23/02/2015

Marianne Faithfull - A Stranger On Earth - An Introduction To Marianne Faithfull



Y 26|OUTUBRO|2001
escolhas|discos

MARIANNE FAITHFULL
A Stranger on Earth – An Introduction to Marianne Faithfull
Decca, distri. Universal
7|10

marianne faithfull
o rouxinol e o abutre

Era um anjo. Transformou-se numa chaga. Marianne Faithfull protagonizou uma das mudanças mais radicais que a pop alguma vez conheceu (excetuando, obviamente, aqueles que mudaram de dimensão, como Janis Joplin, Sandy Denny, Hendrix ou Morrison…).
            De origem aristocrata, Marianne cedo se introduziu nos meandros da música pop. Optou por ser “groupie” do grupo de rock and rol mais maldito do mundo e por se tornar amante de Mick Jagger, o diabo em pessoa. Jagger deu-lhe cabo da vida mas, por outro lado, foi graças a ele que a loura adolescente pôde encetar uma carreira a solo. Em 1965 Marianne já cantava coisas como “I’m a loser”, do álbum “Marianne Faithfull”, incluída na presente coletânea, mas a sua voz cândida prestava-se mais a melodias inofensivas como as de “This little bird” ou do tradicional pindérico “House of the rising sun”. Mesmo “As tears go by”, o seu primeiro single a ser lançado e, reza a história, a primeira canção escrita pela dupla Jagger/Richards, que poderia funcionar como profecia do que estava para vir, soa na sua voz como um madrigal. Talvez por esta razão “A Stranger on earth” abra com a versão de 1987 desta mesma canção, incluída no genial “Strange Weather”, restituindo-lhe a sua carga dramática original.
            Após a tentativa de suicídio que em 1969 a impossibilitou de concretizar a sua ascensão como atriz, impedindo-a de contracenar com Jagger no filme “Ned Kelly”, e de um consumo prolongado de heroína, tudo parecia apontar para a palavra “fim” na sua carreira. Não foi porém o que aconteceu. Influenciada por “Berlin”, de Lou Reed, James Brown e Hank Williams, Marianne reapareceu uma década mais tarde, em 1989, a voz já escurecida e marcada pelas cicatrizes, com o aclamado “Broken English”, protótipo, quanto a nós sobrevalorizado, da eletrónica de tendência “disco” que alegadamente caracterizou alguma da vanguarda pop dos anos 80. “Guilt” e “The ballad of Lucy Jordan” foram duas escolhas óbvias e acertadas, deslocadas para esta “introdução” a Marianne Faithfull que peca por demasiado difusa. “Dangerous Acquaintances” (1981), “A Secret Life” (1995) e “A Perfect Stranger” (1988) contribuíram aqui igualmente para ilustrarem a mutação do rouxinol em abutre, da donzela em cantora de cabaré, da adoração pelos Stones à apropriação de Brecht e Weill.
            Socorrendo-se ainda, da fase mais antiga, de faixas da compilação “The Very Best of Marianne Faithfull”, “A Stranger on Earth” tira um dos retratos possíveis a esta mulher que a vida e a música transformaram em resistente. Diga-se em abono da verdade que a cinquentona enrugada de hoje é bem melhor que a “the baroness’s daughter, pop star angel, rock star’s girlfriend” (como a si própria se intitula na sua autobiografia) que nos anos 60 esvoaçava em volta das pedras do mal.



Tarwater - Not The Wheel



Y 26|OUTUBRO|2001
discos|escolhas

TARWATER
Not the Wheel
Gusstaff, distri. Symbiose
7|10

Os Tarwater são alemães, mas não são alemães como os outros. Começaram por ser conotados com o pós-rock mas o pós-rock nunca alinhou por eles. O que quer dizer que fintaram sempre as expetativas e as catalogações. São diferentes, a sua eletrónica soa por vezes “fora do lugar” ainda que não se saiba bem qual é o lugar certo. No novo “Not the Wheel” tentam provar que o homem descende da rã e escrevem as notas de capa em polaco (o disco foi gravado na Polónia). Ainda que mais ordeiros do que no mapa sem rosa-dos-ventos de “Silur”, onde o tema da evolução já estava, aliás, presente, os sons de “Not the Wheel” espraiam-se pelo groove, fragmentário ou de anatomia sensual, e a computorização minimalista, experimentando pela primeira vez o classicismo de câmara e os arranjos para cordas no título-tema e em “Warszawa on the roof”, neste caso com o mesmo “The Beating of Wings” dos anjos de Andrew Poppy. Só é pena os Tarwater se tornarem uma banda vulgar nos temas vocalizados, onde soam a uma cópia descarada dos Wire.