17/01/2017

Se isto não é gostar... [Cesária Évora]

SÁBADO, 6 NOVEMBRO 1999 cultura

Cesária Évora apresentou “Café Atlântico” em Portugal

Se isto não é gostar...

Foi uma Cesária sem mácula a que ontem subiu ao palco do Coliseu dos Recreios em Lisboa. Raras vezes a voz de Cize soou tão terna e com tanta clareza como naquela que terá sido uma das melhores atuações da diva em Portugal. Um grupo de acompanhantes à altura, a par da qualidade do som e das luzes, transformaram a apresentação de "Café Atlântico" numa noite inolvidável.

A voz de Cesária é como o som das ondas do mar. Vem de longe e não descansa até ser deposta, como um beijo, sobre a praia, transportando consigo os segredos das ilhas e a mensagem das águas. Chamam saudade a esse caminho que anula margens e distância. "Só os portugueses é que não gostam muito de mim, pois não?" perguntara Cesária na conferência de imprensa realizada na véspera, numa alusão à fraca recetividade que, na altura, estes concertos estavam a ter (Cesária voltou a actuar ontem em Lisboa e estará esta noite, às 22h, no Coliseu do Porto).
            É certo que o Coliseu dos Recreios, em Lisboa, não encheu na primeira noite (quinta-feira) para a receber mas a verdade é que todos se renderam à voz e ao sentimento que dela se desprende. No final o público inteiro aplaudiu de pé não parando de gritar "Cesária! Cesária! Cesária!". Se isto não é gostar então o amor não existe.
            Antes de Cesária, e porque a noite era de um Atlântico estendido para Oeste até um café de Cuba, atuou o grupo cubano da cantora Leyanis Lopez, com o álbum "La Mariposa" na bagagem. Leyanez deslumbrou sobretudo pelo belíssimo vestido em tons de azul-turquesa e pelo modo sensual como meneou a voz e as ancas, o mesmo não se podendo dizer do grupo que a acompanhou, firmemente arreigado a um reportório clássico composto por baladas que não destoariam num salão de baile.
            A seguir ao intervalo – que serviu a muita gente para se inteirar do resultado do jogo do Benfica – o Mindelo ocupou a sala com memórias e a promessa de momentos que não se irão esquecer. Era ainda apenas a banda, sem Cesária, a introduzir as notas instrumentais de uma viagem de múltiplas etapas pelo arquipélago de Cabo Verde. O público já tinha saudades de Cesária e a "diva dos pés descalços" correspondeu, arrancando com "Sodade", um dos seus temas mais conhecidos, para uma atuação onde não se descortinaram falhas.
            Dos efeitos de luz à nitidez e detalhe do som, do talento dos instrumentistas – com destaque para o piano de Fernando Andrade, os solos de saxofone de António Fernandes e o violino do músico cubano Julian Subida – tudo se conjugou para emprestar à voz de Cesária ainda maior brilho.
            Cize não se fez rogada. Cantou como uma deusa mulata, com uma ternura e uma precisão de timbres exaltantes, a figura estática e o sorriso parado, esfinge através da qual fluiu uma torrente de emoções. Nas mornas e nas coladeras, em clássicos como "Sangue de beirona" (mais acelerado do que é costume) "Angola", "Mar azul" e "Miss perfumado", mas também na exuberância e nos festejos do funaná, em "Carnaval de São Vicente" e "Nho Antone escaderote", com que fechou o concerto, dois dos temas pertencentes ao novo álbum de Cesária, "Café Atlântico", do qual a cantora cantou também "Flor di nha esperança", "Vaquinha mansa", "Amor di mundo", "Perseguida", "Terezinha", "Cabo Verde manda mantenha", "Sorte" e "Nho Antone escaderote". O alinhamento incluiu ainda "Cabo Verde terra estimada", "Luiza" e um segundo instrumental que Cesária aproveitou para o já habitual momento de pausa – "cantar também cansa!" – sentando-se, também como de costume, diante de uma pequena mesa instalada no palco.
            Cada balanço da alma, cada inflexão da voz, cada pormenor instrumental foram absorvidos com devoção por uma sala que, impulsionada pela alegria do funaná, saltou como uma mola para aplaudir a diva de pé. Cesária regressou para se despedir com "Besame mucho" e a repetição de "Carnaval de São Vicente". Maré-cheia. O café fechou. Sodade.

CESÁRIA ÉVORA

PORTO Coliseu, às 22h

Electromagnetes [Tone Rec]

SÁBADO, 30 OUTUBRO 1999 cultura

Tone Rec no segundo dia do Festival Reset, no Bairro Alto, em Lisboa

Electromagnetes

“When airwaves swing, distant voices sing” cantavam os Kraftwerk em 1975 no álbum “Radio-Activity”. Já não. Os franceses Tone Rec apropriaram-se das ondas do éter e envenenaram-nas com frequências residuais e estalos de eletroestática. Um assalto aos neurónios, esta noite, em Lisboa, na segunda jornada do festival Reset. Vai haver estragos!

Claude Pailliot, um dos elementos do grupo francês de música eletrônica Tone Rec – que atua esta noite no edifício de “A Capital”, ao Bairro Alto, em Lisboa –, explicou ao PÚBLICO que o grupo não pretende magoar os seus ouvintes mas tão-só estimular neles uma “escuta criativa”. Nos três álbuns que gravaram até à data, “Tone Rec”, “Pholcus” e o novo “Coucy-Pack”, atingiram plenamente esse objetivo. Até ao exagero: os neurónios ficam num estertor, o sistema nervoso num desalinho. Ao lado destes quatro electromagnetos das ondas hertzianas vão estar os alemães Komet e os portugueses NRV.
         PÚBLICO – Os Tone Rec provêm de uma eventual cena pós-rock francesa?
            CLAUDE PAILLIOT – A cena pós-rock nunca existiu em França. E nunca nos sentimos próximos, nem dessa etiqueta nem dos músicos que dela se reclamam...
            P. – São misteriosos: entrevistas raras, discos sem informação...
            R. – É que, até há pouco tempo, ninguém nos queria entrevistar! Mas é verdade que procurámos evitar dar um aspeto egocêntrico às nossas produções. Não sentimos necessidade de reivindicar individualmente as nossas participações.
         P. – Identificam-se com alguma das escolas eletrónicas francesas dos anos 70 (Heldon, Pole, “live electronic” ligadas ao IRCAM), 80 e 90 (Chion, Zanési, Teruggi, etc.)?
            R. – O único ponto em comum que temos é o tratamento dos sons acústicos. Sentimo-nos mais influenciados por certas músicas populares. Sim, é difícil identificarmo-nos com esse tipo de movimentos “eruditos” que depois acabam por se tornar institucionais.
         P. – O grupo tem prazer em magoar os auditores? Por vezes soam como uma broca de dentista...
            R. – Longe de nós tal intenção! O que procuramos é suscitar uma escuta ativa segundo métodos que utilizam certas disfunções digitais que nos afetam de forma particular: saturação, parasitagem, contraste entre altas e baixas frequências, erro estereofónico e volumétrico... Estes diferentes elementos são a seguir injetados no seio de estruturas rítmicas e/ou melódicas.
         P. – Existe na música dos Tone Rec algo que sugere contaminação. Usam a tecnologia digital como um instrumento cirúrgico infetado?
            R. – Há múltiplas potencialidades no meio informático que se ajustam aos nossos processos. É um vasto campo...
         P. – Que processos? Partilham o conceito de estúdio-instrumento, como o Kling-Klang [o estúdio] dos Kraftwerk?
            R. – A pós-produção é muito importante nas nossas composições, o próprio material e tecnologias de gravação fazem parte do nosso instrumentário. Cada um trabalha com diferentes elementos sonoros que depois são processados por um computador central. Todo o conjunto de atividades ligadas a este processo se desenrola na nossa sala de estar onde estão apenas alguns PC comprados em saldo e duas mini mesas de mistura...
         P. – A expressão “música residual” aplica-se aos Tone Rec?
            R. – Gostamos que os “loops” se arrastem até ficarem dessincronizados, com o objetivo de criar micro-rítmicas inesperadas. Exploramos também as saturações e as altas frequências “residuais” reveladas através da técnica de “cut & paste” (como no Word). Isso traz-nos problemas, sobretudo nas prensagens em vinilo. As estruturas rítmicas podem sugerir estilos populares como a tecno, house ou hip-hop a um nível que ultrapassa a caricatura.
         P. – Teorizam sobre a música que fazem?
            R. – Não fazemos qualquer abordagem teórica ao nosso trabalho. Limitamo-nos, humildemente, a criar a nossa própria “cut-&-paste-human-random-musique”.

TONE REC, KOMET, NRV
Lisboa, Edifício da Capital (ao Bairro Alto), 22h30

Eletrónica do terceiro sexo [Terre Thaemlitz]

cultura DOMINGO, 24 OUTUBRO 1999

Terre Thaemlitz abre festival Reset!

Eletrónica do terceiro sexo

Veste-se e maquilha-se como uma mulher e assume-se como "queer". Esquisito, diferente, indefinido. Subvertor das políticas e estéticas da sexualidade, o compositor de música eletrónica Terre Thaemlitz difunde na sua obra valores onde a ambiguidade constitui um permanente desafio. Com ele tem hoje início o ciclo de novas músicas Reset!, no âmbito do Festival Atlântico.

Para este músico norte-americano, que gravou versões para piano da pop sintética dos Tubeway Army e dos Kraftwerk, a ambiguidade é a arma com que desafia os géneros musicais e sexuais propagandeados pela cultura dominante. Assumindo-se como "queer" – o que, segundo diz, não é bem a mesma coisa que "gay" –, Terre Thaemlitz explicou ao PÚBLICO as suas teorias. Que apresentará esta noite, pelas 22h30, ao público português, no edifício de "A Capital", ao Bairro Alto, em Lisboa, no concerto de abertura do festival Reset!. Um programa que também inclui os alemães Monolake e os austríacos Radian.
         PÚBLICO – Existe na sua obra a intenção explícita de transpor o discurso da homossexualidade para o discurso musical? Em que medida a eletrônica é o “media” mais adequado para o fazer?
            TERRE THAEMLITZ – Considero-me homossexual, "queer", pansexual. Acho importante definir a minha sexualidade de uma forma mais complexa do que pela simples divisão entre "gay" e "normal". Evito igualmente o termo "bissexual", na medida em que também se limita à dualidade hetero e homossexualidade. Evidentemente, o facto de abordar na minha música assuntos "gay" é intencional. A música é um meio de comunicação, daí tentar dar-lhe um conteúdo explícito. Sem este conteúdo, ouvir música é como escutar um bêbedo numa festa. Uma perda de tempo que acaba por ser no fundo uma capitulação perante os valores defendidos pela indústria. Nas minhas edições procuro, precisamente, desafiar as regras do mercado. A música electrónica, enquanto categoria relativamente marginal (em particular nos EUA) é uma boa metáfora para a tentativa de dar voz a temáticas historicamente minoritárias como a homossexualidade e, em geral, as políticas acerca da identidade.
         P. – O caso Walter/Wendy Carlos [autor da banda sonora de “Laranja Mecânica”] será paradigmático da relação identidade sexual/música? A música de Walter Carlos é diferente da música de Wendy Carlos?
            R. – Podem fazer-se leituras interessantes sobre a mudança de sexo de Wendy através da tecnologia e traçar um paralelo com a transformação da música clássica através dos sintetizadores a que ele se dedicou na série “Switched on...” [Adaptações da obra de compositores clássicos para sintetizador como “Switched on Bach”]. Mas o problema, em qualquer dos casos, é o seu desejo de preservar a todo o custo um sentido de pureza, em termos ideológicos, das fontes musicais. Para ela uma música só é genuína na medida em que se enquadra num género específico, puro. Foi uma coisa bastante chata, o processo que ele moveu contra [o cantor pop] Momus por este ter usado a canção “Walter Carlos” num disco de homenagem, sem a sua autorização. Que idiota!

Replicantes e robôs

         P. – Subscreve as teorias da relação sexualidade/magia/poder do grupo experimental Coil, nas quais a homossexualidade funciona como uma alquimia invertida?
            R. – Não estou familiarizado com as teorias dos Coil mas, pelo teor da pergunta, posso adivinhar o que sejam. Não estou interessado em envolver-me com a magia negra ou com demónios ancestrais enquanto técnicas de religação à sexualidade, como Kenneth Anger refere no seu livro “Lucifer Rising”. Vejo tudo isto mais como indulgência do que como uma forma produtiva de organização do indivíduo.
         P. – Que motivos o levaram a gravar o álbum “Die Roboter Rubato” com versões de piano de temas dos Kraftwerk, um caso típico de superação da dualidade sexual masculino/feminino? Os “homens-máquina” dos Kraftwerk são robôs assexuados...
            R. – Mas os “homens-máquina” dos Kraftwerk são completamente homens! Como é que se pode dizer que não têm sexo? O que procurei pôr em prática na série “Rubato”, nesse disco e em “Replicas Rubato”, foi um recuo até às influências-chave da minha vida e analisar até que ponto fui afetado quer pelas suas limitações quer pelas suas temáticas. Como o erro de lógica contido na sua pergunta. Grande parte da música eletrônica joga com esta contradição entre o desejo de androginia e as implicações masculinas da tecnologia. Gosto de explorar esta contradição como forma de provocar a discussão entre as questões relacionadas com os géneros.
         P. – O caso de “Replicas Rubato”, também versões de piano mas de temas dos Tubeway Army, é diferente. Aparece retratado como um clone feminino de Gary Numan na capa que, por sua vez, é uma reprodução da edição original de “Replicas”. Identifica-se com a personagem/personalidade (persona = máscara) deste músico?
            R. – Não conheço Numan pessoalmente, mas passei grande parte da minha vida a identificar-me com as suas noções sobre a identidade como uma estratégia de mentira que pode ser alterada conforme as situações. Mas Numan conclui que todas as mentiras são, em última análise, trágicas, do que eu discordo!
         P. – Nestes dois discos transformou uma música cem por cento sintética em formas pianísticas. Contudo, a presença oculta do computador subverte esta aparente conversão de 180 graus em algo mais ambíguo, não é verdade?
            R. – Sim, é isso mesmo.
         P. – Até que ponto a homossexualidade, no sentido da música popular, é ainda sinónimo de transgressão/escândalo ou, pelo contrário, um derivativo festivo/folclórico do culto da aparência e de hedonismo cultivados pelas “estrelas rock”?
            R. – É verdade. De Prince a Marilyn Monroe, ou na imagética sexual “freak” usada por Aphex Twin, existem semelhanças com a cena “glam”. A diferença está em que hoje é tudo mediatizado e diluído na cultura dominante. O que, à primeira vista, pode parecer um ato de transgressão não passa, afinal, de um gesto oco e sem consequências. E inofensivo, daí a atração que todo este folclore exerce nas pessoas e o seu sucesso comercial.
         P. – Viu o filme “Velvet Goldmine”, de Todd Haynes? Qual a sua opinião? Faz sentido falar, a propósito dele (e da banda sonora), de “mistificação”, enquanto processo de sabotagem/desmontagem/inversão da memória, dos seus mitos e preconceitos?
            R. – Gostei do filme. Sobretudo achei interessante a ideia de ultra-identificação através dos objetos, como forma de consumo da sexualidade através da música. Um tema que trabalhei tanto em “Replicas Rubato” como em “Love for Sale”. Acho estúpido interpretar o filme à luz de uma exatidão histórica. As pessoas que ficaram desiludidas com a forma como foi recuperada a “verdade” dessa época esquecem-se de que a noção “drag” do “glam” se relaciona com a apropriação de signos culturais e com o baralhar do conceito de “verdade” acerca dos géneros masculino e feminino.

O poder homossexual

         P. – O que são as “Queer Media Series” da editora Mille Plateaux, para onde gravou o novo álbum “Love for Sale – Taking Stock in our Pride”? No livrete afirma-se que “estas séries não existem”...
            R. – Toda a embalagem de “Love for Sale” tem como objetivo desencadear no comprador um tipo de impulso relativo ao “poder homossexual”. Claro que depois de se levar o disco para casa, há o texto interior que pretende complicar e desconstruir todas essas noções propagandeadas pelo mercado acerca da identidade.
         P. – Um texto onde também se lê: “Procuro delinear o modelo, e uma tese sobre um som ‘queer’, submetendo os materiais sonoros a sucessivos processos de deslocação”. O que são esses “processos de deslocação”?
            R. – Trata-se, literalmente, do processamento sonoro através do computador, moldando os materiais de origem até os tornar inidentificáveis. Enquanto metáfora sobre a sexualidade, as teorias “queer” giram ainda em torna da desmistificação da hetero e da homossexualidade como “verdades naturais” e falam dos nossos modos de percepção da sexualidade, através dos processos sociais.
         P. – Há um comentário seu bastante interessante: “A atuação da comunidade ‘queer’ não representa um esforço para contrariar a cultura dominante, mas a tentativa de conseguir o mesmo direito à alienação da classe burguesa sob um regime capitalista”. Quer comentar?
            R. – Por exemplo, o combate a favor do casamento entre “gays” ou entre lésbicas, tendo como único objetivo garantir seguros de saúde ou regalias fiscais, não contribui em nada para lutar contra os privilégios da classe heterossexual dominante e opressora dos indivíduos homossexuais. Não passa de uma tentativa de integração a curto prazo no sistema de exploração e de lucrar com o sofrimento dos outros.
         P. – Abstraindo-nos dos aspetos políticos e sociológicos da sua música, “Love for Sale” é um álbum musicalmente estimulante. Quais são as suas referências/influências no campo da música eletrónica?
            R. – Toneladas... Sou sem dúvida influenciado pela ação direta dos Ultra-Red [grupo de intervenção político-musical composto por Dont Rhine e Marco Larsen], de Los Angeles. Aliás, na Alemanha, pensam que eu falo parte do grupo, o que não é verdade. Os Ultra-Red têm uma história longa em Los Angeles e temos agendas diferentes. Eles dedicam-se à ação direta, enquanto eu me limito a criticar as regras de funcionamento do mercado, o que é muito mais cómodo...

Jorge Reyes nas asas do peyote

SÁBADO, 16 OUTUBRO 1999 cultura

Música pré-hispânica no Paradise Garage

Jorge Reyes nas asas do peyote

LUA CHEIA sobre um lago na montanha. Silêncio. Paragem do tempo. Sobre as águas ergue-se o som de um tambor. Uma flauta de porcelana desliza para o mar. Uma concha abre as mandíbulas e canta. Sobressalto: sobre a quietude da noite, assalta-nos o batimento cardíaco de um índio. Digitalizado e processado em computador.
            Imagens sugeridas pela música do mexicano Jorge Reyes que esta noite transformará o Paradise Garage, em Lisboa, no templo de uma misteriosa civilização pré-hispânica. O concerto, organizado pela Symbiose, conta ainda com a presença de dois bailarinos índios o que, decerto, acrescentará uma dimensão teatral a uma música umbilicalmente ligada ao imaginário do peyote (cato com propriedades alucinogénicas) e aos rituais religiosos dos povos que habitaram o México no período anterior à colonização espanhola.
            A este envolvimento onírico-naturalista (totalmente arredado das preocupações pseudo-humanistas na new age, diga-se desde já) confere Jorge Reyes uma dinâmica descontextualizadora do material étnico através do recurso aos computadores e sintetizadores digitais. O resultado é um território inexplorado no qual o referente mexicano acaba por funcionar a nível subliminar, equidistante das "músicas possíveis do quarto mundo" de Jon Hassell e da "sombient" apocalíptica de Steve Roach (parceiro de Reyes, com o guitarrista espanhol Suso Saiz, nos Suspended Memories).
            Jorge Reyes nasceu em Uruapan, no Michoacan, México, tendo iniciado estudos clássicos na década de 70. Viajou pela Turquia, Afeganistão, Paquistão e Sri Lanka, onde estudou percussão e música tradicional indiana. Em paralelo, desenhou o mapa interior das suas navegações psico-musicais, ensaiando formas de contacto entre os instrumentos tradicionais e objetos da natureza (conchas, troncos, ossos) com a eletrónica (incluindo a amplificação de sons produzidos pelo corpo humano) e a manipulação vídeo, em ambos os casos procedendo à adição de elementos étnicos e digitais.

Da contemplação ao terror

            "Ek-Tunkul", de 1985, assinala a estreia discográfica de Jorge Reyes, um álbum onde eram notórios resquícios do rock progressivo e da "kosmische musik" (música cósmica) de Klaus Schulze e dos Tangerine Dream. "A la Izquierda del Colibri", editado no ano seguinte, faz a transição de uma música solar colorida com as cores do arco-íris para um céu iluminado pela lua e pelas alucinações noturnas de fantasmas índios vagueando pelas regiões astrais. "Comala" (1987) e "Niérika" (1990) são álbuns de música eletrónica inovadora capazes de provocar em quem a ouve estados anímicos que vão da contemplação ao terror.
            Mas é a partir do álbum "Mexican Music Pre-Hispanic", de 1990 (primeira parte de uma trilogia que se completaria com "Music for the Forgotten Spirits", de 1994, e "Mystic Rites", do mesmo ano), que a música de Jorge Reyes atinge uma intensidade e um grau de envolvimento com as vozes e mitos do inconsciente que fazem dela uma ponte para o desconhecido. Reyes contactara na década de 80 com as tribos índias mexicanas o que o levou, a par da consciência da "decadência da música pop", a interrogar-se sobre as tradições e os objetivos que norteariam, de futuro, a sua música.
            Em "Cronica de Castas" (1991, álbum conceptual sobre a genealogia das castas índias primitivas, com Suso Saiz), "Bajo el Sol Jaguar", de 1992, e "El Costumbre", de 1993, Jorge Reyes levanta o véu a uma realidade alternativa nascida no fundo dos tempos, de criaturas sem nome e lances de magia, equivalente à literatura mágica do seu compatriota Carlos Castañeda. Um novo tipo de psicadelismo sobre o qual é o próprio a teorizar: "O som é energia e é preciso saber lidar com isto. Apercebemo-nos não só da realidade do mundo como de outros mundos misteriosos que apenas se podem ver e tocar através da música. É preciso desenvolver diferentes maneiras de trabalhar o som e é por essa razão que comecei a utilizar pedras, a tocar com os ritmos do corpo, para fazer aparecer esses sons arcaicos. Um retorno ao inconsciente coletivo, não só de uma cultura, a mexicana, com muitos milhares de anos, mas muito mais para trás."
            Alquimista da fusão do novo com o milenar, Jorge Reyes justifica ainda o recurso ao minimalismo: "A repetição é a única maneira de aceder ao sobrenatural, estamos a falar de tempo que é uma entidade linear. Só pela repetição se pode escapar a esta realidade, do dia-a-dia, tornando-a elástica, fazendo dela um espaço sagrado.
            "É este espaço sagrado – que o êxtase do corpo pode ajudar a alcançar mas que apenas o espírito consegue vislumbrar – que Jorge Reyes dará a ver e a ouvir hoje à noite numa discoteca de Lisboa. Boas viagens astrais.

Concerto fúnebre por Amália

destaque SÁBADO, 9 OUTUBRO 1999

Concerto fúnebre por Amália

Amália Rodrigues foi hoje a enterrar. O seu maior medo era que as pessoas se pudessem esquecer dela. Os milhares de pessoas que ontem a acompanharam até à última morada, no Cemitério dos Prazeres, mostraram, num clarão de emoções, que tal jamais acontecerá. O povo, a quem Amália deu voz durante toda a sua vida, despediu-se a cantar fado. A mulher morreu. Nasceu o mito.

Com as honras devidas, Portugal prestou a última homenagem à maior das suas vozes. Uma voz que entrou, mais do que nos ouvidos, no fundo anímico dos portugueses. Amália, o seu fado, trespassou-nos. Ontem de manhã, na Basília da Estrela, celebrou-se a missa das exéquias e o funeral da fadista. Demonstração impressionante do amor que todos nutriam por esta mulher que começou por vender fruta até se tornar na embaixatriz da alma e da música portuguesas no mundo. O PÚBLICO fez a viagem através da multidão, entre os cacos de um sonho quebrado. Sem remédio nem retorno. Mas também a viagem através das pequenas histórias que, inevitavelmente, nascem quando um grande vulto morre. Onde termina a realidade e começa a ficção? Em Amália. Nos fados de Amália. No fado de Amália. No nosso fado. No que recebemos e deixámos de receber com Amália. Do que perdemos de nós mesmos por Amália. O maior medo de Amália Rodrigues era que se esquecessem dela. Ninguém de esquece de si próprio. Portugal inteiro fez-se saudade.

Afastar o desespero

            "Você acha mesmo que a Amália tinha 79 anos?", dispara, conspirador, o motorista de táxi que nos conduz à Basílica da Estrela onde vai ser celebrada a missa das exéquias da fadista. Não tinha? Perguntamos, incrédulos. "Era muito mais velha!", garante o taxista, "o meu pai, que tem hoje 83 anos, conheceu-a bem quando estava a acabar a tropa, aos 21 anos. Tinha a certeza, confirmada pela própria, que a Amália era dez anos mais velha do que ele". Por contas de cabeça, Amália teria então 93 anos na altura do falecimento. É o começo da lenda. O primeiro dia da eternidade. Estas e outras histórias, verdadeiras ou imaginárias, andarão de boca em boca pelas gerações vindouras, conservando intacta a memória daquela que foi a maior cantora portuguesa de todos os tempos.
            O táxi reduz a velocidade à medida que a multidão vai engrossando. Para todos os que, de algum modo, foram sensíveis à música ou à mulher, a última homenagem é um imperativo moral inadiável. A Basílica está apinhada de rostos comovidos. Mas a manhã rompe luminosa e dentro do templo a luz jorra com força, espantando as sombras. Amália "afastava para longe o desespero que às vezes invade o espírito dos embotados" diz D. José Alves, vigário-geral do Patriarcado de Lisboa.
            Às nove da manhã tem início a celebração. Ofício religioso mas também espetáculo. Ao centro da nave principal o caixão com o corpo de Amália tem como cobertura a bandeira nacional, emoldurada por flores. Rodeiam-no uma guarda de honra composta por elementos da GNR. Um deles sente-se mal e sai amparado. Minutos mais tarde outro cai redondo no chão.
            Num dos lados da nave da basílica está instalado o quartel-general da comunicação social, transformando aquele espaço numa agência noticiosa. Soam telemóveis. Locutores transmitem em direto a cerimónia falando mais alto que o devido. Fios e cabos, blocos e gravadores. As objetivas dos fotógrafos procuram enquadrar o caixão com os VIP que estão sentados no lado oposto da nave. Caras consternadas, à direita, ao centro e à esquerda. João Braga, com a consternação estampada no rosto, lê aos microfones um texto religioso. Ele e os veteranos das casas de fado estão presentes em força. Os mais novos, não conseguimos vê-los. Raul Indipwo e João Maria Tudela marcam presença. E José Pedro, dos Xutos e Pontapés: "Estou aqui principalmente pela Celeste Rodrigues, mãe da sobrinha de Amália, a Mizé, com quem vivi muito tempo”.

A necessidade de estrelas e do seu brilho

            À medida que o ritual avança cresce a emoção. Celeste Rodrigues, irmã de Amália, não esconde a dor que sente. Nem Leonilde de Jesus, secretária pessoal e amiga de Amália. Há quem profira palavras de consolo, tentando ignorar que há momentos na vida em que não há consolo possível. Quando Rosa Mota entra, já a meio da missa, os rostos voltam-se para esse lado. Felizmente, Portugal tem outras estrelas. Portugal precisa de estrelas e do seu brilho – maior, para o povo, que o dos fatos e gravatas dos políticos que o luto escureceu.
            Frei Hermano da Câmara, o frade-cantor com quem Amália cantou no álbum "Nazareno", destaca-se entre os oficiantes. Já na rua declara que está a viver a morte de Amália "muito interiormente, como muita dor, muito sofrimento e muita oração", acrescentando que "é uma faca no coração, um vazio que se sente, a perda de um gigante da arte e do fado".
            O frade não canta mas canta o Coro da Paróquia da Lapa. Um grupo de guitarras enche de música a cerimónia com uma versão instrumental de "Foi Deus", um dos fados que mais alto projetou a voz de Amália Rodrigues. Estudantes de Coimbra evocam, num gesto simbólico, o filme "Capas Negras" no qual Amália participou.
            A missa termina – diz-se que a pedido expresso em vida pela própria – com a voz de Amália a cantar "Grito". Silêncio. A seguir, um fogo. É o zénite, o vulcão dos sentimentos, a presença sobrenatural. Quando se extingue o último verso – "Solidão quase loucura" – a multidão explode num aplauso interminável. Agitam-se lenços brancos. Muitos choram.
            "Quando eu morrer, façam o favor de chorar por mim", pedira Amália em vida. Portugal chorou. A cantar o fado.

06/01/2017

Foi Deus [Amália Rodrigues]

QUINTA-FEIRA, 7 OUTUBRO 1999 destaque

Foi Deus

Amália Rodrigues – o Fado – morreu. "Desde que existe morte, imediatamente a vida é absurda", disse Amália um dia. O fado tomou o lugar da sua vida, fez-se voz. A voz onde escutávamos a distância que nos separa de nós mesmos. Dizíamos: o fado. E era no seu canto que nos comprazíamos em dizê-lo. A voz e o fado de Amália atravessaram em chamas seis décadas da cultura portuguesa. Um tempo de canções, de pessoas, de êxitos, de lugares e de polémicas que são o espelho de um país amarrado à saudade. Ao baterem as oito horas da manhã de ontem, na sua casa, na Rua de São Bento, em Lisboa, a voz extinguiu-se. "Gostava de morrer de repente. Acho que as pessoas deviam ser como as maçãs, cair da árvore". A maçã caiu e deixou-nos sós. Ficou uma lenda para ouvir cantar muitas vezes. Amália. Era uma mulher com uma voz do tamanho da alma.

A máscara que esconde um rosto

"Entrei na vida a cantar / E o meu primeiro lamento / Se foi cantado a chorar / Foi logo com sentimento", escreveu Amália nos primeiros anos da sua carreira, para a música do fado "Mouraria". Amália costumava chorar muito. Chorava quando cantava. Chorava quando chorava. "Só consigo cantar se gosto de me ouvir. Mas quando gosto muito, comovo-me. Choro quando as palavras me tocam fundo nalguma coisa qualquer que me dói". Dois dos fados em que Amália cedia com maior facilidade às lágrimas eram "Cansaço" e "Povo que lavas no rio". Neles a fadista dizia que encontrava a liberdade de ser ela própria, de anular a eternidade que separava a sua vida de artista da sua verdadeira maneira de ser.
            Então deixava-se levar pelo cansaço, banhando-se nas águas do total abandono. "Quando chego às tábuas do meu caixão, já eu estou quase no caixão" – dizia, a propósito de "Cansaço" - "Já estou morta, já sinto as flores e tudo". "Isto em cena, mas depois, quando volto para casa, continuo a ser a tal pessoa: 'daí este meu cansaço / de sentir que quanto faço / não é feito só por mim'. Já estou eu de roda de mim outra vez". Há nestas palavras uma lucidez extrema. A intuição de que a personalidade não passa da máscara que esconde um rosto sem feições. "Penso assim porque sou lúcida. Mas também pode ser que esteja doida". A música, essa, vinha-lhe diretamente de Deus e era a Deus que se entregava. Foi Deus. Amália deu-se por inteiro ao seu destino de ser, mais do que "persona", alma coletiva. De cantar todos os males, os seus e os dos outros. De dar de beber à dor.

Fado de uma vendedeira de fruta

A história de Amália começa por onde quisermos. "Quando fizerem a minha história e eu já não for viva para dizer como foi, então é que se vão fartar de inventar. O que me irrita é a mentira. Mas sei que a minha história vai ser aquela que escolherem, aquela que é a mais interessante, aquela que não é a minha". Escolhemos esta: Era uma vez uma mulher com uma voz do tamanho da alma.
            Amália Rodrigues nasceu no primeiro dia de Julho de 1920 - embora as certidões a façam mais nova 22 dias -, na rua Martim Vaz, na freguesia da Pena, então uma zona operária de Lisboa. Os pais eram da Beira Baixa e teria sido numa das suas passagens pela capital que a fadista veio ao mundo.
            Cresceu no seio de uma família pobre que tentava sobreviver à grande depressão de 1930. Vendiam fruta, ela, a mãe e a irmã, no mercado da Ribeira. Ou no Cais da Rocha, quando sobrava alguma. Em Alcântara, Amália canta o fado pela primeira vez. Nas marchas populares, o "Fado de Alcântara". Em 1938, aos quinze anos, concorre ao concurso "Rainha do fado". As adversárias invejam-lhe a voz e recusam-se cantar ao lado de uma "vendedeira de fruta".
            Durante um ensaio na Academia de Santo Amaro conhece aquele que viria a tornar-se o seu primeiro marido, Francisco da Cruz, torneiro mecânico e guitarrista amador, com quem casa, em 1940. Antes, já ele a enganara com outra. Amália tenta suicidar-se com mata-ratos, no chafariz da Junqueira, em frente à porta do amado. Tentativa falhada: deixa cair com a água a maior parte do remédio. Reconciliação e casamento, no mesmo ano em que se estreia a cantar numa casa de fados, o Retiro da Severa. O casamento dura três anos, embora o divórcio apenas se concretize em 1949. Ele já partira para África, onde acaba por morrer. Amália sofre com a rejeição. "Nunca fui desconfiada na vida, nunca fechei nada à chave. A única desconfiança que eu tinha era de não acreditar que as pessoas gostassem de mim".
            Na Severa canta o "Mouraria", acompanhada pelos melhores guitarristas de Lisboa, Jaime Santos, José Marques, o mítico Armandinho. As vozes pertenciam a Alfredo Marceneiro, Adelina Ramos, Maria Albertina. E a duas das melhores fadistas dessa época, Berta Cardoso e Ercília Costa, apesar do ídolo de Amália ser Hermínia Silva. No Solar da Alegria já tem reportório próprio. Fernando de Freitas é o primeiro a escrever um fado especialmente para ela, a "Ronda dos bairros". Seguem-se Linhares Barbosa e Frederico de Brito que lhe oferece, entre outras canções, a "Carmencita".

Espanha, Brasil, o mundo

Estreia-se a cantar no estrangeiro, em 1943, na capital espanhola. Daí para a frente nunca mais perdeu o fascínio pela música espanhola que passou a ser parte integrante do seu reportório. O flamenco entra-lhe na alma. Se o destino a tivesse puxado para aí, poderia ter sido uma grande intérprete do "cante jondo". "Em Espanha há um ambiente de exaltação que quase levanta voo, um ambiente que teria servido muito melhor a minha voz do que o fado". Uma Amália, "ibérica na cantiga", que "nuestros hermanos" aprendem cedo a venerar. "Quando Amália tiene gripe", escreve um crítico espanhol, "el escudo baja". Mas o outro lado de uma vizinhança difícil, da arrogância altiva, também se faz sentir, e Amália não o desconhece, o que a leva a dizer que "os espanhóis veem o fado como veem Portugal, ou seja, não veem". É também em Madrid que conhece Hemingway. "Para que é que me serve ter conhecido Hemingway? Não era amiga dele, não sou prima, nem irmã!...".
            No ano seguinte, 1944, Amália descobre o Brasil. Atua no Casino de Copacabana. Neste país grava pela primeira vez, no ano seguinte, um disco de 78 rotações, para a editora Continental, com os fados "Perseguição" e "As penas". O cinema consagra-a como verdadeira atriz em "Capas Negras", de Armando de Miranda, e "Fado - História de uma Cantadeira", de Perdigão Queiroga, um cineasta da escola americana, que neste filme desvela a luminosidade sobrenatural do rosto da cantora. O mesmo rosto que a câmara fotográfica de Silva Nogueira imortalizou.
            Ao longo da sua carreira, Amália participa, além destes, em mais seis filmes: "Vendaval Maravilhoso", "Os Amantes do Tejo" (filme francês, de Henri Verneuil, que triunfou no Japão em formato vídeo), "Sangue Toureiro", "Fado Corrido" e "As Ilhas Encantadas", onde a fotografia de Augusto Cabrita capta, por sua vez, imagens da artista que se tornariam célebres. Aparece ainda, apenas enquanto cantora, em "Sol e Toiros", "Abril em Portugal", "As Canções Unidas" e "Via Macau". "Os Amantes do Tejo" funcionaria como passaporte para Paris que lhe franqueia as portas do Olympia, em 1956, ponto de partida para uma carreira internacional sem precedentes no nosso país. Wim Wenders quis fixar-lhe a luz. Ou a sombra. Filma-a a entrar para um elétrico em "Até ao Fim do Mundo".

Deus no comboio das seis e meia

O teatro, onde se estreia em Junho de 1940, na revista "Ora vai Tu!", dá-lhe a conhecer uma forma mais segura e gratificante de contacto com o público. "No teatro há um palco e um público à frente. Numa casa de fado o público está em cima de nós. Como sou tímida, prefiro a distância. (...) Um teatro inteiro a bater palmas dá muito mais prazer. É um espetáculo, enquanto uma casa de fados não tem espetáculo".
            É ainda no meio teatral que aparece na sua vida o homem que lhe vai marcar a carreira, o maestro Frederico Valério. "Conhecia muito bem a minha voz e escrevia para mim, para toda a gama da minha voz, para cima e para baixo". Fados como "Rosa cantadeira", "Fado do ciúme", "Malhoa", "Sabe-se lá" exigem tudo da sua voz, sobretudo nos registos mais agudos, por sinal aqueles onde Amália se sentia menos à vontade. "Tenho tido uma voz muito sã, nunca dei uma fífia nos tons altos, cheguei lá sempre, mas numa tonalidade que não agrada muito ao meu ouvido. Por isso tínhamos as nossas pegas, eu e o maestro Valério. Eu dizia que era alto demais, ele chamava-me mandriona e dizia que estava lindo". Mas Deus e a música davam-lhe as mãos numa dádiva só concedida aos eleitos. "De repente, numa improvisação, sou capaz de ir a uma nota em que toco um tom que não sou capaz de tocar, se for a música a mandar".
            Os poetas descobrem em Amália o veículo privilegiado para os seus versos. Pedro Homem de Mello e David Mourão-Ferreira são dois dos principais. Mas é um alentejano, de Reguengos, com licenciatura em Farmácia, Alberto Janes, que lhe oferece, de bandeja, a transcendência: "Foi Deus", que Amália canta pela primeira vez na Rádio, no programa O Comboio das Seis e Meia. "É um fado tão ligado a mim que quando estive doente achei que não o podia cantar. Tinha vergonha de dizer 'E deu-me esta voz a mim', não estando a voz muito boa." No extremo oposta da hierarquia, o mesmo Janes escreve para ela o célebre "Vou dar de beber à dor". Amália canta "Foi Deus" num "Te Deum" na catedral de Beirute. O mundo rende-se à Voz.

O canário e a mosca

Londres, Berlim, Dublin, Roma, México. Nova-Iorque recebe-a em 1952, na boîte "La Vie en Rose". Fica durante catorze semanas. Edith Piaf, outro dos raros artistas europeus a vencer nos "states", ia lá todas as noites, para se encontrar com o namorado. Danny Kaye convida-a para atuar com ele num espetáculo da Broadway. Amália recusa. Como recusa outra oferta, para filmar com Anthony Quinn. "Eu podia ter sido muita coisa se não tivesse sido aquilo que sou". Lincoln Center e o Hollywood Bowl. Canta ao lado de Nat "King" Cole, Eartha Kitt, Lena Horne. Em 1953, em mais uma visita aos Estados Unidos, tem lugar o célebre episódio da Coca-Cola, num programa da NBC de Eddie Fisher. Imperativos comerciais obrigam a fadista a beber uma garrafa daquele refrigerante. Amália não gosta e canta "Coimbra" para os emigrantes. Julgavam que era uma canção francesa. Amália teve que explicar.
            No ano seguinte conquista o Mocambo, de novo em Hollywood. Os jornais chamam-lhe "Amália, the canary", o canário. Pedem-lhe que se vista de branco e use decotes maiores. Que largue o xaile negro e ponha uma rosa no cabelo. Fazem confusão entre Espanha e Portugal, Amália enfurece-se. É o "show-biz" a funcionar. Dá-lhe a mosca em Portugal. Na estreia televisiva, em 1958, o irritante inseto não pára de zumbir à sua volta e ela de sacudi-lo. No final da sessão Amália reconhece: "Cantou melhor a mosca do que eu."

Fado menor é destino mau

Amália representa a figura da Severa, no Teatro Monumental, em Lisboa, a convite de Vasco Morgado. Nunca se identificou com a mulher "de pancada alta, pêlo no braço, lume no olho". "Não tinha nada a ver comigo. Chamei a Severa a mim. Eu sabia lá como era a Severa!". Como também não sabia, não percebia nada de política nem dos políticos. Acusada de colaborar com o regime, Amália refugia-se no povo. Nisso, como em tudo, deixa-se ir. Marcelo Caetano condecora-a em 1958 na Feira de Bruxelas. Madrid concede-lhe a condecoração de Isabel, a Católica, em 1968. Recebe a Medalha de Prata de Paris e, em 1985, outra condecoração, das mãos de Jack Lang. Mas o que verdadeiramente a emociona permanece um mistério.
            "Quando me emociono, quando canto de um modo tão intenso que chego a chorar, não tem nada a ver com o público, ou com o meu estado de espírito, não tem a ver com estar apaixonada ou não. Uma vez, num barco, em Vila Franca, à noite, cantei aquela música do 'Fado cravo', com os versos 'Duas luzes' e todas as pessoas se ajoelharam aos meus pés. E ajoelharam porquê? Porque eu senti uma emoção muito grande". Ajoelharam porque Amália possuía essa capacidade rara de se concentrar no ponto exato onde tudo conflui, se dilacera e floresce. O lugar da cruz. "Nem sei como chamar a isto. Talvez eu não seja criadora, mas quando canto estou a inventar". Amália inventou-se. Inventou o tom perfeito para o fado menor, mais "à sua maneira". "Tem aquela força, aquela tristeza que eu exijo. O 'menor' é o pai e a mãe do fado. É destino mau".

“Vamos às óperas!”

Mas o destino decide ser bom com Amália, na aurora dos anos 60, ao facultar-lhe o encontro com Alain Oulman, o homem que lhe oferece os sons e as palavras exatas para a sua dimensão. O francês, nascido no Dafundo, escrevera "Vagamundo" a pensar nela. Ela descobre na sua música uma riqueza harmónica que o fado não abarca na sua simplicidade trágica. "Dá-me a possibilidade de voar". O primeiro disco com músicas de Alain Oulman surge em 1962. Graças a ele, Amália conquista um público novo, enquanto outra parte franze o nariz a estas ousadias. Os próprios músicos confessam a sua estranheza. José Nunes, guitarrista, sempre que lhe davam músicas de Oulman não conseguia conter-se: "Vamos às óperas!".
            Amália descobre-se em "Povo que lavas no rio", revendo-se emocionalmente nos versos de Pedro Homem de Mello. Entende com o coração o que ao cérebro por natureza não compete. "Abandono", de David Mourão-Ferreira, vale-lhe o voo picado da censura. Fala de prisões e de pessoas encarceradas em prisões. Amália vê apenas um poema de amor. Estava certa. Amor e revolução andaram sempre de mãos dadas. Oulman é preso pela PIDE e deportado para França. A separação torna a comunicação entre ambos mais difícil.
            Chegam outros poetas, Luís de Macedo, autor de "Cansaço", Sidónio Muralha, e Ary dos Santos, que o 25 de Abril atiraria violentamente para um dos lados da barricada. Alexandre O' Neill e a "Gaivota". Manuel Alegre. E Camões. "Camões é um grande fadista. Há lá mais português e mais fado do que o Camões: 'Com que voz cantarei meu triste fado?'".
            Os outros, infelizmente, não são da mesma opinião e estendem-lhe o dedo, acusador: Heresia! Amália acha uma burrice. "Por pior artista que se seja, ninguém consegue destruir um grande poeta, se o cantar". Um verso de Mário de Sá-Carneiro, dá-lhe "cabo da cabeça", aquele onde o poeta do "Orfeu" suspira "se ao menos permanecesse aquém...". Chega a pensar cantar o "Quase", mas falta-lhe quem possa compor música à altura. Já Fernando Pessoa, reconhece, "não é para cantar".

Mariquinhas não deixa voar

Novas participações em filmes, "Fado Corrido", 1964, de Brum do Canto e "As Ilhas Encantadas", de Carlos Vilardebó. Durante as filmagens deste último, conhece Augusto Cabrita, autor das mais belas fotos da fadista alguma vez tiradas. Amália, ainda e sempre, segue a voar pela vida e por uma carreira subordinada aos caprichos do destino. É então que deixa passar o convite de Anthony Quinn para filmar a seu lado. "Dear Amália I would love to hear your reaction to the script after you have read it", escreve-lhe o ator, de Itália, em 1967, ano de mais uma consagração. Em Cannes, no MIDEM, recebe um prémio das mãos do próprio Quinn, que faz questão em ser ele a entregar-lho. Fica assente que "Bodas de Sangue", de García Lorca, e "Os Velhos Marinheiros", de Jorge Amado, seriam as obras sobre as quais os dois trabalhariam juntos. Os herdeiros de Lorca não autorizam, porém, a adaptação americana do texto original. Quinn propõe a escolha de um novo argumento. O destino intervém de novo. "Como sou muito desleixada e não sabia procurar um argumento, não tinha confiança em mim, tinha vergonha de pedir às pessoas, não fiz nada. nem sequer lhe respondi. Foi pena!".
            Foi pena. Foi Deus. Fosse quem fosse, volta a ser o autor de "Foi Deus", Alberto Janes, quem, em 1968, lhe entrega de bandeja, no Café Luso, um novo êxito, "Vou dar de beber à dor", o tal da tasca da "Mariquinhas". Num instante torna-se o maior sucesso de vendas em toda a carreira de Amália. Cem mil discos vendidos, na altura uma raridade. É a fase "engraçada", para muitos ligeira em demasia, da fadista - continuada com "É ou não é", "Vá de roda" e "Oiça lá ó senhor vinho".
            No estrangeiro também acham graça. A "Mariquinhas" é cantada em francês, italiano e espanhol. Milva apropria-se de "É ou não é". No meio de tanta brincadeira, Amália não perde a lucidez. "A música de 'Mariquinhas' é tipo gaiola, não me deixa voar. Gostei muito na altura mas agora aborrece-me. Aquele ritmo amarra-me. É das poucas cantigas que canto sempre igual e eu sou contra a rotina. Não me diverte". No meio de tantas voltas e contravoltas, o folclore não podia escapar. Amália, gorado o projeto de uma gravação, com a mãe, de tradicionais da Beira Baixa, não desiste de experimentar este estilo musical, mandando às urtigas a afetação. São editados três discos de folclore, o primeiro - "onde estão as melhores coisas", segundo dizia Amália –, em 1965, o segundo – "estragado pela orquestração, sobretudo as canções da Beira Baixa" -, em 1971. O terceiro, com arranjos da própria Amália, só com guitarra e viola –  "ficou melhor" – em 1972. Os americanos deliram com esta faceta da fadista. Amália tem toda a legitimidade para o fazer. "A maneira como eu canto não é uma estilização. Eu sou natural do campo. Canto como uma pessoa que anda a cantar no campo, ou na rua".
            Os "United States of Entertainment" abrem-lhe as portas do Lincoln Center e do Hollywood Bowl, onde em 1966 atua para vinte mil pessoas, ávidas de a ouvir cantar folclore. "O folclore modificou o meu espetáculo e modificou o dos outros, que passaram também a cantar folclore". Chega a cantar temas de folclore italiano, "sem saber músicas nem letras", em dialeto siciliano, napolitano, romano, veneto, no álbum "A Una Terra che Amo", de 1973. Uma vez mais, porém, Amália sai por cima, consciente do valor relativo de cada nota e da hierarquia dos sentimentos. "Sou como uma espécie de mineiro, que vem explorando até que se acaba o ouro. E acaba-se o ouro porque eu não faço o que os artistas têm de fazer, que é ficar, cantar o que eles gostam, apanhar os sucessos do momento e cantá-los". Amália profetiza. É toda uma indústria que faz de alvo, neste seu tom desprendido.
            O mundo continua a girar e Amália conquista-o sem se dar conta. O Japão deslumbra-a. Em 1970, viaja pela primeira vez até ao país do sol nascente, alcançando um sucesso estrondoso em Tóquio. Regressa em 1976 e 1986, fascinada pela recetividade à sua música. É no Japão que os seus discos vendem em maior quantidade. "Lágrima" alcança maior sucesso no Japão do que em Portugal. O vídeo de "Os Amantes do Tejo" não lhe fica atrás. Hoje, graças às sementes lançadas por Amália no Japão, assiste-se neste país ao aparecimento de cantores de fado, em português e japonês.

Toalha do regime

Para Amália, chega entretanto a data fatídica: 25 de Abril de 1974. Com o golpe dos capitães, sente pela primeira vez na pele o ódio e a intriga. Antes da revolução, "era um país cheio de gente que gostava de mim. De um momento para o outro salta-me um boato em cima e toda a gente o aceitou". Acusam-na de ter pertencido à PIDE. "Tiraram-me uma ingenuidade que era toda minha. Hoje, para mim, a palavra 'justiça' não tem o mesmo sentido. (...) Foi uma estupidez e uma maldade que nunca percebi. Diziam que eram os comunistas que me acusavam. E porquê? Que mal fiz eu? O único comunista que conheço, e que eles desde sempre souberam que era comunista, é o Brito, o meu cabeleireiro e esse não mudou nada, tenho a certeza que não ia dizer nem pensar nada contra mim (...) Diziam que eu tinha fugido pelo telhado, em camisa de noite, que tinha a casa toda partida, que estava lá a camioneta da polícia (...) A mentira é que me chocava (...) Se diziam, porque é que não provavam?".
            Amália, num olhar retrospetivo sobre essa época, vai mais longe na desmontagem do mito que em sua volta se criou e que fez dela o terceiro vértice do triângulo Fátima, Fado e Futebol: "Salazar nunca deu nada nem ao fado nem ao futebol e Fátima não precisava dele. Se você dá um jantar em sua casa a convidados de cerimónia, põe a melhor toalha. Eles pensavam que eu era a melhor toalha do regime".
            Altura de separação das águas, da revelação apocalíptica dos rostos autênticos de cada um. São poucos os que nesta situação têm a coragem de se colocar a seu lado. "Pessoas que eu tinha aqui em casa muitíssimas vezes, todos esses intelectuais, os poetas que faziam versos para mim, pessoas que me conheciam bem e alguns até vieram a fazer parte dos novos governos, todos se calaram, todos consentiram. Foi a agressão de uns e a cobardia de outros". O francês Alain Oulman faz parte da minoria que a defende, escrevendo cartas para o "República" e para "O Século".
            Chamam-lhe comunista e fascista. O boato atinge as raias do absurdo. "Amália Rodrigues está com uma depressão nervosa e vai entrar para um convento". Por fim o país acalma e cai em si. Amália, passada a tempestade, enfrenta-o com a simplicidade, embora ferida, de uma criança: "Nunca fui de Governo nenhum, nem antes nem depois. Agora também me convidam e eu não quero ser de partido nenhum, nem de clube nenhum. E continuo a cantar!". E continuou a cantar.

Amália veste Portugal

Nas duas últimas duas décadas, porém, Amália afastou-se progressivamente dos palcos, cantando cada vez com menos assiduidade, a partir de meados dos anos 80, quase sempre, em espetáculos de homenagem. Portugal, entretanto, aprendera a fazer dela uma moda. Foi preciso esperar até 1985 para Amália Rodrigues se apresentar pela primeira vez em Portugal num concerto totalmente preenchido por si, no dia 19 de Abril, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa e, uma semana mais tarde, no Coliseu do Porto. O mito criou raízes.
            António Variações, o cantor-cabeleireiro, também já desaparecido, reproduziu em moldes kitsch e em formato de pop eletrónica o imaginário e alguns dos tiques de expressão da fadista. Hoje, cabe a Paulo Bragança fazer reviver - acentuando-lhes os traços - a tragicomédia do fado, nas suas cores e dores mais espampanantes. Dulce Pontes e Mísia aprenderam a cantar e a sentir o fado com Amália. A nova geração, sempre sob a égide da diva, garante a continuidade do fado tradicional: Mafalda Arnauth, Sofia Varela, Maria Ana Bobone.
            Tornada ícone, imagem de um Portugal diferente do que é hoje, faltava a Amália Rodrigues vestir os portugueses, já não a alma, mas o corpo. O estilista Nuno Gama inspira-se nela para a primeira das suas coleções de alta-costura. Amália que anos antes afirmara: "Em cena sempre me vesti bem, mas não me importo nada de andar mal vestida na rua, não tenho nenhuma vida social. Não ligo nenhuma nem aos bem vestidos nem aos mal vestidos. Antigamente, quando andava toda a gente a fazer-me a corte, arranjava-me mais. Ia ao cabeleireiro três vezes por semana, vestia-me para um almoço, para um jantar. Agora só me visto para ir ao campo apanhar flores. E gosto de me vestir à matroca, de andar à cigana. Sempre tive a mania da ciganada e, de há um tempo para cá, a moda favoreceu-me o gosto. Acho até que invento umas coisas que só anos depois é que se usam. Como aqueles vestidos soltos, tipo balandrau, que usava há mais de 25 anos".

Solidão quase loucura

Volta ao Coliseu dos Recreios, em Lisboa, em 1990, para celebrar o 50º aniversário de carreira. O Presidente da República, Mário Soares, confere-lhe a mais alta condecoração nacional, a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada. Quatro anos mais tarde, de novo o Coliseu dos Recreios, para mais uma homenagem, num espetáculo integrado no Lisboa 94 - Lisboa Capital da Cultura. Regressa também a polémica, neste caso pela hipotética falta de pagamento de direitos de autor. Há quatro anos, o Canal 1 da RTP transmitiu uma série de cinco episódios sobre a vida e a carreira da fadista, de genérico "Uma Estranha Forma de Vida", com realização de Bruno de Almeida.
            A Expo-98 realiza dois espetáculos em sua homenagem, por ocasião da data em que é agraciada com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, mais uma a juntar às dezenas que já recebera. Mais polémica: Mega Ferreira defende a realização dos espetáculos; Torres Campos é contra; Mega vence, mas Amália surge acima do braço de ferro entre os dois administradores. O canal francês Muzzik dedica-lhe mais de quatro horas de emissão. Amália deixara de ser uma voz para passar a ser uma instituição.
            Esteve presente há dois anos no Mosteiro dos Jerónimos, quando do lançamento do seu livro de poemas, "Versos". Versos que, de forma simultaneamente simples e profunda, resumem o modo único como entrelaçou a vida e a arte: "Já fui pr'além da vida / Do que já fui tenho sede / Sou sombra triste / Encostada a uma parede / Adeus / Vida que tanto duras / Vem morte que tanto tardas / Ai como dói / A solidão quase loucura". Vários inéditos são incluídos no álbum "Segredos", o derradeiro com originais seus.
            Mesmo a doença contra a qual lutou nos últimos anos da sua vida é recebida como uma fatia de um bolo que trincou até à última migalha: "Fiz tudo sem aprender e até o tumor que me tiraram era primário." A morte aconteceu como a única coisa da qual se tem a certeza que vai acontecer. "Gostava de morrer de repente. Acho que as pessoas deviam ser como as maçãs, cair da árvore." A maçã caiu. Caiu no céu. E agora, o que é que interessa? Estar atento, como Amália sempre fez, ao mais simples e mais medonho de tudo que é a vida. "O que interessa é sentir o fado. Porque o fado não se canta, acontece. É um acontecimento. E isto é que me faz medo, porque nunca sei o que me vai acontecer. Se tivesse nascido na província contentava-me em fazer parte de um rancho folclórico. Se tivesse estudado gostaria de ter sido bailarina clássica." O destino quis que fosse a voz de Portugal. Foi Deus.

NOTA: citações recolhidas de "Amália – Uma Biografia", de Vítor Pavão dos Santos. (ed. Contexto, 1987)