26/12/2010

David Thomas - Mirror Man

Sons

11 de Junho 1999
DISCOS – POP-ROCK

David Thomas
Mirror Man (7)
Cooking Vinyl, distri. Megamúsica


Composto para uma encomenda do South Bank Center, em Londres, e estreado ao vivo em Abril de 1998 no Queen Elizabeth Hall, no âmbito de um festival de quatro dias organizado pelo vocalista dos Pere Ubu, o David Thomas: Disastrodome!, “Mirror Man” avança um pouco mais na via de estranheza percorrida pelo cantor com corpo de gorila e cara de bebé. Mesmo sem entrar nos meandros filosóficos do conceito a que David Thomas chamou “disastrodome!” (espécie de manual do apocalipse na primeira pessoa do singular), é tarefa difícil decifrar este “Mirror Man”, subintitulado “Jack & the General”. Fala de formas de comunicação. Como metáfora de formas de controlo. Thomas começa por citar o Presidente Eisenhower que, “numa voz paciente e utilizando palavras curtas” terá dito qualquer coisa como isto: “Um sistema de estradas interestadual não tem nada a ver com chegar a algum lado e tudo a ver com o tempo e o espaço e com os hieróglifos da mente.” Logo a seguir, interroga-nos: “Não ouviram, pois não?” Entre declamações e canções estranhas vocalizadas pelo próprio Thomas (apenas creditado em “Nowheresville” embora a sua voz apareça noutros temas), ou por convidados como Linda Thompson, Jackie Leven e Robert Kidney, “Mirror Man” é o equivalente de um “road movie” como “Ao Correr do Tempo” de Wim Wenders, por vezes evocativo da viagem do “homem no elevador” de Heiner Goebbels e Heiner Muller, outras possuído pela estranheza de um David Lynch ou por uma teatralidade brechtiana. Um álbum de palavras, solidão e pesadelos, acompanhado pela Pale Orchestra, de cuja formação fazem parte Peter Hammill, no órgão de pedais, e Chris Cutler, na bateria electrificada.

Peter Hammill - Typical

Sons

11 de Junho 1999
DISCOS – POP-ROCK

Peter Hammill
Typical (7)
2xCD Cooking Vinyl, distri. Megamúsica


É o 1473º álbum a solo do antigo líder dos Van Der Graaf Generator, gravado ao vivo em várias cidades holandesas, alemãs e austríacas no ano de 1992. Em “Typical”, Hammill faz a demonstração prática do que mais se aproxima de uma apresentação padrão, mesmo se, como ele próprio explica, isso não exista de facto. Mas embora as canções mudem de espectáculo para espectáculo, permanece um fio invisível no modo como se vão desenrolando no palco os vários estados anímicos do cantor. Hammill escolheu este material a partir da audição de horas e horas de concertos seus, até chegar a um alinhamento que se poderá considerar arquetípico do seu ritual de catarse, ou seja, a sequência de canções deste duplo álbum, embora tiradas de ocasiões diferentes, obedece a uma lógica emocional que é a dos próprios espectáculos. Ao piano e nas guitarras acústica e eléctrica, Hammill percorre toda a gama de estados emocionais, em canções que os seus admiradores incondicionais já devem conhecer de cor, como “My room”, “Just good friends”, “Ophelia”, “Modern”, “Time for a change”, “Stranger still” ou “The future now”, ou uma curiosidade como “The comet, the course, the tail”, da obra-prima de 1974, “In Camera”. A par da intensidade habitual que Hammill empresta a cada uma das interpretações, “Typical” vale ainda pelo seu livrete, onde o cantor, num trabalho de auto-análise em todo idêntico ao de Fernando Pessoa, descreve detalhadamente as menores inflexões psíquicas e anímicas pelas quais vai passando ao longo de um concerto. Uma espécie de guia da sua alma.

Amélia Muge, Brigada Victor Jara, Gaiteiros de Lisboa, João Afonso e Sérgio Godinho - Novas Vos Trago



Sons

11 de Junho 1999
PORTUGUESES

Romances para o ano 2000

Amélia Muge, Brigada Victor Jara, Gaiteiros de Lisboa, João Afonso e Sérgio Godinho
Novas vos Trago (8)
Ed. e distri. Tradisom

A ideia é excelente e capaz de constituir um estímulo adicional para os neurónios dos músicos envolvidos: criar novos arranjos e interpretações para romances da tradição ibérica medieval. O livrete (igualmente excelente, aliás, como toda a apresentação gráfica do CD) que acompanha a edição de “Novas vos Trago” explica em detalhe a origem deste género musical que cruzou continentes e oceanos ao longo da expansão portuguesa nos séculos posteriores e deixou vestígios em territórios geográficos tão distantes como o Brasil e Goa. Na origem do projecto está um programa designado “Marés do Som”, conjunto de espectáculos e iniciativas musicais enquadrados no ciclo de exposições Memórias do Oriente promovido pela Comissão dos Descobrimentos. Foi neste âmbito que surgiu o convite a Amélia Muge, Brigada Victor Jara, Gaiteiros de Lisboa, João Afonso e Sérgio Godinho, tendo presente que o produto musical daí resultante obedeceria a critérios de contemporaneidade e a uma leitura actualizada e vivificante do romanceiro tradicional. Neste sentido, se “Novas vos Trago” traduz as várias sensibilidades dos artistas participantes, representou de igual modo a possibilidade de estes poderem experimentar novos métodos de criação e de se envolverem em contextos poético-musicais divergentes das facetas mais habituais das respectivas obras. É neste aspecto que “Novas vos Trago” se revela particularmente fascinante, no modo como faz sobressair a diversidade a partir da unidade do conceito.
Dez temas (dois por cada artista) compõem o alinhamento de “Novas vos Trago”. João Afonso abre o disco com “Morte do príncipe D. Afonso de Portugal”. Este e o outro tema com a sua chancela, “S. Simão”, constituem o elo fraco do disco. A voz, demasiado lisa e pouco expressiva do cantor, impede qualquer tipo de profundidade. Parece Fausto com anemia. Os arranjos, simplistas e algo preguiçosos, não ajudam.
Sérgio Godinho aparece a seguir com “O rei e a virgem romeira”. Não é um portento, mas soa interessante a maneira como tira partido do naipe de cordas. Em “As bodas de Paris” está nas suas sete quintas, num tom “andante” sobre a temática do amante e do marido traído que pode voltar a qualquer momento, recorrente em inúmeros romances medievais (pudera, a ida dos fidalgos para a guerra deixava em casa desejos não satisfeitos, não havendo cinto de castidade que lhes valesse…).
Amélia Muge faz questão, como seria de esperar, em correr riscos. O arranjo de José Manuel David (que também toca neste tema trompa, gaita-de-foles, caixa de rufo, tamboril galego, bombo e adufe) e a presença de outros dois Gaiteiros de Lisboa, Pedro Casaes (coros) e Rui Vaz (coros, gaita-de-foles, caixa de rufo e adufe) permitem-lhe fazer dançar a voz, como tanto gosta, em “Donzela guerreira”, um tema feminista “avant la lettre”. A toada épica, envolvida pelo coral dos Gaiteiros, regressa em “Dona Olívia”. Amélia canta como se a D. Olívia fosse ela num tema que vale ainda pela intervenção de José Manuel David na cromorna e pelo lamento final, a perder-se no fundo das eras, da cantora.
Como um pregão, “Floresvento” anuncia a entrada oficial dos Gaiteiros de Lisboa. Soa completamente medieval, com o toque de ousadia que os Gaiteiros imprimem a tudo o que fazem. A parte da polifonia vocal faz lembrar os Gentle Giant mas a gaita-de-foles repões de imediato as coisas no lugar certo. Que no caso dos Gaiteiros nunca é o que se espera. “O falso cego”, faixa que encerra “Novas vos Trago”, inicia-se num tom brechtiano e prossegue com uma espantosa e originalíssima polifonia vocal, aspecto em que os Gaiteiros se revelam, cada vez mais, verdadeiros mestres.
A maior e mais agradável surpresa de “Novas vos Trago” é trazida, porém, pela Brigada Victor Jara, que parece ter agarrado a oportunidade para se lançar em voos mais altos do que os que lhe são habituais. “Parto em terras distantes”, com arranjo de Aurélio Malva, balança com o tom medievo apropriado na voz da convidada Margarida Miranda, apoiada pelo proverbial toque de classe do violino de Manuel Rocha. Mas a surpresa maior e um dos momentos mais tocantes de todo o disco é a vocalização de Lena d’Água, na segunda versão do mesmo tema, desta feita assinada por Ricardo Dias. Diferente de tudo o que fez antes, Lena faz aparecer nos recantos da sua voz uma Idade Média imaginária. O modo como a antiga cantora dos Beatnicks e dos Salada de Frutas coloca aqui a voz e faz uso de ornamentações, permite pensar num novo reposicionamento deu na música popular portuguesa. Lena d’Água, a mesma de “Olha o Robô”, quem diria?...
“Novas vos Trago” aproxima a música portuguesa das suas raízes mais longínquas, empurrando-a simultaneamente para o futuro. Um trabalho com cabeça, tronco e membros. Ou uma questão de amor…

20/12/2010

Eu vou ser como o golfinho [Tó Neto]

Sons

7 de Maio 1999

Tó Neto apresenta “Planetário” no Planetário
Eu vou ser como o golfinho

“Planetário”, o novo álbum do angolano Tó Neto, mistura os astros e os golfinhos com canções new age e rap ecologista. A partir de Maio esta música vai ser apresentada ao vivo no Planetário de Lisboa, em formato multimédia. Durante um mês e meio, todos os dias. Viagens imaginárias até Oceania, o planeta onde as coisas de que não gostamos não existem.

Durante muitos anos foi apelidado de “Jean-Michel Jarre português”. Tó Neto afasta essa imagem e, de facto, a música de “Planetário” tem pouco a ver com a do autor de “Oxygène”. Mas o interesse pela astronomia mantém-se. Um interesse que remonta à gravação do seu álbum de estreia, “Láctea”, já lá vão 13 anos, a que se seguiram “Big Bang”, “Negro” e “Angola”. “Planetário”, quinto álbum de originais deste músico angolano apaixonado pela electrónica e pela new age, acrescenta às antigas viagens pelo cosmos uma mensagem ecológica, expressa, de resto, no single “Salva os Animais”.
Participam neste álbum uma série de músicos e técnicos de som, luz e vídeo aglutinados num projecto que recebeu o nome de Oceania. “Um projecto [concebido] para a próxima passagem de milénio”, explica Tó Neto. Com a estreia inicialmente prevista para a Expo, “Planetário” vai afinal ter a sua apresentação ao vivo no próprio Planetário de Lisboa: “O melhor sítio para um artista, como eu, que acompanhou sempre a astronomia.”
Oceania “é um continente ou um planeta imaginário onde as coisas de que não gostamos não existem”. Curiosamente, Oceania foi também o nome dado à terra virtual que os visitantes da Expo puderam percorrer no Pavilhão da Realidade Virtual. Uma coincidência que Tó Neto até aprecia: “Quer dizer que há muita gente na mesma senda.”
A grande diferença deste álbum em relação aos anteriores “foi a aposta nos vocais”. “Senti necessidade de escrever, de recorrer ao texto, para fazer passar mensagens muito específicas.” Como acontece em “Suku Maehee!”, “Minha Nossa Senhora”, na língua kimbundu, que “fala da corrupção em Angola, da ostentação de riqueza, quando a grande maioria do povo está na miséria, com crianças a viverem nas sarjetas”.
Tó Neto lança um alerta – “Atenção para onde estamos a caminhar!” –, ao mesmo tempo que acusa os cientistas e políticos de “não quererem encarar a realidade”. As suas preocupações ecologistas estão bem visíveis em canções como “Salva os animais”, “Eu sou um golfinho”, “Lua azul” e “Praia do paraíso”, às quais Tó Neto adicionou sonoridades hip hop e ritmos de inspiração africana.
Para os promotores deste novo projecto de Tó Neto, trata-se de “música construída no sentido de induzir no ouvinte um estado de transcendência espiritual”. Um estado que o teclista pretende reforçar, quando “Planetário” for acompanhado da projecção de lasers da última geração, “slides” e outros efeitos visuais projectados sobre a abóbada de estrelas do Planetário de Lisboa. Um “espectáculo hipnótico”, nas palavras do músico, “concebido para criar momentos em que as pessoas se esqueçam de tudo o que existe lá fora, momentos de beleza e de bem-estar, de relax, com um reportório escolhido para as pessoas viajarem, mas sempre com a preocupação de fazer passar uma mensagem ecológica”. Quem assistir [ao espectáculo] vai ficar absorvido em termos visuais e auditivos do princípio até ao fim”, garante Tó Neto.
Para trás fica o rótulo de Jean-Michel Jarre português, apesar de outra curiosa coincidência aproximar o músico angolano do francês: ambos dedicarem alguma da sua música ao comandante Cousteau. O francês dedicou-lhe um álbum inteiro, “Waiting for Cousteau”, o angolano um tema do seu novo disco, “Eu sou um golfinho”. Tó Neto afirma que a única coisa que existe em comum entre ambos é o facto de “usarem os mesmos instrumentos”. Tó Neto prefere, de resto, ouvir Vangelis, Kitaro ou Richard Souther.
“Planetário”, que Tó Neto define, em termos técnicos, como “uma experiência de sincronismo absoluto entre os sintetizadores, os lasers, os diaporamas e o planetário” estreia-se no Planetário de Lisboa (em Belém, nas instalações do Museu da Marinha) a 13 de Maio, com apresentações diárias (excepto às segundas-feiras), a partir das 22h, até 30 de Junho.