29/10/2018

Meredith Monk - Mercy


Y 10|JANEIRO|2003
roteiro|discos

MEREDITH MONK
Mercy
ECM, distri. Dargil
9|10

Escrita para uma “perfomance” criada por Monk de parceria com Ann Hamilton, a música de “Mercy” prossegue uma via de desenvolvimento encetada com “Dolmen Music”, de aliança entre a polifonia antiga, o minimalismo, a eletrónica e a investigação sistemática dos limites musicais da voz humana. Acompanhada pelo seu habitual “ensemble” vocal, Allison Sniffin (piano, sintetizador, viola e violino), John Hollenbeck (percussão, melódica, piano) e Bohdan Hilash (clarinetes), Meredith Monk sobrepõe “layers” vocais/corporais sobre fraseados melódicos repetitivos, ora de estrutura menos linear, como no magnífico “Core chant” final, liturgia imbuída do ascetismo pré-barroco de um Schutz ou de Gabrielli. Outras inflexões aponta para a obra de Daniel Schell (“Braid 1”), o canto gregoriano (“Braid 2”) e curiosas acentuações árabes (“Urban march”), a par de extensões fonéticas patentes em “Masks” (apesar de Irene Papas ter feito, há anos, algo muito semelhante….). Um mundo único e em perpétua expansão que em “Mercy” roça a perfeição.

I'm on fire [Nick Cave]


Y 10|JANEIRO|2003
neon|nick cave

Nick Cave
I’m on fire

Baladas criminosas, ternura e rock'n'roll. A noite e o fogo, no regresso em força do melhor Nick Cave de há muitos anos. Respirem fundo e vistam fatos de amianto antes de ouvirem "Nocturama". Sai no princípio de Fevereiro.

Foi um emocional, um gritador, um sofredor, um mal-encarado e um mal-amado do rock na época dos The Birthday Party. Depois, já com os Bad Seeds, Nick Cave virou-se aos poucos para "o outro lado", descobrindo formas no silêncio onde antes se enredava no torvelinho do ruído. Há quem diga que se voltou (aparentemente) para cima, numa inquietação surda onde alguns descobrem devoção. A verdade é que a partir dos anos 90 e de "The Good Son", gravado em São Paulo, Brasil, o "crooner" maldito estabeleceu um compromisso com uma religiosidade expressa em tipologias como o "gospel", os espirituais, de acordo com uma forma dolorosa de dilaceração interior, queimada como caramelo venenoso nos "blues".
            Cave tornou-se o asceta noturno, o pregador perdido nas caves (nunca um apelido terá soado tão apropriado...) da perdição que interroga a eternidade no fundo de um copo de "whisky" ou no mais profundo gemido de uma prostituta sagrada. Álbuns como "Henry's Dream" (1992), "Let Love in" (1994), "The Boatman's Call" (1997) e "No More Shall we Part" (2001), bem como o livro "And the Ass Saw the Angel" e o exercício sangrento "Murder Ballads" (espécie de "Do Assassínio como uma das Belas-Artes", de Thomas de Quincey, em canções, que inclui "Death is not the end", de Dylan) são interrogações dirigidas a uma força oculta que o músico australiano localiza dentro de si: "Ao escrever tento, de algum modo, compreender-me a mim próprio. É a única maneira que tenho para compreender o que penso e o que sinto sobre as coisas.

            fauna lunar. "Nocturama", o novo álbum, com data de edição em Portugal marcada para 3 de Fevereiro, é mais uma etapa no caminho da crucificação. Que é seguir por dentro em todas as direções, ser-se simultaneamente santo e pecador, misturar a pureza com a escória e saber distingui-los. Ou então descobrir que não existe maior dilaceração que a do amor. "Nocturama" é, segundo o australiano, "um local onde vivem animais noturnos". Precisamente - o amor. O seu lado escuro, selvagem e lunar.
            Formalmente, os Bad Seeds alcançam aqui maior protagonismo do que nos álbuns anteriores. Cave explica as diferenças de um método em relação ao qual foi determinante o trabalho do produtor Nick Launay - com quem já colaborara no single de 1981 dos The Birthday Party, "Release the bats" - ao permitir a gravação de todas as sessões e deste modo criar em estúdio uma atmosfera de empatia e descontração entre os músicos.
            Mas o semeador do mal também mudou: "A ideia foi anular alguns preciosismos e regressar a um tipo de disco mais parecido com os antigos, mais rápido e espontâneo. Neste disco optei por estabelecer uma ideia musical, encontrar uma letra, pô-los de lado para gravar e começar logo outro tema. Não procedi a qualquer tipo de reflexão posterior ou voltei a tocar cada canção. Uma vez escritas, ficaram prontas, ao passo que em 'No More Shall we Part' tinha arranjado tudo antes o que, provavelmente, terá inibido um pouco a banda. Se já está tudo completo e a única coisa que eles têm que fazer é reproduzir o que está feito, isso não lhes deixa muito espaço para respirar. Neste novo disco, pelo contrário, ficaram com bastante mais liberdade." O que faz de "Nocturama" um disco de rock 'n'roll, soprado pelos fantasmas poéticos de W. H. Auden, Thomas Hardy e Dylan, com insuspeitas ligações a rockers como John Cale e David Bowie. Ou tratar-se-á, ainda e sempre, de ilusões?

            santos e pecadores. "Nocturama" abre com "Wonderful life", "pastiche" em tons de sarcasmo, do verso da canção com o mesmo título, para amansar os corações, de Black. "Sometimes our secrets are all we've got". O resto do álbum vai-os desvelando, um a um.
            "He wants you" é hino com ecos de John Cale. Sinistro. O papão que se esconde nas profundezas, pronto a atacar. "Under the bridge and into your dreams he soars/While you lie alone in that idea-free sleep of yours/That you've been sleeping now for years.
            "Ainda mais parecida com o registo baladeiro de Cale (basta substituir o "L" por um "V", apetece dizer...) e a doce indolência de quem se abandona, "Right out of your hand" fala dos equívocos do amor. "Please forgive me/If I appear unkind/But any fool can tell you/It's all in your mind." Convém não esquecer.
            Um violino e o andamento inicial de "reggae" introduzem "Bring it on", parceria vocal com Chris Bailey, da pioneira banda punk australiana The Saints, que Cave considera "uns deuses": "uma banda anárquica e violenta mas com um cantor que sabia mesmo cantar!". "Bring it on/Every neglected dream/Bring it on/Every little scheme/Bring it on/Every little fear/And I'll make them disappear". Sonhos traídos. Na rádio poderia resultar bastante bem.
            "It's only rock 'n' roll, but I like it" seria legenda apropriada para "Dead man in my bed", onde a guitarra de Mick Harvey explode em gloriosa e maníaca cavalgada. "He used to be so good to me, now he smells so fucking bad/There is a dead man in my bed." Metáfora ou algo de mais frio, é outra história sem final feliz.
            "The cops are hanging around the house/The cars outside look like they've got the blues [belo verso!]/The moon don't know if it's day or night." Crime! - Disse ela. Numa balada das mais tristes e mais belas de "Nocturama". E um piano - de Cave - a chorar.
            "There is a town" é uma viagem "under a dark sky", através dos sonhos, até aos lugares da infância que não existem senão no que com elas faz a imaginação. "That God lives only in our dreams" já é outra questão, mas impossível deixar de notar que "God" vem escrito com maiúscula. O violino de Warren Ellis parece, de facto, vir do céu.
            Outra declaração de amor, outra travessia da noite, mais uma viagem pelo mar: "Rock of Gibraltar". Épica. "And together we'd be/That great, steady Rock of Gibraltar". Substitua-se a letra por "We'd be heroes", ouça-se o som e as notas - praticamente iguais - da guitarra por detrás do refrão e, não há que enganar, Cave travou-se de razões com os "Heroes" de David Bowie.
            O violino retorna, cheio de ternura, a "She passed by my window", outra das baladas de "Nocturama". Clássica, lenta, invernal. "You gotta sanctify my love." É preciso dizer mais?
            A fúria maior faz-se esperar mas quando chega é para matar. Em "Babe, I'm on fire", também disponível em vídeo, em versão ao vivo. Os Bad Seeds soltam neste tema, absolutamente espantoso, de 15 minutos, todo o rock e energia contidos antes, antes do dilúvio. Tocada apenas uma vez antes de ser gravada é, nas palavras de Cave, "o género de canção que se escreve quando não se está a escrever uma canção".
            Um órgão Hammond em groove contínuo de R&B com as guitarras de Harvey e Blixa Bargeld a dançar em volta como "banshees" alucinadas suportam como possessos um extenso poema (houve, mesmo assim, versos que ficaram de fora...) que finalmente dispara as palavras sem as cobrir de sombras. O pai, a mãe, a irmã, o irmão, o cavalo, o porco, o juiz, a freira, o Papa, o general, o soldado, o toxicodependente, o bêbedo, o budista, o "rastafari", o cristão, o beatnik, o cego, o polícia, o chulo, o estripador, o cantor country, o comentador desportivo, o viking, o cowboy no rodeo, o velho esquimó, o contorcionista chinês, o astronauta perdido, Picasso e o seu "Guernica", Walt Whitman, Bill Gates, o Presidente dos EUA [a lista é interminável], todos, absolutamente todos, gritam: "Babe, I'm on fire!"
            "And the decomposing lover says": "Babe, I'm on fire." A fogueira alastrou num incêndio. "Babe, I'm on fire" espanta todas as criaturas noturnas e evasivas que rondavam pela floresta à espreita de um momento de fraqueza. Não há. E "Nocturama" ilumina-se num clarão.

15/10/2018

Faust - Patchwork


Y 10|JANEIRO|2003
roteiro|discos

FAUST
Patchwork
Staubgold, distri. Matéria Prima
7|10

Os velhos ativistas não desistem. Mas o que era lenda foi trocado pelo esforço em manter viva a subversão que, há mais de 30 anos, fez de “Faust”, “So Far” e “The Faust Tapes” a trindade maldita e, depois de Zappa, a segunda principal revolução do rock moderno. “Patchwork” repete a fórmula que deu origem à obra-prima “The Faust Tapes”. Mas se essa imensa colagem tem a consistência de um gigantesco organismo com vida, o novo álbum limita-se a recolar excertos da discografia prévia dos anos 70, 80 e 90, remisturando-os de maneira diferente. Para os incondicionais pode ser um jogo delicioso redescobrir segundos de ruídos familiares ou pedaços de canções como “It’s a rainy day, sunshine girl”, ocultos sob um denso manto de cacofonia. Trata-se, afinal, de pôr em prática o que o produtor Uwe Nettelbeck já preconizava em 1973: “Sempre gostámos da ideia de editar discos que pareçam inacabados; em que a música soe como um ‘bootleg’, como se tivesse sido gravada por alguém que ao passar por um grupo qualquer a ensaiar gravasse e montasse tudo de forma selvagem.”

Balanço do ano - Jazz


PÚBLICO 4 JANEIRO 2003
JAZZ
2002

>> Balanço do ano

2002 foi ano de grande jazz em português. A nova editora Clean Feed deu o mote, lançando para o caldeirão dois clássicos instantâneos, com as assinaturas de Carlos Barretto e Bernardo Sassetti. Lá fora, o "free", o "pós-free" e o que virá a seguir rivalizaram com manifestos de afirmação por alguns dos clássicos eternos, num ano que foi também de boas reedições. À frente de todos pusemos o disco, dos Spring Heel Jack, que mais tem dividido as opiniões. Prova de que, afinal, o jazz conserva intacto o dom de provocar.

01 |
Spring Heel Jack Amassed (Thirsty Ear, distri. Trem Azul)
Saído das mentes distorcidas, mas livres e visionárias, de dois homens que não faziam parte do jazz – John Coxon e Ashley Wales –, "Amassed", depois do ensaio prévio que é "Masses", revolucionou os parâmetros do jazz eletrónico, samplando o que, no passado, pertencera ao domínio do analógico nas visões orquestrais de George Russell ou nas pulsações barrocas do "Synthesizer Show" montado por Paul Bley e Annette Peacock, numa catedral de alucinações que serve de suporte à "free music" remodelada em espiral de loucura por alguns dos seus expoentes – Evan Parker, Han Bennink, Paul Rutherford, Matthew Shipp e Kenny Wheeler. Se até o "bebop", por altura da sua génese, foi considerado o "fim do jazz", e Coltrane vaiado como uma farsa, como não conceder igualmente aos SHJ essa suprema honra de provocar em doses iguais a paixão e a repulsa?

02 |
Gianluigi Trovesi Dedalo (Enja, distri. Dargil)
Celebração orquestral com a WSR Big Band alemã, Markus Stockausen (trompete), Fulvio Maras (percussão) e Tom Rainey (bateria), "Dedalo" recupera o clássico "From G to G", remontado-o num labirinto onde se cruzam os caminhos do "vaudeville", Zappa, Ellington, Gil Evans, Don Ellis, jazz progressivo e jazzrock, moídos, destilados e incendiados por uma imaginação delirante. O homem é um feiticeiro.

03 |
Dave Holland Big Band What Goes Around (ECM, distri. Dargil)
Alguma da música "antiga" deste notável contrabaixista é aqui tornada matéria de novos "standards" pessoais, em formato de "big band" a dar mais volume e cor ao habitual quarteto que tem acompanhado Holland nas suas últimas realizações para a ECM. Enriquecimento e desafio numa proposta de criação de um território instrumental onde leitura, arranjos e improvisação se confundem.

04 |
Carlos Barretto Trio Radio Song (ed. e distri. CBTM)
Enquanto solista, voz dialogante ou peça de suporte, Barretto confirma a maturidade e a segurança dos seus recursos técnicos, num álbum de múltiplos matizes que conta com a mais-valia do músico francês Louis Sclavis.

05 |
Bernardo Sassetti Nocturno (Clean Feed, distri. Trem Azul)
Gravado em ambiente de "verdadeira magia" na Quinta de Belgais, "Nocturno" é uma incursão impressionista nos meandros mais íntimos do piano. Como Bill Evans, Sassetti cria a partir da célula e a partir dela inventa a noite.

06 |
Wayne Shorter Footprints Live! (Verve, distri. Universal)
Trata-se, por incrível que pareça, do primeiro álbum ao vivo deste notável executante dos saxofones tenor e soprano, antigo "sideman" de Miles e cabeça falante dos Weather Report. Impressiona a energia e o lirismo de uma música que alia a investida inquisitiva a uma delicadeza sem limites. Uma pegada impressa com a força de um "statement".

07 |
Joe Giardulo, Joe McPhee, Mike Bisio, Tani Tabbal Shadows and Light (Drimala, distri. Trem Azul)
Um lento avolumar de tensões e incandescências em que o jazz "apodrece", para das suas cinzas se erguer a fénix renascida. O tenor de McPhee gasta-se, corrói, cria andaimes e poços. Giardulo é o nevrótico de serviço. "Shadows & Light" tenta apanhar o além, o dia seguinte ao da catástrofe. E consegue.

08 |
Roscoe Mitchell & The Note Factory Song for My Sister (Pi, distri. Trem Azul)
Aos 62 anos o multinstrumentista prossegue os estudos fora da selva de mitos dos Art Ensemble of Chicago. Numa conjugação mais formalista do "free" (abrangendo mesmo uma faceta didáctica) com os rituais remanescentes dos AEC, a música ganha alento numa imensa viagem pelos limites do jazz.

09 |
Branford Marsalis Footsteps for our Fathers (Marsalis Music, distri. Trem Azul)
Cruzamento, ou não, como alguém disse, entre "um 'cartoon' de Disney e um pregador evangélico", o sopro de Marsalis aventura-se em refazer a totalidade de "The Freedom Suite", de Sonny Rollins, e "A Love Supreme", de Coltrane. Sobrevive incólume. Mais: acompanha o espírito daqueles dois génios.

10 |
Andrew Hill A Beautiful Day (Palmetto, distri. Trem Azul)
Sessão ao vivo no Birdland na companhia de Marty Ehrlich e uma "big band", "A Beautiful Day" é um dia perfeito na mais recente produção pianística de Hill, um dos eleitos que soube unir o bop à vanguarda.

11 |
Mark Dresser Trio Aquifers (Cryptogramophone, distri. Sabotage)
"Aquifers" faz a transcrição musical dos fluxos de água subterrâneos que fertilizam o planeta. "Acumulação", "trânsito" e "libertação" funcionam como metáforas telúricas da circulação de frequências, modulação de timbres e planificação de texturas assimétricas cuja energia parece provir, de facto, dessa matriz aquática que alimenta a Terra.

12 |
Billy Cobham The Art of Three (In & Out, distri. Dargil)
Surpresa, ou talvez não, esta categórica afirmação da arte do trio piano-baixo-bateria pelo baterista jazzrock que, depois da aprendizagem com Miles, ajudou a criar o mito Mahavishnu Orchestra. Tem a seu lado comparsas de luxo: Ron Carter, no baixo, e Kenny Barron, no piano, este último um prodígio de subtileza e capacidade de voo.

13 |
Mat Maneri Sustain (Thirsty Ear, distri. Trem Azul)
Mais ferrugem da boa. Outro prego cravado no crâneo do "mainstream". Discípulo de Ornette e Stuff Smith, Maneri arranca com o seu violino a carapaça à música improvisada em aliança perigosa entre electrónica, jazz vertigem e uma permanente dialéctica entre o silêncio e o caos.

14 |
Charles Lloyd Lift Every Voice (ECM, distri. Dargil)
Lloyd, o asceta encantado pelo budismo, deixa atrás de si um rasto de paradoxos. Desde sempre arreigado a uma visão mística da música, "Lift Every Voice" perdeu entretanto o grito libertário dos primórdios, para se concentrar em mantras e no Grande Espírito onde ardia John Coltrane.

15 |
Tom Harrel Live at the Village Vanguard (Bluebird, distri. BMG)
Eleito em 2001 pela "Down Beat" "compositor do ano", Harrell distribui vitalidade, clareza e extroversão. A sua trompete, iluminada pela tradição de Blue Mitchell e Clifford Brown, não ilude porém uma tristeza que em "Where the rain begins" lateja como uma ferida mal sarada.

Discos de 2001 ouvidos em 2002 merecedores de figurarem no top:

Dave Douglas Witness (RCA, distri. BMG)
Dave Holland Not for Nothin' (ECM, distri. Dargil)
James Emery, Joe Lovano, Judi Silvano, Drew Gress Fourth World (Between the Lines, distri. Ananana)
Louis Sclavis L'Affrontement des Prétendants (ECM, distri. Dargil)
Myra Melford & Marty Ehrlich Yet Can Spring (Arabesque, distri. trem Azul)
Steuart Liebig Pomegranate (Cryptogramophone, distri. Sabotage)

REEDIÇÕES:

Ella Fitzgerald Whisper Not (Verve, distri. Universal)
Gerry Mulligan Village Vanguard (Verve, distri. Universal)
John Coltrane Legacy (Impulse, distri. Universal)
Nina Simone Nina Simone and Piano! (RCA, distri. BMG)
Paul Bley, Jommy Giuffre, Steve Swallow The Life of a Trio - "Saturday" e "Sunday" (Owl, distri. Universal)
Sam Rivers Crystals (Impulse, distri. Universal)

Concertos em 2013


CULTURA
SEXTA-FEIRA, 3 JANEIRO 2003

Pop e rock para todos os gostos, mas porque não experimentar o jazz?

CONCERTOS EM 2013

Red Hot Chilli Peppers, Sigur Rós e Massive Attack são alguns dos nomes agendados para os cinco primeiros meses deste ano

Na altura de ser feito o anúncio dos concertos em Portugal para os próximos meses, a regra é escrever-se que os haverá para todos os gostos. Pois bem, podemos adiantar que relativamente aos primeiros cinco meses do novo ano haverá em Portugal muitos concertos e para todos os gostos. Senão vejamos.
            Já este mês, a agenda tem apontados nos dias 24 e 25 espetáculos dos The Misfits, respetivamente no Paradise Garage, em Lisboa, e no Hard Club, em Gaia. Os The Misfits são uma banda ao gosto dos apreciadores de rock pesado. Virão com dois convidados vagamente especiais, Marky Ramone, dos Ramones, e Dez Cadena, dos Black Flag.
            Exatamente nos mesmos dias, só para baralhar e tirar público aos Misfits, os Red Hot Chilli Peppers vão fazer-se ouvir alto e bom som no Pavilhão Atlântico, em Lisboa. São uma das bandas do momento e uma das favoritas dos filhos de quase toda a gente que gostaria que os seus filhos gostassem de outro tipo de música. Mas não há nada a fazer: pais, vão começando a pensar em comprar os bilhetes. O álbum mais recente chama-se "By The Way".
            Ainda antes destes dois concertos, terão lugar outros, ostentando o selo de qualidade dos Morphine. Falamos dos Twinemen, ou seja, Morphine menos o malogrado Mark Sandman. Três datas a não perder: dia 16 em Coimbra, no Le Son, Hard Club no dia seguinte, dia 18 no Paradise Garage.
            Ainda a 16, Andrew Weatherhall, produtor do mítico "Screamadelica", dos Primal Scream, e mentor dos Sabres of Paradise e Two Lone Swordsmen, estará no Lux, em Lisboa. Janeiro fecha com os islandeses Gus Gus, naturais de Reykjavik e, como seria de esperar, dada a latitude, praticantes de eletrónica pop a baixas temperaturas. Nota final elevada para o concerto de Janeiro do programa "Jazz ao Centro", iniciativa a realizar em Coimbra ao longo de todo o ano (parte do programa oficial de Coimbra Capital Nacional da Cultura 2003), com o quinteto do contrabaixista William Parker, grupo ao qual se deve "Raining on the Moon", um dos álbuns de jazz mais apelativos de 2002.

Dos Sigur Rós a todo o jazz
Passemos a Fevereiro, com fama de mês de todas as calamidades. Esperemos que não, apesar de ser o escolhido para a visita a Portugal da seita ideológica/religiosa/musical que dá pelo nome de Current 93, filhos de Aleister Crowley, o mago negro, e projeto liderado há cerca de 20 anos por David Tibet. A música dos Current 93 já passou pelo industrial e por uma imitação de folk, consoante as alucinações pessoais do seu líder. Trazem como convidado alguém muito especial, alguém que Laurie Anderson e Diamanda Galas consideram o "crooner" perfeito – o nova-iorquino Antony Johnson. Rituais marcados para 7 e 8 no Teatro Ibérico, em Lisboa.
            Nem de propósito, Fevereiro foi igualmente o mês escolhido por outro grupo islandês, os Sigur Rós, para o seu regresso a Portugal. A Islândia será provavelmente a região do globo com mais bruxas por metro quadrado. Quanto aos Sigur Rós, foi num ápice que passaram do experimentalismo de "Von" para o ambientalismo paisagístico de "Agaetys Byrjun" e deste para o novo "( )", cuja música tenta fazer jus ao título. Datas marcadas: 28 de Fevereiro e 1 de Março, respetivamente nos Coliseus do Porto e Lisboa.
            Menos sinistro (opinião obviamente discutível), o canadiano de 43 anos Bryan Adams, autor de êxitos como "Run to you" e ilustre representante, nos anos 80, do chamado "rock sentimentalão", atua a 24 no Coliseu do Porto e a 25 no Pavilhão Atlântico, em Lisboa. Os Zwan, projeto novo de Billy Corgan, ex-Smashing Pumpkins, tocam no Coliseu de Lisboa, no dia 22. O mês de Fevereiro começará aliás com a figura solar de Ney Matogrosso, que regressará aos Coliseus do Porto (dia 3) e Lisboa (dia 5) para fazer a apresentação do álbum "Ney Matogrosso interpreta Cartola", preenchido com sambas do compositor Cartola.
            Entretanto, o jazz contemporâneo continuará a marcar pontos. Com o "Jazz ao Centro" a trazer o DKV Trio, formado por três notáveis da cena de Chicago: Ken Vandermark (saxofones), Kent Kessler (baixo) e Hamid Drake (bateria).
            Março não tem que saber. Vai ser o mês do "hard rock", "heavy metal" e sonoridades afins. Os Satyricon tocam dia 6 no Hard Club e, no dia seguinte, no Paradise Garage. Os Paradise Lost, mais eletrónicos, trocam a ordem das salas - dia 17 no Paradise, dia 18 no Hard. A 23 chega o "black metal" dos Cradle of Filth, no Paradise.
            Absolutamente imperdível será o concerto do "Jazz ao Centro", protagonizado pelo quarteto do saxofonista David S. Ware, com Matthew Ship (piano), William Parker (contrabaixo) e Guillermo E. Brown (bateria). Ware é um coltraniano no ascetismo e um ayleriano no ardor das labaredas e na intensidade do grito. A sua obra "Godspellized" (1996) é prima. Sangue e luz. Experiência arrasadora. Ao vivo também será assim.
            Em Abril haverá blues. Ligeiramente loucos. Por Bob Log III. Performance marcada para dia 24, no Le Son, em Coimbra. E "Jazz ao Centro", claro, com o quinteto de Jemeel Moondoc, saxofonista alto situado estilisticamente entre Ornette Coleman e Marion Brown. Os alemães Guano Apes farão a apresentação do novo álbum, ainda sem título, nos Coliseus de Lisboa (dia 16) e Porto (dia 17).
            Maio receberá Joe Jackson, o "new waver" que se converteu ao jazz que se converteu à música de câmara (dia 15 no Coliseu do Porto, 16 na Aula Magna, em Lisboa), e os Massive Attack, a 21 e 22 no Coliseu dos Recreios em Lisboa, na apresentação do novo álbum "100th Window".
            Lou Reed também se espera que esteja cá no dia 21. Não se sabe ainda é em que sala. No "Jazz ao Centro", outro concerto de arrancar os cabelos, pelo trio do tenorista e pianista Charles Gayle, um dos proscritos do jazz a quem a história, alguma história, fez por fim justiça. O seu "free" é mais que livre. Com Coltrane, uma vez mais, no horizonte, em "Touchin' on Trane" (1991).
            E pronto, poderá dizer-se que, em matéria de concertos em Portugal para os próximos meses, os haverá para todos os gostos. Com fortes aplausos para o jazz.