continuação de um trabalho iniciado o ano passado com “O Corpo Sutil”. Sempre bem acompanhado, registem-se as participações, no novo álbum, de Roy Nathanson, dos Jazz Passengers, Don Byron, Melvin Gibbs (Rollins Band), Bernie Worrell, Peter Scherer e, claro, o indispensável Vinicius Cantuária, a sua guitarra e as suas composições.Mas a principal inovação resulta da contribuição do convidado DJ Spooky, cujo trabalho de colagem e montagem de “texturas” (ambientes, manipulação de pratos de gira-discos), num papel equivalente ao desempenhado por Brian Eno, em “O Corpo Sutil”. Mais cheio de carnes que o seu antecessor e lançando piscadelas de olho ao “trip-hop”. “Mundo Civilizado” vale sobretudo pela criatividade dos arranjos, em composições da autoria de Lindsay, partilhadas com Vinicius Cantuária, Marisa Monte (“Mundo civilizado”), Caetano Veloso (“Titled”) e Amadeo Pace (“Imbassai”) ou nas versões de “Simply beautiful”, de Al Green, e “Erotic city”, de Prince. Mantêm-se as vocalizações frágeis que evocam as imagens poéticas da bossa-nova e um surrealismo transversal. De um bom gosto intocável, faltará a este fascínio de Arto Lindsay pelo Brasil o golpe de asa que faça transbordar o Rio. Em paralelo com “Mundo Civilizado” vai ser editada pela Gramavision a versão de remisturas deste disco, “Hyper Civilizado”, por DJ Spooky e DJ Olive, entre outros. Talvez aí, a aventura...

Richard Thompson & Danny Thompson - Industry

Sons

13 de Junho 1997
POP ROCK

Dentadas

“Não se trata de fazer a história da era industrial, do séc. XVIII até aos dias de hoje. Não penso que isso seja possível. A natureza de uma canção de três minutos obriga à pintura de pequenos quadros. É mais sobre as impressões causadas pela indústria e pelo seu fim... e a transição do industrial para o pós-industrial... É isto que espero que este álbum reflicta.” É nestes termos que Richard Thompson introduz o seu novo projecto de parceria com o contrabaixista e elemento fundador dos Pentangle, Danny Thompson, cujo percurso posterior, com o seu colectivo Whatever, está marcado pelo jazz.
Ainda segundo Richard Thompson – antigo guitarrista dos Fairport Convention que posteriormente formou dupla com a sua mulher Linda, enveredando, nos anos 80 e 90, por uma música de cariz experimentalista, ao lado de gente como Fred Frith, Henry Kaiser, Jon French (com os quais gravou um par de álbuns, incluindo o notável “Live, Love, Larf & Loaf”) e os Pere Ubu –, “Industry” representa um novo passo na sua carreira que, paradoxalmente, procura correspondência na glória dos seus álbuns a solo dos anos 70, encetados por “Richard the Human Fly”.
O tema de “Industry” é o ideal para Richard Thompson libertar todo o seu azedume e a sua reconhecida apetência para cantar os assuntos mais tristes e deprimentes. O encerramento das minas de carvão, o estado de degradação a que chegaram as cidades, o trabalho infantil, a resistência das mulheres, as greves e o desemprego são alguns dos temas abordados neste álbum de cores escuras, como quase todos na obra do guitarrista.
“Chorale”, o instrumental inicial, é uma despedida da Inglaterra rural, do seu estilo de vida bucólico e pastoral, asfixiado pelas manápulas da indústria. Outro instrumental melancólico, “Children of the dark”, retrata a escuridão de uma mina onde trabalhavam crianças. A guitarra e o contrabaixo flutuam num mar de desamparo em “Drifting through the days” antes de as cordas desatarem a chorar, entre o “progressivo” e a música de câmara. “Pitfalls” oscila entre os Gentle Giant e a escola inglesa de jazz, nos seus desenvolvimentos de violino e saxofone. O rock excêntrico de “Live, Love, Larf & Loaf” é redimensionado numa veia quase “rockabilly” pelos saxofones de Paul Dunmall e Tony Roberts, em “Big chimney”.
A única nota de algum optimismo de “Industry” surge pela via de uma inversão/mutação que interioriza o fascínio pela força da estética industrial. “New rhythms” acentua a cadência implacável da máquina, com a sua batida metálica e repetitiva, contra a qual se insurge uma gaita-de-foles, antes da derivação para um fraseado jazzístico. Mas é “Saboteur” o tema que melhor ilustra esta dialéctica de ódio/fascinação pela máquina. Um trabalhador de uma fábrica de algodão sente-se enlouquecer com o poder e o barulho ensurdecedor da maquinaria e decide sabotá-la. Mas, quando desce à cave para o fazer, fica hipnotizado pela beleza do metal, mostrando-se incapaz de levar a sua intenção por diante.
Participam em “Industry”, entre outros, o seu antigo companheiro nos Fairport Convention Dave Mattacks, na bateria, a cantora Christine Collister, Peter Knight (violinista dos Steeleye Span) e elementos dos Whatever, de Danny Thompson, nos sopros.

Richard Thompson & Danny Thompson
Industry (9)
Hannibal/Rykodisc, distri. MVM

Natasha Atlas - Halim

Sons

13 de Junho 1997
POP ROCK

Natasha Atlas
Halim (7)
Beggars Banquet, distri. MVM


Estávamos receosos à partida. Sim, sim, de quem alinhou no passado com Jah Wobble, esse mamute do baixo, são sempre de esperar os efeitos nefastos da sua influência. Sejamos directos: a ameaça tem um nome, nós pusemos-lhe um, a temível, a horrenda, a tenebrosa “etno seca”. Foi, pois, com as mãos trementes que pusemos a rodela a girar.
Espanto! De “seca” nem um traço. “Halim” dá, pelo contrário, uma irresistível vontade de dançar, levando de vencida todas as resistências. Assumindo por inteiro as suas raízes árabes, Natasha investiu na sensualidade da sua voz, rodeando-se de programadores imaginativos para tirar máximo partido desta insinuante aproximação “etno tecno” à música “rai”. A cadência vai abrandando imperceptivelmente à medida que as faixas se sucedem, emergindo então a faceta mais melancólica da música árabe, na qual Natasha Atlas se mostra ainda mais cativante, até ao momento culminante em que o futuro toca nas raízes, quando a cantora se faz acompanhar pela Orquestra de Essama Rashad, no tema composto por este, “Ya albi ehda”.

Neil Young - Year Of The Horse

Sons

13 de Junho 1997

Neil Young
Year of the Horse (8)
Reprise, distri. Warner Music


Querem arrumar Neil Young na gaveta dos clássicos, só que ele não deixa. Aos 52 anos de idade, o cantor canadiano foi homenageado pela indústria, entrando para o Rock and Roll Hall of Fame. Neil Young respondeu com uma recusa, alegando que o prémio se transformou, hoje, num mero veículo promocional e lucrativo do canal de televisãoVH1.
O cineasta Jim Jarmusch prestou-lhe outro tipo de homenagem, realizando a partir dos espectáculos de Neil Young com os Crazy Horse uma longa-metragem, “Year of the Horse”, da qual o presente álbum, registado ao vivo durante a digressão realizada no ano passado pela Europa e pelos Estados Unidos, é uma espécie de banda sonora. Considerado “padrinho do grunge” pelas gerações mais jovens, Young recusa a acomodação e o envelhecimento e “Year of the Horse” é prova disso. À medida que os anos passam, o velho “rocker” parece redobrar a energia e a revolta com que entrega a sua voz magoada e a sua guitarra enrouquecida aos delírios da electricidade. Na sequência de “Weld” e “Ragged Glory”, este novo trabalho recupera temas dos Crazy Horse, como “When you dance”, ou da primeira banda importante a que pertenceu, os Buffalo Springfield, como “Mr. Soul”.
A força das interpretações chega a ser avassaladora, com Neil Young a rubricar, uma em cada disco, dois momentos de antologia. O primeiro, “When your lonely heart breaks”, é uma longa despedida marcada pelo tom desesperado da voz e por uma batida implacável. A guitarra chora. No segundo disco, reservado às deambulações mais “free” e onde a fúria das guitarras investe até à loucura do ruído puro, destaca-se o derradeiro tema, “Sedan delivery” – “Smell the horse on this one!”, exclama o autor no início –, viagem arrebatadora ao inferno do pó. As guitarras revolvem-se na sua adição ao “noise” e à distorção enquanto o ritmo e as palavras aceleram num hino sem freio nos dentes à confrontação eterna, quebrado por momentos de reflexão onde o passado atravessa a ilusão do presente. Canção em duas velocidades, que a cada momento se cruzam e confundem, representa a fuga em frente e o grito que perdurará até à morte, enquanto Neil Young permanecer de pé empunhando a bandeira esfarrapada do rock’n’roll.