30/11/2010

Jim O'Rourke - Eureka

Sons

26 de Março 1999
DISCOS – POP ROCK

Ideia luminosa
Jim O’Rourke
Eureka (8)
Domino, distri. Música Alternativa


Em Chicago recicla-se até ao infinito a espiral das últimas quatro décadas de música pop. Nos comandos desta linha de montagem encontra-se Jim O’Rourke, patriarca do pós-rock, erudito de reconhecidos méritos (acertou em todos os nomes com que a revista “The Wire” o desafiou numa das suas últimas Invisible Jukebox), divulgador de novos talentos (entre os quais Nuno Canavarro, que Jim descobriu através de “Plux Quba”, gravada pelo músico português em 1988, editando o disco na sua própria editora Moikai) e amigo (por vezes até demais) dos seus amigos.
Depois da reconversão dos Gastr del Sol de discípulos heterodoxos dos Faust (com um álbum novo disponível em Portugal em finais do próximo mês) em neuróticos da pop, no álbum do ano passado, “Camoufleur”, também na sua obra a solo o conceptualista de Chicago se vem emaranhando cada vez mais nas malhas de um passado tão diversificado quanto sedutor nas margens do mainstream. E se, neste particular, o seu anterior trabalho, “Bad Timing”, cultivava ainda o gosto por um certo desequilíbrio estrutural e por heranças estéticas politicamente incorrectas – como as dos Faust ou de um dos seus heróis, John Fahey –, neste novo “Eureka” a ideia luminosa passa pela rendição à luxúria dos meios técnicos facultados pelo estúdio e às doçuras da pop encarada como arquitectura orquestral, numa profusão de sopros, cordas, piano classicizante, subtilezas pontilhísticas e toda a espécie de ornamentações electrónicas que não deixam de evocar a obra de Van Dyke Parks.
“Eureka” flutua num limbo de lembranças e sonoridades embelezadas pela “patine” do anacronismo, remetendo canções como “Prelude to 110 ou 120/Women of the world” e “Movie on the way down” para o trabalho de trovadores dos anos 70 como Roy Harper e Neil Young (o mais doce, de “After the Gold Rush”, “Harvest” ou da recente revisitação a este último disco, “Harvest Moon”), respectivamente, enquanto “Through the night slowly” transporta reminiscências de Robert Wyatt em “Ruth is Stranger than Richard” somadas ao easy listening de luxo dos High Llamas e Stereolab. “Eureka”, o título-tema, desliza, por sua vez, pelas alamedas povoadas de répteis sombrios que Brian Eno destapou em “Another Green World” (aparentemente uma das redescobertas mais recentes dos pós-rockers). O easy listening (e as referências, tornadas já um pouco fastidiosas à bossa-nova) instala-se, de resto, na versão de um tema de Burt Bacharach, “Something big”, ao mesmo tempo uma demonstração da fixação do músico de Chicago no legado deixado pelos grupos ingleses de Canterbury, também eles fascinados pelas melodias e nostalgia da bossa-nova.
“Eureka”, pese embora a diversidade de influências em jogo, inevitáveis em alguém com a cultura musical de Jim O’Rourke, consegue, todavia, provocar o efeito de verosimilhança, indispensável em qualquer boa obra de ficção. Porque, se, para o compositor, a causa se encontra nos livros de História, o objectivo, esse aponta para o futuro. Mesmo quando o futuro passa por adquirir a forma, ou a quintessência, de uma visão perdida algures nas catacumbas da alma, como um anjo decaído que procurasse acima das nuvens o elo perdido da sua identidade celeste.

Isan - Beautronics

Sons

26 de Março 1999
DISCOS – POP ROCK

Isan
Beautronics (8)
Tugboat, distri. MVM


Robin Saville e Anthony Ryan formam a dupla Isan, um novo projecto de música electrónica cujo álbum de estreia é, a vários títulos, notável e de audição obrigatória para os amantes do género. John Peel, o eterno radialista divulgador das novas sonoridades, referiu-se à música do grupo como evocativa dos “obscuros programas de televisão educativos que as crianças eram obrigadas a ver nos dias doentios de escola”. Há, de facto, algo de infantil, simultaneamente colorido, sombrio e hipnótico, em “Beautronics”. As influências são óbvias: ainda e sempre os Cluster (menos de “Zuckerzeit” e mais da fase atmosférica encetada com “Sowiesoso”), os Pyrolator, Brian Eno (de “Another Green World”) e, ocasionalmente, a “cold wave” dos Human League, de “Dignity of labour”. Minimalista, ambiental, incisiva e sempre imaginativa no modo como interliga os sintetizadores analógicos, a música dos Isan chega a tomar a forma de uma “Kosmischemusik” em miniatura, como se o grupo transportasse o seu arsenal de brinquedos para o interior da nave que os Tangerine Dream construíram em “Phaedra” e “Rubycon”. Cada um dos 16 temas de “Beautronics” é uma pequena surpresa. Por vezes uma voz filtrada por um “vocoder” faz surgir um rosto humanóide que, de imediato, desaparece por entre uma série de curtos apontamentos designados por “Tint”, com subtítulos que, uma vez mais, não fogem à sombra dos Cluster: “Rosy apples”, “Clearly caramel”, “C’est le tempo”, “Cheeky cherry” ou “Skeek”, que inclui o “recital de uma orgia de robôs”. Um jogo de lego para montar.

Solas - The Words That Remain

Sons

26 de Março 1999
WORLD

Palavras para quê?

Solas
The Words that Remain (9)
Shanachie, distri. MC – Mundo da Canção

As palavras que permanecem são como as árvores. Criam raízes na alma, florescem e frutificam. Da mesma forma, os Solas cresceram de tal forma desde o seu álbum de estreia, “Solas”, gravado em 1996, passando por “Sunny Spells and Scattered Showers”, do ano seguinte, que, também eles, dão a provar o sabor da eternidade. “The Words that Remain” é, seja qual for a perspectiva com que o encaremos, um clássico.
Em primeiro lugar, no que julgamos ser a característica mais importante da música de raiz céltica, é a maneira como nos faz mover por dentro, como nos transporta para territórios anímicos que só a melhor música tradicional da Irlanda é capaz de revelar. Há aqui um segredo, um sortilégio qualquer que os Solas descobriram. O mesmo segredo de que, no passado, apenas os The Bothy Band e os Planxty foram detentores. Karan Casey, a cantora do grupo, é absolutamente espantosa em todas as suas intervenções, a começar pelo tema de abertura, uma versão e interpretação vocal de antologia de um original de Woodie Guthrie, “Pastures of plenty”, pondo a vibrar a mais ínfima célula do corpo. O mesmo acontece em “The grey selchie”, “Song of choice” (em dueto com a cantora country Iris de Ment, duas vozes em estado de graça, numa comunhão perfeita de intenções e de timbres), “I am a maid that sleeps in love”, “A chomaraigh aoibhinn ó” (tem que se ouvir para se acreditar, a grande arte não se explica, vive-se) e “Sráid an chioig” (Enyas e Loreenas deste mundo aprendam como se toca no paraíso sem ser preciso ir ao supermercado...) constituem outros tantos momentos de excepção. Ainda da voz de Karan diga-se que possui a mesma dimensão épica – ao mesmo tempo parecendo pertencer a uma criança e carregada de experiência – de Dolores Keane (enquanto jovem e não maculada pelo álcool...), Triona Ní Dhomnaill e Cathy Jordan. Depois, em termos instrumentais, os Solas, liderados por esse prodigioso multinstrumentista que é Seamus Egan, positivamente explodem de talento, bom-gosto e técnica de execução. “The stride set” (reels, com a presença do banjo de Bela Fleck), com passagem pela Galiza, com seguimento para “The waking up set” (jigs), trazem-nos à memória algumas das páginas douradas do “Irish folk revival” dos anos 70. Também para inscrever nos compêndios fica a conversa a três entre a flauta de Seamus Egan, o violino de Horan e a concertina de Mick McAuley em “The vega set”. Num registo de doçura, o violino de Winifred Horan afaga e afasta os medos nocturnos, em “La bruxa”, enquanto a descontracção evidenciada em “Sproggies set” é de fazer morrer de inveja a concorrência. Ouçam, com máxima urgência, “The Words that Remain”. Mais palavras para quê?

26/11/2010

Droga, loucura, morte

Sons

19 de Março 1999

Droga, loucura, morte

Toda a gente sabe que a principal causa de mortalidade entre a população rock é a droga. Janis Joplin, Jim Morrison, Jimi Hendrix, Sid Vicious e uma quantidade de outras estrelas rock (Tim Buckley, Gram Parsons, Tommy Bolin, Andy Gibb, Billy Mercia, dos New York Dolls, Paul Gardiner, dos Tubeway Army...) morreram devido à mesma praga, a droga. Bastaria esta realidade para desencorajar os mais novos de alguma vez pegarem numa guitarra eléctrica ou numa bateria. Porque o rock é o caminho mais curto para a droga e, de onde se depreende, para a morte. O rock, como a droga, mata. Mentes mesquinhas garantem que, sem a droga, músicos como os acima citados jamais teriam feito a música (quiçá, perniciosa) que fizeram. Não fora assim e sabe-se lá se não teríamos hoje elementos produtivos, úteis à sociedade, excelentes empregados de escritório ou agentes de seguros, talvez mesmo advogados de sucesso.
Mas não é só a droga a mãe de todos os males. Outras causas existiram que levaram desta para melhor nomes mais ou menos gloriosos da história do rock. Desastres de viação (Alan Barton, dos Smokie, Marc Bolan e Steve Curry, ambos dos T. Rex, Clarence White, dos Byrds, Harry Chapin, Eddie Cochran, Jerry Edmonton e Rushton Morebe, dos Steppenwolf, os rockers Johnny Kidd e Dickie Valentine; inclusive de bicicleta, como no caso de Nico) e de avião (Buddy Holly e Ritchie Valens, ambos no mesmo voo, Patsy Cline, Jim Reeves, Otis Redding, Jim Croce, Ronnie van Zant e Steve Gaines, dos Lynyrd Skynyrd, Paul Jeffreys, dos Cockney Rebel, Rick Nelson, John Denver...), overdose, queda de escadas (Sandy Denny), consumo desenfreado de substâncias ilícitas, enforcamento (nada mais nada menos do que cinco – Ian Curtis, Peter Ham, dos Badfinger, Phil Ochs, Michael Hutchence, dos INXS e Richard Manuel, dos The Band), ingestão desmesurada de psicotrópicos, hipnóticos, ácidos, antipiréticos e afins, enfim toda uma série de acidentes trágicos que puseram fim a tantas e tão promissoras carreiras.
Quanto ao álcool, pode gabar-se de ter acabado com as vidas de Bon Scott (dos AC/DC), John Bonham (Led Zeppelin), Brian Jones (Rolling Stones), Clyde McPhatter (Drifters), David Byron (Uriah Heep), Gene Vincent e Keith Moon (The Who). Uma anorexia nervosa levou Karen Carpenter, dos Carpenters. A sida fez o mesmo a Freddie Mercury, dos Queen. Frank Zappa e Bob Marley não resistiram ao cancro. De Divine pode afirmar-se que comeu demais.
Há mortes mais estúpidas do que outras. John Lennon, baleado à porta do seu apartamento em Nova Iorque, é um exemplo deste tipo de estupidez letal. Al Jackson (dos Booker T and the MGs), Peter Tosh, um dos heróis da soul music, Sam Cooke e Marvin Gaye foram igualmente atingidos por tiros. Os dois primeiros, por gatunos. Cooke, por uma mulher que perseguia um pretenso violador. Gaye sucumbiu a um tiro disparado pelo seu próprio pai. Michael Mensom, dos Double Trouble, foi atacado por um “gang” de adolescentes que o regaram com gasolina e lhe pegaram fogo. Vivian Stanshall, do grupo cómico Bonzo Dog Doo Dah Band, e Steve Marriott, dos Small Faces, morreram em incêndios nas respectivas casas. Keith Relf, guitarrista dos Yardbirds, caiu electrocutado. Johnny Ace, um obscuro baladeiro norte-americano dos anos 50, perdeu a vida numa jogada infeliz de roleta russa. Graham Bond, músico inglês de jazz e blues dos anos 70, foi atropelado pelo metropolitano. O rocker Johnny Burnette morreu num acidente de pesca.
Mas há o reverso da medalha. Morrer cedo, para um músico, significa a sua mitificação, nalguns casos a santidade. Na condição, bem entendido, de a circunstância ser devidamente acompanhada por uma apropriada campanha promocional e pelo apoio dos “media”. Morrer é, nesta profissão, o caminho mais curto para o sucesso. Para a indústria a morte possui ainda o atractivo adicional de diminuir vitaliciamente as despesas com o artista e de garantir muitos e bons ganhos a longo prazo, graças à sábia administração de todo o material gravado que se conseguir sacar do caixote do lixo e guardar em arquivo para poder dedicar-se ao lançamento de futuras reedições com “material inédito” do falecido, constituído por demos, versões alternativas, ensaios, conversas de cama e outros rasgos de génio antes incompreensivelmente escondidos do público.
Claro que as vítimas sabem o que fazem e no que se metem. Acontece que muitas não aguentam. Ian Curtis, por exemplo, ou Kurt Cobain (cujo quinto aniversário da morte, em Abril próximo, está já a ser devidamente preparado) não aguentaram a suprema dor de estar vivo, as pressões do “show business” e os fracassos pessoais. No seu caso a aura de “românticos” assenta-lhes bem. Como, de resto, a todos os suicidas: Nick Drake, Peter Ham e Tom Evans, dos Badfinger, Terry Kath, dos Chicago, Marge Ganser, das Shangri-Las, Del Shannon, Paul Williams, dos Temptations, Richard Manuel, dos The Band e Phil Ochs.
A outros, porém, a morte apanhou-os de surpresa, sem aviso prévio. Esses não tiveram tempo de preparar o testamento, vítimas que foram da estupidez do destino. Talvez por isso, como no caso de Sandy Denny, que morreu ao cair de uma escada, a entrada na galeria dos mitos demorasse mais e necessitasse de requerimento, ficando em primeiro lugar para a eternidade a música, no lugar dos episódios, mais ou menos agitados e escandalosos, da vida de “star”.
Seja qual for, porém, a circunstância da morte, ficará para sempre a dúvida do que poderia ter sido a vida e obra dos que se foram antes de tempo. O que seriam hoje, se fossem vivos, Brian Jones, Jimi Hendrix, Jim Morrison? Conseguiriam eles sobreviver ao seu próprio passado ou, pelo contrário, teriam feito as pazes com a existência, aproveitando as suas benesses? Seriam ainda génios malditos ou estariam a jogar golfe com Alice Cooper e Phil Collins, a fazer duetos com Pavarotti ou a compor bandas sonoras para filmes de Walt Disney? Ninguém sabe. Ficaram a música e as lendas. Sobretudo a música, como única verdade absoluta capaz de sobreviver ao seu criador. E, paradoxalmente, à aura, tantas vezes mistificadora, criada em torno dela pela morte, essa entidade assustadora que chegará inevitavelmente para nos confrontar com o nada. E com o que sobrevive para além dele. Para os registos de necrofilia ficam as fichas de algumas das mortes mais bem documentadas. Fichas secas. Como a morte.


“Too old to rock’n’roll, too young to die”
(título de um álbum dos Jethro Tull)


Hank Williams (1923-1952)

Sofrendo de uma dor crónica nas costas, Hank procura alívio no consumo sistemático de analgésicos, tornando-se rapidamente viciado. Começa a falhar concertos, chegando aos recintos atrasado e bêbedo. No último dia do ano de 1952 a estrela da country sente-se mal durante uma viagem de carro e é transportado para um hotel de Knoxville, no Tennessee, onde chega já inconsciente. É chamado um médico que lhe ministra uma injecção com uma mistura de morfina e vitamina B. No dia seguinte, Williams é transportado, ainda inconsciente, de novo de automóvel, para o Ohio, numa viagem atribulada. Um polícia de trânsito obriga o condutor a parar por excesso de velocidade e pergunta, com ironia, se o músico está ou não vivo. Williams é conduzido finalmente a um hospital, na Virgínia, onde é declarado morto.


Buddy Holly (1936-1959) e
Ritchie Valens (1941-1959)

Dia 3 de Fevereiro de 1959. A meio de uma digressão, a “Winter Dance Party Tour”, Buddy Holly decide animar o estado de espírito da sua banda e recusa viajar num desconfortável autocarro. Aluga um voo “charter” num pequeno aparelho Beechcraft Bonanza que o deveria levar de Clear Lake, Iowa, a Moorhead, no Minnesota. Com ele seguem Richie Havens (que ganhara esse direito no jogo da moeda ao ar com o guitarrista do grupo. Tommy Alsup, e o disc-jockey Big Bopper, autor de “Chantilly lace” (que consegue o lugar por troca com Waylon Jennings). O avião descola às duas da madrugada no meio de uma tempestade de neve e cai pouco tempo depois, embatendo contra um muro e matando todos os que seguiam a bordo. O acidente serviu de inspiração ao “hit” de 1972 de Don McLean, “American pie”.


Jimi Hendrix (1942-1970)

Jimi Hendrix era um génio da guitarra. Com ou sem a ajuda da heroína, a sua Fender Stratocaster falava, gritava, explodia e incendiava-se num dos discursos virtuosísticos mais inovadores de sempre deste instrumento. Uma acumulação de excessos que se estendia à sua vida privada. Passa o dia 17 de Setembro com a sua namorada, Monika Dannemann. No dia seguinte, de manhã, ingere alguns comprimidos para dormir e, algum tempo depois, Monika repara que ele se está a sentir mal. Tenta acordá-lo. Em vão. No hospital diagnosticam uma mistura mortal de álcool e barbitúricos.


Janis Joplin (1943-1970)

Os Kozmic blues da cantora que engolia garrafas inteiras de whisky nos concertos deixam de se ouvir a 4 de Outubro. Janis é encontrada morta num quarto do Landmark Hotel, em Hollywood, com marcas recentes de agulha no braço. “Overdose” de heroína. Tinha agendado a gravação das partes cantadas de “Buried alive in the blues”, “enterrada viva nos blues”. Anos antes proferira a seguinte frase, quando da morte do presidente Eisenhower, impedindo, deste modo, a publicação de uma foto sua na capa da “Newsweek”: “Depois de resistir a 14 ataques de coração, tinha logo de morrer na minha semana. Na MINHA semana!”


Jim Morrison (1943-1971)

Circunstâncias da morte: o mistério e a dúvida ainda hoje permanecem cerrados em torno da morte do carismático cantor dos Doors. Há mesmo quem afirme que ele continua vivo, retirado da vida pública, e que a sua “morte” não passaria de um embuste destinado a camuflar o seu desaparecimento. No dia 5 de Julho o empresário dos Doors, Bill Siddons, chega a casa de Jim, em Paris, onde o músico se tinha exilado, e encontra a Pamela, a sua namorada da altura, já com o caixão selado e uma certidão de óbito assinada por um médico francês. Causa da morte: ataque de coração motivado por “overdose” de heroína. O túmulo no cemitério de Père Lachaise, onde Jim Morrison se encontra enterrado (ou não se encontra, de acordo com a teoria dos que afirmam que ele está vivo...) tornou-se, ao longo dos anos, num lugar de culto.


Marvin Gaye (1939-1974)

Problemas de impostos, conflitos com a editora, a mulher que o engana com Teddy Pendergrass e o consumo desregrado de cocaína provocam em Marvin, autor de “What’s going on” e “Sexual healing”, uma paranóia crescente que o leva a desconfiar de toda a gente e a amontoar armas em casa. Na manhã de 1 de Abril de 1984, o pai, alcoólico, força a entrada em casa do músico, que o considera um intruso. A mãe de Marvin separa os dois mas Marvin Gaye sénior volta à carga e dispara um primeiro tiro de revólver que atinge o filho no peito. Volta a disparar já com ele caído no chão.


Nick Drake (1948-1974)

“Não consigo pensar em quaisquer palavras. Não sinto emoções sobre coisa nenhuma. Não quero rir nem chorar. Sinto-me dormente. Morto por dentro.” São declarações de Nick Drake, confrontado com uma eterna depressão e a dificuldade em arranjar letras para o seu álbum de estreia, “Five Leaves Left”. Na manhã de 25 de Novembro de 1974 o poço engoliu-o de vez. A mãe, Molly Drake, dirige-se ao quarto de Nick para o acordar. Tarde de mais. Nick sucumbira a uma dose exagerada de sedativos. No gira-discos ainda rolava um dos concertos brandeburgueses de Bach. À cabeceira descansavam as páginas de “O Mito de Sísifo”, de Albert Camus.


Tim Buckley (1947-1975)

O autor das fantasmagorias “Happy Sad” e “Starsailor” corria velozmente atrás da noite. Encontra-a na noite de 29 de Junho. Tim dirige-se, meio ébrio, a casa de um “amigo”, Richard Keeling, à procura de heroína. Richard, apanhado prestes a drogar-se, reage com alguma agressividade e prepara-lhe uma dose com uma mistura de heroína e morfina, desafiando-o: “Toma, fica com tudo!” Tim aceita o desafio, convencido de que se trata apenas de cocaína e snifa o pó todo de uma vez. Morre no hospital de Santa Mónica. Longe das estrelas com que costumava sonhar. O seu filho e digno sucessor, Jeff Buckley, morre a 29 de Maio 1997, afogado nas águas do porto de Mud Island, a ouvir “Whole lotta love”, dos Led Zeppelin. Em “You and I”, canção do seu segundo álbum, canta: “Ah, a calma que existe por baixo daquele rio selvagem e envenenado.”


Marc Bolan (1947-1977)

A 16 de Setembro, o ex-hippie e rei do glam rock sai de carro com a sua amiga Gloria Jones e alguns amigos para ouvir música no clube Speakeasy e jantar no restaurante Morton. Ele e Gloria arrancam de regresso às 4 da manhã no Mini 1275 GR roxo de Gloria. Uma hora depois o automóvel esbarra contra uma árvore, numa curva a seguir à ponte de Queen’s Ride, no Sudoeste de Londres. Gloria fica gravemente ferida. O fundador dos Tyrannosaurus Rex morre.


Sandy Denny (1941-1978)

Cair de uma escada abaixo é uma morte pouco gloriosa, mas foi esta a maneira que o destino encontrou para pôr fim à vida da maior voz de sempre da folk inglesa. Sandy sofreu o acidente no dia 21 de Abril, na casa de um amigo. Partiu a cabeça e entrou imediatamente em coma, falecendo pouco tempo depois já no hospital, vítima de uma hemorragia cerebral, sem voltar a recuperar a consciência. O desastre aconteceu quando ela e o marido planeavam mudar-se para os Estados Unidos, para um relançamento da carreira. A morte da cantora dos Fairport Convention e dos Fotheringay aconteceu nove meses depois do nascimento da primeira filha do casal, Georgia.


Sid Vicious (1957-1979)

Sid Vicious, para falar verdade, parece nunca ter estado vivo. Da anarquia punk dos Sex Pistols, lado a lado e aos encontrões, com Johnny Rotten, às convulsões a solo e ao romance infectado com o seu grande amor, Nancy, tudo na existência de Sid apontava para o descalabro e para o niilismo. Nancy é encontrada no dia 12 de Outubro de 1978 na casa de banho de sua casa, encharcada numa poça de sangue com uma faca de mato a seu lado. Sid admite à polícia ter sido ele o assassino. É acusado de assassínio em segundo grau. Desesperado com a morte de Nancy, Sid é preso por causar desacatos num clube nocturno, mas sai em liberdade no dia de audiência. Vai a correr para o apartamento da sua mais recente namorada, Michelle Robinson, injectar-se. Segue-se nova dose, com material mais puro, o que, a seguir a um período (forçado) de abstinência (na prisão), não costuma dar bons resultados. Sid entra em colapso. Mas volta a si e adormece. Acorda a meio da noite para mais um chuto. O último. Alguém disse de Sid Vicious que “cultivava uma imagem de antagonismo”. Ele preferia cantar uma versão de uma canção de Frank Sinatra e dizer: “This is my way.”


John Lennon (1940-1980)

Depois de conseguir, na manhã de Dezembro de 1980, um autógrafo de Lennon, Mark David Chapman, que viajara de Havai para Nova Iorque só para ver o seu ídolo, permanece seis horas em frente ao apartamento do ex-Beatle aguardando a sua chegada. Lê “Uma Agulha no Palheiro”, de J. D. Salinger, enquanto espera. Quando Lennon chega e sai da sua “limousine”, Chapman dispara sobre ele uma sequência de sete tiros. Lennon morre sete minutos depois. Chapman é preso e o seu livro confiscado. Numa das páginas escrevera: “Esta é a minha declaração!”


Ian Curtis (1956-1980),
Phil Ochs (1940-1976),
Peter Ham (1947-1975)


Enforcaram-se os três. Ian Curtis, líder da mais famosa banda do eixo neurodepressivo de Manchester dos anos 80, os Joy Division, enrola a corda ao pescoço imediatamente antes de um concerto. A morbidez das letras que escrevia, juntamente com a epilepsia e a depressão crónica de que padecia contribuíram para o desenlace fatal.
Phil Ochs, cantor de protesto, autor do hino anti-Vietname dos anos 60, “I ain’t marching”, sofre, numa viagem a África, um misterioso ataque de um estrangulador que o leva às portas da morte. Como consequência as suas cordas vocais ficam danificadas para sempre, facto que acentua a depressão de que já sofria. Não resiste, enforcando-se na casa de sua irmã.
No caso de Peter Ham, o insucesso de vendas dos álbuns dos Badfinger, depois de uma fase inicial marcada por canções de êxito, aliado a dissensões no seio do grupo, levam à rescisão de contrato com a editora e ao aparecimento da depressão. Problemas familiares fizeram o resto. Ham põe ponto final na amargura e enforca-se.


Bob Marley (1945-1981) e
Peter Tosh (1944-1987)


Em finais dos anos 80, num dos primeiros concertos de uma digressão pelos Estados Unidos, Bob Marley tem uma síncope em pleno palco. A digressão é cancelada e a Marley é diagnosticado um cancro no cérebro e nos pulmões. Morre sete meses mais tarde vitimado pela doença.
Peter Tosh, outra das lendas do reggae, é atingido a tiro por um gatuno quando este tenta assaltar a sua residência na Jamaica.


Karen Carpenter (1950-1983)

Aos 31 anos a cantora da dupla pop The Carpenters tomava laxantes e remédios para a tiróide, como resultado de tensão em demasia (provocada pela carreira e pela vida familiar), a par da dependência de drogas. Pesa nessa altura 35 quilos. Após algumas tentativas de tratamento e um internamento, parece melhorar e aumenta o seu peso para 41 quilos. No princípio de 1983, a 4 de Fevereiro, Karen faz uma visita à mãe, Agnes. Conversam sobre roupas. No dia seguinte a mãe encontra-a desfalecida no quarto. A autópsia menciona como causa da morte uma paragem cardíaca provocada por anorexia nervosa.


Nico (1940-1988)

Chamavam-lhe a deusa da lua. Nico, modelo, actriz e, acidentalmente, cantora, era um espectro. A sua figura de diva do outro mundo que assombra o álbum da banana dos Velvet Underground esfumou-se como a sua vida, entre drogas, alternando entre excitantes e calmantes, uma insónia permanente e uma carreira que todos manipulavam, sem, todavia, penetrarem na essência do mistério. A 18 de Julho, Nico, na altura a viver com o poeta John Cooper Clarck, embate com a sua bicicleta numa árvore e sofre uma hemorragia cerebral. A deusa da lua encontrou a morte sob o sol de Ibiza, onde estava a passar férias.


Fredy Mercury (1946-1991)

É uma das primeiras vítimas mediáticas da sida, doença que o cantor dos Queen apenas admite ter 24 horas antes do desenlace fatal, através de uma declaração pública: “Desejo confirmar que fui considerado seropositivo e que tenho sida. Achei correcto manter esta informação privada, até agora, para proteger a intimidade dos que me rodeiam. Contudo, chegou a altura de os meus amigos e fãs saberem a verdade. Espero que todos se juntem a mim e aos meus médicos contra esta terrível doença.”


Kurt Cobain (1967-1994)

Uma incompatibilidade crónica com a vida conduz o músico dos Nirvana à heroína, juntamente com a sua mulher, Courtney Love. Uma primeira tentativa de suicídio, por “overdose” voluntária, definida pelo casal como “um acidente”, falha. Os restantes elementos do grupo convencem Kurt a tentar a desintoxicação numa clínica. Kurt acede mas foge de imediato para Seattle deixando um bilhete a Love: “Lembra-te, aconteça o que acontecer, amo-te.” A 5 de Abril de 1994 Kurt barrica-se em casa. Deixa a carteira aberta no chão, com a carta de condução à vista, para facilitar a identificação. Injecta-se com heroína, encosta o cano de uma espingarda à testa e dispara. O corpo é descoberto apenas dois dias e meio mais tarde por um electricista que trabalhava em sua casa.


Jerry Garcia (1942-1995)

Consumidor compulsivo de cocaína, heroína, ácidos (recebera a alcunha de “Capitão Trips”) e tabaco (três maços por dia), Jerry Garcia tinha uma obsessão pela morte, chamando ao seu grupo Grateful Dead e enchendo as capas dos discos com caveiras. Após várias tentativas frustradas de desintoxicação (uma delas deixa-o em coma) faz um derradeiro esforço para se libertar da heroína numa clínica da Califórnia. Durante uma visita de rotina um advogado do centro encontra o músico já sem vida na sua cama, vítima de um ataque de coração.


A reportagem era complementada pelo seguinte texto, assinado por Luís Maio:

Outras Mortes Nada Naturais

Por abuso de drogas e álcool
1968 – Frankie Lymon
1969 – Brian Jones (Rolling Stones)
1973 – Gram Parsons (Byrds e Flying Burrito Brothers)
1974 – Robbie McIntosh (Average White Band)
1976 – Paul Kossoff (Free)
1978 – Keith Moon (The Who)
1979 – Tommy Bolin (Deep Purple)
1980 – Tim Hardin
1980 – John Bonham (Led Zeppelin)
1981 – Mike Bloomfield
1986 – Phil Lynott (Thin Lizzy)
1987 – Paul Butterfield (Butterfield Blues Band)
1988 – Andy Gibb (The Bee Gees)
1995 – Rob Stinson (Replacements)
1998 – Rob Pilatus (Milli Vanilli)

Por acidente
1960 – Eddie Cochran, num desastre de carro
1967 – Otis Redding e cinco membros da banda de suporte Bar-kays, num desastre de avião
1969 – Martin Lamble (Fairport Convention)
1971 – Duane Allman (Allman Brothers), num desastre de moto
1977 – Quatro dos Lynyrd Skynyrd, num desastre de avião
1985 – Rick Nelson, num desastre de avião e D Boon (Minutemen) num desastre de carro
1998 – Sonny Bono (Sony & Cher), num acidente de sky

Por assassínio
1964 – Sam Cooke
1974 – Harry Womack
1987 – Scott La Rock
1995 – Selena
1996 – Tupac Shakur
1997 – Notorious BIG

Por suicídio
1954 – Johnny Ace
1973 – Paul Williams (Temptations)
1976 – Phil Oachs
1979 – Donny Hathaway
1986 – Richard Manuel (The Band)
1997 – Billy McKenzie (Associates)
1997 – Michel Hutchence (INXS)
1998 – Wendy O. Williams (Plasmatics)

Esta lista inclui celebridades tão estimadas quanto as antes referidas, mas também artistas de culto, uns já esquecidos, outros sobretudo lembrados depois da morte. Também não pretende ser exaustiva, mas apenas acrescentar-se à primeira lista. LM

Informações compiladas dos livros “Dead before their time”, de Diana Karanikas Harvey e Jackson Harvey (ed. Metrobooks, 1996) e “Eles morreram cedo demais”, de Tony Hall (ed. Edinter, 1996).

Gong - Family Jewels

Sons

12 de Março 1999
DISCOS – POP ROCK

Gong
Family Jewels (7)
2xCD Gas, import. FNAC

Nada de confusões, “Family Jewels”, apesar do genérico com o seu nome, não é um novo disco dos Gong, nem sequer uma compilação de material antigo do grupo mais excêntrico da cena de Canterbury dos anos 70. Trata-se de uma compilação, sim, mas de temas sortidos gravados por antigos elementos do grupo, organizados como uma sequência de “ofertas”, classificadas em ficheiros com títulos tão estranhos como toda a filosofia da banda emanada dos sonhos de haxe do australiano Daevid Allen: “Doomy progrox”, “Crystalline wind chime”, “Aqua riddims”, “Greenie baby bloomer singles bar jazz”, “Documentary evidence of reality”, etc. Encontra-se de tudo nesta colecção de temas, gravados ao vivo ou em estúdio, desde apanhados da derivação vibrafonística de jazz-rock, Pierre Moerlen’s Gong, aos típicos gemidos da prostituta cósmica Gilli Smyth misturados com cantos de baleia, passando por introduções declamadas, “jam sessions” e solos de guitarra do fundo do bule e excentricidades várias por Daevid Allen, Pip Pyle, Gilli Smyth, Mike Howlett, Didier Malherbe e os próprios Gong em reencarnações recentes nos anos 90. Uma reunião que consegue manter acesa a chama dos “pot head pixies”, hoje um agregado familiar constituído, dizem eles, por uma “vasta tribo de amantes, entes queridos, inimigos e amigos que encoraja a participação e o envolvimento mútuo em múltiplos eventos”. “Family Jewels” é mais uma colherada de tempero no guisado de idiossincrasias que, desde sempre, revolveu as entranhas dos Gong, mais do que uma banda no sentido convencional do termo, uma agremiação telepática de lunáticos. Ou “revolucionários zen”, como eles próprios se intitulam.

The Chieftains - Tears Of Stone

Sons

12 de Março 1999
DISCOS

Lágrimas de crocodilo

The Chieftains
Tears of Stone (6)
RCA, distri. BMG

Está a ser um dos discos mais vendidos de sempre dos Chieftains. Boa sorte a deles. Mas para todos aqueles que se habituaram a ter na lendária banda irlandesa a companhia de longa data de muitos e belos sonhos emanados do espírito da Ilha, as notícias não são animadoras. Ao fim de 35 anos de carreira, a banda de veteranos liderada por Paddy Moloney entornou o caldo, espalhou-se, algo que toda a estratégia recente fazia recear, mas que ainda não se concretizara numa verdadeira desilusão. Expliquemo-nos.
Os Chieftains, de há alguns anos a esta parte, estão cansados. De tocar e retocar música tradicional irlandesa. É natural. E humano. Daí que, a partir de certa altura, tendo ascendido, entretanto, a estrelas da world music, gaveta celta, encetassem uma série de gravações onde a pedra-de-toque era a participação maciça de convidados, muitos deles alheios ao universo folk. Isto, depois de uma fase anterior caracterizada por fusões ou homenagens a universos tradicionais paralelos ao irlandês, como a Bretanha, a Galiza ou a country music, em álbuns como “Celtic Wedding”, “Celebration” e “Another Country”.
Mas era preciso inventar e recriar novos contextos que servissem de estímulo ou, simplesmente, para entreter o tédio. Em “Tears of Stone” arranjou-se o conceito de baladas de amor no feminino. Excelente pretexto para se convidarem, apontem, Bonnie Raitt, Natalie Merchant, Joni Mitchell, The Rankins, The Corrs, Sinéad O’Connor, Mary Chapin Carpenter, Loreena McKennitt, Jean Osborne e até a cantora de jazz Diana Krall, no tema final, “Danny boy”. Mais a cantora japonesa Akiko Yano, os Anúna e um lote de luminárias “folkie” que inclui Eileen Ivers, Arty McGlynn, Mairtin O’Connor, Natalie McMaster e Máire Breatnach. Tudo espremido, obtém-se uma produção com o sabor, já tão conhecido, das Enyas, Oldfields e compilações “celtic blá blá blá” que se apertam nas prateleiras das discotecas.
Com tão pouco espaço de manobra os Chieftains deixaram-se ficar, sorridentes, como meros acompanhantes de tanta beleza e voz bonita. É que, ainda por cima, não são muitas as canções com sangue e tripa, até porque o mercado está mais voltado para os perfumes e limpezas de pele. Salvam-se uma vivaz parceria com as Corrs, em “I know my love”, o “Kerry slide” instrumental que serve de conclusão a “Deserted soldier”, o exotismo da vocalização japonesa em “Sake in the jar”, a fazer recordar a viagem dos Chieftains à China, e, finalmente, o momento mais estimulante do disco, um diálogo violinístico, a três, entre Eileen Ivers, Natalie McMaster e Annbjorg Lien, em “The fiddling ladies”.
“Tears of Stone” é uma ideia gira, as vozes são catitas, há harpas espalhadas por todo o lado, visões de verde, regatos murmurantes e cartas de amor escritas à luz de vela nas orlas do mistério irlandês. Sentimo-nos aconchegados, é um facto. Então por que raio é que sentimos vontade de borrar a pintura?

24/11/2010

Lionell Horrowitz And His Combo - Au Bain Marie

Sons

5 de Março 1999
DISCOS – POP ROCK

Lionell Horrowitz and his Combo
Au Bain Marie (8)
Heavenhotel, distri. Ananana

Depois dos Kiss My Jazz, abrem-se de novo as portas do casino de Rudy Trouvé, dos dEUS, desta feita para dar entrada ao combo de Lionell Horrowitz e seus muchachos. Como os Kiss My Jazz, a banda de Lionell é um aglomerado de estilos e de influências das quais os próprios músicos fazem estendal: Brigitte Fontaine, Sonic Youth, Penguin Cafe Orchestra, Stereolab e Fred Frith. O que significa doses de puro divertimento de pós-rock, marchas de coreto, guitarras a arder, jazz roufenho, fragmentos etno-urbanos, rebuçados pop e outras iguarias, compondo o quadro de uma “orquestra de câmara para neuroses citadinas” ao som de canções populares – com títulos tão sugestivos como “Les cheveux de Françoise Hardy” ou “How to kill a puppy” – para embalar crianças no jardim infantil. Além de todo este circo de sons, as letras são extraídas de revistas velhas, dicionários, poemas de Rimbaud e Shakespeare e originais do próprio Rudy Trouvé. “Au Bain Marie” é um retrato de família de lunáticos que permite todas as interpretações e evoca uma miríade de sensações, um pouco como um “cadavre-exquis” surrealista ou uma estadia numa pensão do fim-de-século na companhia de um poeta romântico. Lionell Horrowitz é um cavalheiro de mil talentos cuja única finalidade é agradar aos gostos mais requintados. Com a fórmula ideal de humor, bizarria e perversão. “Au Bain Marie” já serviu de banda sonora dos filmes “Dave’s Great Idea” e “Fishtrip”.

Hedningarna - Karelia Visa

Sons

26 de Fevereiro 1999
DISCOS – WORLD

As raparigas finlandesas estão de volta

Hedningarna
Karelia Visa (9)
Silence, distri. MC-Mundo da Canção

O aparecimento de um novo álbum dos suecos Hedningarna já não provoca a mesma onda de admiração e estupefacção que se levantou quando “Kaksi!” irrompeu no mercado de world music em 1992. Nessa altura “Kaksi!” rebentou como uma bomba, carregada com uma mistura explosiva de sons tradicionais e electricidade que rivalizava em volume e energia com qualquer banda de “heavy metal”. Foi ainda este álbum que deu origem ao consequente “boom” de novas bandas escandinavas no resto da Europa. Mas se o choque causado por “Kaksi!” se dissipou, não esmoreceu a expectativa de acompanhar cada passo da evolução de uma das bandas mais excitantes da cena folk actual.
Depois de “Kaksi!”, os Hedningarna avançaram no sentido da electrificação, passando pelo paiol de dinamite de “Trä” (1994) antes de entrarem decididamente (e, para alguns, perigosamente) nos territórios da música de dança, em “Hippjokk” (1997), segundo um trajecto que culminaria, nesse mesmo ano, com o álbum de remisturas, “Remix Project”. A partir daí ofereciam-se ao grupo duas vias: ou deixavam, em definitivo, de poder ser considerados uma banda folk (o que, por si só, não constitui nenhum defeito) ou encetavam nova mudança de rumo. A escolha recaiu sobre a segunda destas hipóteses. “Karelia Visa” é um retorno à vertente mais tradicional que caracterizava o álbum de estreia do grupo, “Hedningarna”, de 1989. Primeira verificação importante e que a própria promoção faz questão de frisar quando anuncia que “the finnish girls are back at the microphones!” é o regresso das duas cantoras finlandesas, Sanna Kurki-Suonio e Anita Lehtola, que haviam abandonado o grupo depois de “Trä”, amputando “Hippjokk” de um dos seus órgãos vitais.
Em “Karelia Visa”, resultante da estadia dos Hedningarna, na Primavera e no Verão passados, em Carélia, região fronteiriça entre a Rússia e a Finlândia, as duas recuperam o anterior protagonismo, assinando vocalizações empolgantes e, nalguns casos, como em “Neidon laulu”, verdadeiramente mágicas. “Karelia Visa” ignora deste modo a vontade de todos aqueles que desejariam continuar a deliciar-se com a anterior postura “headbanger” do grupo, para obedecerem a uma motivação mais profunda e que os próprios músicos enunciam: “Durante anos estudámos e deparámo-nos com a tradição das canções rúnicas (‘runosongs’) de Carélia, através da audição de velhas gravações em cilindro de cera ou da leitura de livros, usando este conhecimento para uma interpretação livre e nos nossos próprios termos das mesmas. Desta vez quisemos ir mais além, em direcção ao núcleo e à fonte da tradição. Regressámos cheios de imagens [algumas delas reproduzidas no livrete do disco] e de sensações sobre a vida em geral e da Carélia em particular.” Depurados da febre que os consumia, os Hedningarna voltaram, paradoxalmente, a surpreender, ficando a “continuação” de “Hippjokk!” guardada para a futura gravação de um disco de Björn Tollin e Hällbus Totte Mattson com o grupo de música de dança Virvla. Com “Kareli Visa”, os Hedningarna recuperaram o mistério das primitivas florestas pagãs e uma aura da imprevisibilidade.

Muzsikas - The Bartók Album

Sons

26 de Fevereiro 1999
DISCOS – WORLD

A maçã de Bartók
Muzsikas
The Bartók Album (7)
Hannibal, distri. MVM


É universalmente reconhecida a relação entre a obra do compositor húngaro Bela Bartók, um dos mais importantes deste século, e a música tradicional do seu país. Bartók usou, inclusive, elementos desta música em inúmeras das suas composições, estabelecendo uma sólida ponte entre o étnico e o erudito. O que poucos saberão é a origem deste interesse. Consta que Bartók se terá começado a interessar pela música tradicional quando ouviu a filha de uma vizinha, uma rapariguinha da Transilvânia sem qualquer educação musical, cantar “A maçã vermelha caiu na lama”. O compositor ficou de tal maneira impressionado que resolveu compor a sua própria versão desta canção, encetando uma prática que, ao contrário do fruto, não caiu de podre. “The Bartók Album” é a homenagem dos Muzsikas a Bela Bartók e uma “exploração da relação estreita entre o compositor e a música folclórica do seu país natal, vista através dos olhos do grupo”.
De acordo com este projecto de intenções, todas as melodias do álbum foram originalmente recolhidas por Bartók, alternando as versões dos Muzsikas com excertos de gravações etnográficas da época. O álbum inclui ainda três duetos de violino compostos por Bartók, interpretados por um dos violinistas do grupo, Mihály Sipos, e Alexandre Balanescu, líder do aclamado Balanescu Quartet. Este último não esconde, aliás, o prazer que lhe proporcionou a experiência, assumindo, também ele, a importância das raízes tradicionais nas suas próprias concepções musicais. Quanto aos Muzsikas, procuraram responder à interrogação: “O que é que existe na música tradicional que atraiu Bartók como um íman?”, interrogação que, reconhecem, se aplica ao próprio grupo. A esta questão não corresponde um dos álbuns mais exaltantes dos Muzsikas. Em parte devido a um certo academismo, em parte pelo protagonismo, quase exclusivo, concedido aos violinos. A voz de Márta Sebestyen, eterna parceira dos Muzsikas, surge assim como um apêndice num álbum cuja virtude principal será a de, por outros meios, conseguir, como Bartók, estabelecer pontes entre os dois universos musicais, neste caso, complementares.

Chuck E. Weiss - Extremely Cool

Sons

26 de Fevereiro 1999
DISCOS – POP ROCK

O diabo com sapatos de camurça

Chuck E. Weiss
Extremely Cool (8)
Rykodisc, distri. MVM

“Foi numa noite de lua cheia que escrevemos metade destas canções. Por entre o intermitente coaxar das rãs, ao cósmico decote dourado das estrelas, as luminosas gotas da humidade dos pauis cruzavam a paisagem em insinuantes adornos e abrupta lascívia celeste. Tínhamo-nos conhecido há 25 anos num registo nocturno de maior obscuridade: roubávamos anões de jardim nos relvados de Beverley Hills. O espólio obtido era cuidadosamente empilhado no beco ao lado do 69ers, um ‘late bar’ no centro de Los Angeles, e era então que nos libertávamos das agruras do mundo. Éramos uma dupla bem conhecida na cena noctívaga da cidade, e não só pelos nossos méritos musicais (...) De novo no centro da cidade, e com emprego fixo num casino aberto 24 horas por dia, pudemos explorar novos caminhos e experimentar inesperadas combinações: shows com animais, coristas, travestis, enfim... a nata do showbiz do submundo. Com o passar dos anos, esta imagem atenuou-se cada vez mais, até ficar como uma qualquer história que se ouve numa conversa casual entre copos, cigarros e música de ‘jukebox’.” É com estas palavras que Tom Waits explica a sua relação pessoal e artística com Chuck E. Weiss, um compositor/intérprete que ao fim de um longo período de gestação das canções que escreveu (18 anos, desde o momento em que foram concebidas) editou finalmente o seu primeiro álbum de originais, tendo como produtor executivo o actor Johnny Depp e a participação vocal do próprio Waits.
Para além de explicar alguns pedaços de vida desta relação, a citação dá um tom bastante aproximado do ambiente geral que caracteriza este trabalho. Chuk E. Weiss, como Tom Waits, ou mais ainda do que este, é um vagabundo das horas mortas (ou demasiado vivas) afogadas em álcool e loucura.
“Extremely Cool” passa pelo meio do fumo e cheio de rouquidão, com o passo acertado pelos “blues” (Chuck tocou com Lightin’ Hopkins, Willie Dixon e Muddy Waters), o jazz de cabaré, o “cajun”, o rockabilly, o rock‘n’roll e a música de variedades, como em geral é entendida a partir das cinco horas da madrugada. Chuck E. Weiss é um Alan Vega sem a metralha dos Suicide, um apaixonado pelo “bourbon” e pelos abismos (é raro ouvir chorar tanto um trompete, como acontece em “Deeply sorry”). E, já agora, por uma boa piada assassina. Um “crooner” de pacotilha que gosta de swingar e pôr a alma a nu. Aquecida por um corpo ou por um copo, tanto faz. Imagine-se uma luz tão velada e um coração tão ferido como o do seu companheiro de estrada, Tom Waits, em álbuns como “Small Change” ou “Blue Valentine”, sem a orquestra, mas aos tropeções nas mesmas ruas e nos mesmos camarins. Só que Chuck E. Weiss chegou depois e o seu passo é mais angustiado. Como no blues de abertura “Devil with blue suede shoes”. Faz sentido. Voltando a pegar nas palavras de Tom Waits: “Ainda me lembro da primeira vez que, numa saudável euforia alcoólica, o Chuck abandonou o seu lugar habitual na bateria, colocando-se ao meu lado na frente do palco e... quem diria! O Chuck cantava! E, meu Deus, cantava como se o próprio diabo o perseguisse!”

Holosud - Fijnewas Afpompen

Sons

26 de Fevereiro 1999
DISCOS – POP ROCK

Holosud
Fijnewas Afpompen (8)
a-Musik, distri. Matéria Prima/Ananana

“Fijnewas” e “Afpompen” são duas palavras engraçadas. Consultando o dicionário de alemão, encontramos como significados, respectivamente, “fiz chichi nas caças” e “com pompa e circunstância”. Felizmente, o álbum inclui títulos de decifração bastante mais fácil como “La backbrettspielerin brummtschi” (em português, “rio”) ou “Chön chaaf gechnitten” (em português xonchaveguechenite, o nome de um mineral). Já em relação à origem e natureza dos Holosud, é possível encontrar dados mais concretos. Trata-se de uma aglutinação de dois dos grupos de música electrónica alemães mais interessantes da actualidade, os Schlampeitziger (autores de uma das surpresas alternativas do ano transacto, “Spacerokkmountainrutschquartier”) e dos mais gélidos e computorizados FX Randomiz, autores do também interessante “Goflex”. Aos primeiros sons de “Fijnewas Afpompen”, somos assaltados por uma vaga de sintetizadores analógicos (neste caso, suspeitamos que filtrados por tecnologia digital) que nos lançam de imediato, uma vez mais, para os braços dos Cluster e do seu seminal álbum “Zuckerzeit”, de 1974, uma das bíblias inspiradoras de Brian Eno e, cada vez mais, manual de consulta obrigatória para a facção electrónica do pós-rock. São os mesmos ritmos e programações de carrossel, possuidores de um sentido lúdico quase infantil, características que fazem daquele álbum da dupla Moebius/Roedelius um objecto único e que aqui reaparecem em forma de recriação sofisticada. Mais próximo da variedade de registos dos Schlampeitziger do que da placa de algoritmos dos FX Randomiz, o som dos Holosud volta a apertar os parafusos que prendem as aventuras dos novos cósmico/industriais alemães às experiências pioneiras dos seus antepassados.

Sétima Legião - Sexto Sentido

Sons

26 de Fevereiro 1999
DISCOS – PORTUGUESES

O Império dos Sentados

Sétima Legião
Sexto Sentido (5)
Ed. e distri. EMI-VC


Portugal já tem, finalmente, a sua banda de etnose..., etnotecno. É bom que assim aconteça, estar a par do que se faz, ou se fez, lá fora, já há uns bons anos. Coube aos Sétima Legião, numa inesperada ressurreição e consequente regresso às lides discográficas, essa honra, com “Sexto Sentido”, um álbum cuja fórmula não poderia ser mais excitante: misturar “samples” de música tradicional com ritmos electrónicos de dança. A originalidade está em que os Sétima se lembraram de algo em que nenhuma outra banda do planeta tinha pensado antes e que consiste em usar samples, não uns samples quaisquer, mas samples de – pasme-se – música tradicional portuguesa! Deste facto, aparentemente tão simples, advém toda a estranheza e ousadia do projecto. Assim, é com algum espanto e não contida admiração que vemos as recolhas de Giacometti ganharem a luz da contemporaneidade em arriscada simbiose com programações que ora pedem emprestados os sequenciadores aos Tangerine Dream (“A volta ao mundo”, com a voz de Né Ladeiras a dar polimento) ora descambam em batidas cuja principal virtude é não pedirem demasiado esforço, nem às máquinas nem à imaginação (“Eclipse”, “Sem perdão”). Mas os Sétima Legião vão mais longe, assumindo até às últimas consequências as ligações perigosas entre a tradição e a computorização, não só através do grafismo da capa, uma alface virtual, como, em “Em pedra dura”, pela proeza de juntar a voz e a gaita-de-beiços de um amolador (recolha de Ernesto Veiga de Oliveira) a uma batida “hip hop”. Em “O factor humano”, os Sétima Legião invadem declaradamente a pista de dança, enquanto em “A caminho da lua” funciona o tom declamatório do vocalista sobre uma paisagem arabizante. Entre o “drum‘n’bass” e o “chill out”, “O louco do mar” demonstra que o grupo está atento às penúltimas tendências internacionais, o mesmo acontecendo em relação às antepenúltimas, em “Tempestades do senhor”, um ritual de ceifa do Vimioso meticulosamente encaixado numa batida tecno. Ao fim de 14 audições, o tema revela pormenores escondidos como sejam a incrível subtileza inerente a toda a batida tecno (dita “martelinhos”) ou uma série de outras, ainda menos evidentes, que apenas muitas mais audições depois se darão a conhecer em toda a sua plenitude. Nova dose de “drum‘n’bass”, em “Canção da erva”, e “ambient tecno”, em “Abril em Batavia” elevam ainda mais a fasquia da originalidade, soando tão originais como, pelo menos, outros 543 projectos semelhantes, todos originais e todos da mesma maneira. Deste modo, conseguiram os Sétima pôr a música portuguesa e eles próprios em sentido. Há um sexto sentido assim, uma intuição do som exacto que, em determinado momento, faz mover as alavancas. “Sexto Sentido” é o triunfo da alface segundo uma fórmula de sucesso. Venham daí mais legumes e sentidos. A música portuguesa agradece.

20/11/2010

Legião estrangeira [Sétima Legião]

Sons

19 de Fevereiro 1999

“Sexto Sentido” muda sonoridade do grupo

Legião estrangeira

Seis anos depois de “O Fogo”, os Sétima Legião voltaram a reunir-se para gravar um novo álbum, “Sexto Sentido”, um trabalho marcado pela tecnologia e pelo tratamento de samples que funde a alma da Sétima numa alface virtual. Música menos física e mais mental, nas palavras do grupo. E muito mais internacional.

Tão ou mais surpreendente do que a mudança radical nos métodos de trabalho e gravação deste novo álbum da Sétima é o facto de, passado um interregno de seis anos, os intervenientes serem os mesmos e, ainda por cima, estarem sintonizados na mesma onda musical. Um caso de fé inabalável num projecto e num conceito que passou a ter forma exclusiva nas máquinas e nas mentes dos músicos. “Sexto Sentido” existe apenas enquanto utopia sonora e espaço convergente de diversas sensibilidades unidas pelo propósito da descoberta e reconversão. Daquilo a que, com boa vontade, ainda poderemos chamar tradição, mas agora já transmutada num mutante abstracto que se alimenta do imaginário planetário. O PÚBLICO samplou as ideias de três dos alquimistas, Gabriel Gomes, Pedro Oliveira e Paulo Abelho.
PÚBLICO – Ao escutar-se “Sexto Sentido” tem-se a impressão de que a música se esgota numa dimensão exterior, não só à anterior realidade do grupo, como à própria fisicalidade do som. Como conceitos a pairarem num mundo de imponderabilidade...
GABRIEL GOMES – Isso deve-se ao diferente método de produção que utilizámos. Nem toda a gente estava disposta a ir para uma garagem passar quatro meses a ensaiar. Foi muito mais fácil agarrar nos compositores e respectivas composições e juntá-los consoante a disponibilidade de cada um.
PAULO ABELHO – Além do facto de cada um de nós ter desenvolvido, entretanto, diferentes métodos de trabalho.
P. – As composições deixaram de ser assinadas pelo colectivo para passarem a ser assinadas pelos nomes próprios dos músicos, em diversas combinações.
G. G. – O que não quer dizer que não haja um intercâmbio e uma comunhão.
P. – Querem dizer que, embora tivessem seguido carreiras separadas, acabaram todos por convergir ao mesmo tempo numa estética comum?
P. A. – O que acontece é que, desde o início, há 15 anos, que somos amigos. Continuámos todos a andar juntos, a sairmos à noite, com negócios comuns...
G. G. – O Pedro, sobretudo, serviu de elo entre todos. Mas o que uniu tudo foi a matéria musical. E isso é que foi o mais engraçado. Embora separados, quando nos juntámos para estúdio, estávamos todos no mesmo sítio.
P. – Como é que surgiu a ideia de erguer toda a arquitectura de “Sexto Sentido” com alicerces nos samplers? É um mundo alheio à Sétima Legião antiga...
P. A. – É verdade que operámos com base em samples e nos sintetizadores, mas sem qualquer sentido arquivista.
PEDRO OLIVEIRA – Deixámos de respeitar as regras de um grupo pop. Este disco é um disco de vários compositores com um elo comum.
P. – Mas não acham que álbum soa um pouco a produto de laboratório?
G. G. – Usámos métodos diferentes para trabalhar o som. É evidente que, quando se trabalha com tecnologia, tem que se utilizar métodos laboratoriais. Mas acho que, por exemplo, nas figuras da gaita-de-foles ou do acordeão, tentámos criar “takes” o mais espontâneos possível, gravados à primeira. Inclusive, deixámos algumas coisas que não quisemos corrigir. A grande inovação deste disco é, de facto, o som.
P. – No caso das vocalizações sobre vozes sampladas, de que forma é que esta interacção modifica a interpretação em tempo real? Esta questão dirige-se, como é óbvio, ao Pedro.
P. O. – É intuitivo. Quando sentes que alguém está a cantar ao teu lado, de uma maneira não física, isso molda a nossa maneira de cantar. Se não houvesse a voz de uma senhora do campo a cantar, eu cantaria, de certeza, e outra maneira.
P. – Até que ponto “Sexto Sentido” foi composto, não só no, mas com o próprio estúdio?
P. A. – Sobretudo na fase final, nos últimos meses, começámos a simplificar as coisas. Sem dúvida que houve pormenores que só apareceram no estúdio.
P. – Concordam que, com este disco, a Sétima respira já alguns ares de música de dança?
G. G. – Há uma sonoridade mais contemporânea, mais próxima de algumas correntes actuais. Mas não se trata de um “beat” de música de dança. Mas, se reparar, todos os concertos da Sétima Legião eram de dança, as pessoas dançavam do princípio ao fim...
P. – “Sexto Sentido” é um disco de fusão. Em que sentido é que aceitam, se é que aceitam, este termo?
G. G. – Não se tratou de agarrar em tudo e meter numa panela, mas mais de fundir as sonoridades, os instrumentos acústicos com os electrónicos.
P. – Mas não concordam que a sonoridade global do disco se insere numa vertente internacional bastante identificável?
P. O. – Não foi propositado. Mas o que é isso de ser ou não português? Os Gaiteiros de Lisboa, por exemplo, estão cada vez menos portugueses.
G. G. – Tem a ver com a produção, com a forma de tratar o som. E aí, concordo, é um som mais internacional do que português. Outro exemplo: ouvi no outro dia os DNA, têm um som exactamente igual aos U2... Incrível. Mas são portugueses. O som de uma banda de recolha?
P. O. – Desde o início tivemos sempre a preocupação de não ter como objectivo estético o aproveitamento da portucalidade, da tradição, etc... Há 15 anos usávamos uma gaita-de-foles apenas porque ficava bem. Nunca quisemos fazer qualquer transposição da tradição para música pop.

Alfaces e fractais

P. – Existem facções diferentes na Sétima, uma mais tecnológica e outra mais acústica? Referimo-nos ao Paulo Marinho...
P. O. – Não, embora não exerça muito, também tem o fascínio pelos computadores. Aliás, o papel dele, neste disco, foi o mais ingrato, por ser o único músico cem por cento acústico. Ingrato, por não poder repetir neste caso o que sempre fez. No passado havia algumas coisas previsíveis, sabia-se sempre onde é que entrava um solo de gaita. Neste disco ele fez um esforço de não ser previsível, no sentido de produzir um som muito menos trabalhado. É uma contradição com alguma graça, inclusive há algumas “gralhas” que optámos, ou optou ele, por aproveitar. Muitas vezes esperávamos que ele fizesse de determinada maneira e ele fazia exactamente o oposto.
P. – A capa do álbum insiste na tecla tecnológica. É um fractal?
P. A. – Não. É uma alface. Com filtros.
G. G. – Reflecte a dualidade da terra e da tecnologia. Ema simbiose biológica.
P. – Têm opinião sobre o actual retorno aos sintetizadores analógicos?
P. A. – Houve uma altura em que se passou do analógico para sistemas como o “PCM”, com pequenas amostras de som pré-programados no sintetizador. Acabou por acontecer uma certa saturação disso. Eram aqueles sons e só aqueles. Agora, construir algo a partir do zero, que é o que acontece no analógico, é muito mais fascinante, em termos de criatividade.
P. – Usaram sintetizadores analógicos neste disco?
G. G. – Sim, como um JP 8000, dos anos 80, que recupera todos os analógicos da Roland antigos, sintetizados na mesma máquina.
P. – Nada de Moogs nem A. R. P.?
P. A. – Eu tenho um Korg MS-10 onde é possível criar qualquer coisa de raiz. Posso partir do ruído branco e daí construir um novo som em tempo real. O que vai acontecer na próxima fase é o aparecimento de uma nova tecnologia que utiliza estes métodos de síntese, mas já em conjunto com samplers. Todas as marcas estão a lançar analógicos, mas mesmo isto vai chegar a um limite. É preciso inventar novos métodos de síntese, como já acontece com a Yamaha, com síntese FM, que recorre a algoritmos. Mas nunca vou samplar uma gaita-de-foles (a não ser que pretenda desmontar ou manipular o seu som), se puder usar o instrumento real.

Bobby Conn - Rise Up!

Sons

19 de Fevereiro 1999
DISCOS – POP ROCK

O anticristo ataca

Bobby Conn
Rise up! (8)
Truckstop, distri. MVM

De vez em quando, aterra no aeroporto da pop gente estranha. Bobby Conn é o passageiro mais recente de uma comitiva de que fazem parte Kevin Ayers, Daevid Allen, Captain Beefheart, Kim Fowley, Brian Wilson, R. Stevie Moore ou David Thomas, entre muitos outros. A “Roar Magazine” chama a este espécime bizarro “a brilliant demented genius”. Quanto a Conn, as suas pretensões vão no sentido de se assumir como um anticristo (entre outras coisas, afirma que Jesus está de volta, com uma pedrada de “crack”) que irá converter a América e o mundo ao poder da besta. As “Nações Unidas sob o poder de Satã” são sistematicamente anunciadas em registo de “surf music”, profetizando que o “armagedão”, o dia do juízo final, está próximo.
Além deste pequeno pormenor que poderá levar o planeta à ruína, Conn também fez a auto-amputação de um dedo, pretende que os seus discos sejam editados numa tal editora Cascablanca e afirma ser um cristão-novo, um orador, um guru e um chulo. Talvez por isso, o artista precipita no seu mundo delirante um dilúvio de referências que – se levarmos em conta uma lista lançada por alguma crítica norte-americana – integram Jon Spencer, Screamin’ Jay Hawkins, Captain Beefheart, Jackson Five, James Brown, Big Black, Schoenberg, Marilyn Manson, David Bowie, Frank Zappa, T. Rex, Mott the Hoople e os Beatles.
“Rise up!” é um daqueles discos que resumem, de facto, uma quantidade de páginas da pop compreendidas entre os anos 60 e os 90. Um humor corrosivo e, por vezes, desconcertante, juntamente com o penteado em estilo cogumelo e uma facilidade enorme de percorrer, de canção para canção, ou mesmo dentro de cada canção, estilos completamente contraditórios aproximam Conn de um farrista como Kim Fowley. A voz do cantor tanto soa a uma clonagem de David Bowie, de “Hunky Dory” e “Ziggy Stardust” (em “Rise up” e “United nations”) como se esganiça numa patetice tétrica dos Residents (“California”), ou estremece no falsete de Marc Bolan (“White bread”).
Conn é o profeta da desgraça, numa paisagem apocalíptica de um desenho animado dos Jetsons, flirtando com o jazz, a electrónica, o “disco sound”, a country, o reggae, a bossa-nova, o funk e o rock ‘n’ roll, mas sempre num esquema de excentricidade que faz de “Rise up” um manancial de surpresas e de reencontros na esquina errada da memória. Todo o universo visual e sonoro de Bobby Conn está desfasado, minado por uma esquizofrenia latente cujos sintomas são mais claros numa faixa como “A conversation”, uma gravação de chamadas telefónicas captadas em directo, também neste caso convocando processos semelhantes aos usados por Kim Fowley na sua fase criativa de maior desequilíbrio mental, em “Good Clean Fun” e “Outrageous”.
Ouve-se “Rise up!” de ponta a ponta e não se percebe muito bem onde é que Conn pretende chegar, embora seja evidente a sua capacidade de nos surpreender a cada momento. Imaginemos, por exemplo, o que poderia ter acontecido – podemos imaginar tudo ao escutar este álbum!... – se Bowie tivesse levado o gravador, nos anos 70, para dentro de um armário, como fez R. Stevie Moore, esse glorioso maluco a quem o mundo um dia há-de fazer justiça. Apenas um palhaço que decidiu apresentar o seu conceito muito pessoal de “pós-rock”? Ou será que Conn é, afinal, um extraterrestre (mas daqueles excessivamente artificiais e coloridos, de “Marte Ataca”) disfarçado de rocker que escolheu mal a cabeleira?
Seja qual for a resposta, que nunca chegará, o melhor mesmo é voltar ao princípio e sorrir outra vez, porque nada parece estar no sítio onde parecia estar na audição anterior. A participação e produção de Jim O’Rourke ajuda a compreender muita coisa, mas não explica nada.

Cassiber - Live In Tokyo

Sons

19 de Fevereiro 1999
DISCOS – POP ROCK

Cassiber
Live in Tokyo (7)
2xCD Recommended, distri. Ananana

Os Cassiber, um dos múltiplos projectos do músico/teórico Chris Cutler – aqui um trio com Christoph Andres e Heiner Goebbels, mais o saxofonista convidado Shinoda Masami –, gravaram o presente registo numa das suas derradeiras apresentações ao vivo, em dois concertos consecutivos em Outubro de 1992, em Tóquio, os únicos realizados pela banda no Japão. Depois, disso, os Cassiber deram por extinta a sua actividade em Dezembro desse ano, na Gulbenkian, em Lisboa. O primeiro álbum contém, além de originais, temas de álbuns comprometidos estética e ideologicamente, como “Perfect Worlds” e “A Face We all Know”, demonstrativos do manifesto musical da banda, uma síntese de mensagem política, tendência de esquerda hermética, samplers enfurecidos e um anarco-jazz com raízes no movimento “RIO” (“Rock in Opposition”). As versões tanto podem ser bastante fiéis aos originais como afastar-se completamente deles, como é o caso de “Todo o dia”, um dos muitos temas com base em samples de “Perfect Worlds”. Mais interessante acaba por ser o segundo disco, composto por remisturas, samplagens e colagens das gravações dos dois espectáculos dos Cassiber em Tóquio pelo grupo japonês Ground Zero, com Otomo Yoshihide. Também neste caso se tratou do último trabalho desta banda e de uma homenagem ao saxofonista Shinoda Masami, que viria a falecer pouco depois destas gravações, aos 34 anos.

Ryuichi Sakamoto - Love Is The Devil

Sons

19 de Fevereiro 1999
DISCOS – POP ROCK

Ryuichi Sakamoto
Love is the Devil (7)
Asphodel, distri. EMI-VC

“Love is the Devil" é um filme de John Maybury (colaborador de Derek Jarman em filmes como “Jubilee” e “The Last of England”) sobre a vida do pintor inglês Francis Bacon, realizado no ano passado e ainda não estreado em Portugal. Ryuichi Sakamoto compôs a banda sonora deste filme que retrata a agitação da “swinging London” dos anos 60 e onde se juntam o erotismo, a poesia e a decadência. Ao contrário de alguma produção recente do músico japonês, mais voltada para o “mainstream”, este seu novo trabalho reflecte a sua faceta mais esotérica e impressionista, numa sucessão de quadros gelados exclusivamente pintados com electrónica e ocasionais traços de piano sepulcral. A julgar pelos títulos das faixas, a vida do pintor ter-se-á desenrolado num círculo restrito de lugares: o museu, a casa de banho, o atelier e a cama. Provavelmente na casa de banho de um museu ou na cama do atelier. Por isso mesmo, a música é fechada, escura, evoluindo numa sucessão de curtos “sketches” com um ambiente de claustrofobia e erotismo doentio, no qual se poderá detectar a sintomatologia terminal da música do autor (e actor) da banda sonora de “Merry Christmas Mr. Lawrence”. São quartos vazios onde apenas se escutam ecos e reflexos distorcidos do mundo exterior, pulsações de carne fria, emoções e movimentos despojados de ternura, nada mais senão um esteticismo sem esperança, variante “soft” dos Coil, aos quais Sakamoto confere a acutilância de um bisturi. Terá sido esta atmosfera sufocante (mas nunca saturada) o motivo que levou à edição de “Love is the Devil” na Asphodel, uma editora vocacionada para o “illbient”. Depois de os Roxy Music terem dito que o amor é uma droga, o final do século pretende que o amor seja o demónio. Tempos de inversão...

Pole - Pole 2

Sons

12 de Fevereiro 1999
DISCOS – POP ROCK

Pole
Pole 2 (7)
Kiff, distri. Megamúsica

O primeiro álbum dos alemães Polé (não confundir com os proto-industriais franceses dos anos 70, Pôle) era um bocado irritante. A ideia de construir um disco inteiro à base de sons de sintetizadores ultra-amplificados e ruídos de estática (daqueles capazes de estragar a audição de um álbum em vinilo) era original, mas acabava por resultar em massacre para o sistema nervoso. “Pole 2”, impecavelmente embalado num digipak todo em vermelho tinto, na melhor tradição do pós-rock, soa bastante melhor. Não que o grupo desistisse de nos espetar alfinetes no cérebro – os sintetizadores continuam a parecer entupidos com interferências; só que neste seu novo trabalho tudo soa mais limpo e recostado em parâmetros menos radicais. São seis temas impenetráveis, sem margens fixas, onde a electrónica se reduz à emissão de sinais sem destinatário, numa sucessão de ciclos onde não se descortina o mínimo resquício de humanidade. Algumas ressonâncias perdidas de “chill-out” (por vezes aflorando os ambientalismos dos Biosphere), perfurações rítmicas em placas digitais, a constante intromissão de programações residuais sugerem a actividade de insectos ligados a um gerador eléctrico. Umas vezes próximos dos Tone Rec, outras de Pete Namlook em dias de azia, outras ainda evidenciando a mesma actividade de circuitos doentes dos Oval ou dos Microstoria, a música dos Pole provoca a angústia de uma sala de espera de um dentista. Com sabor a gengivas queimadas.

Viagem da rapariga das estrelas pelo cosmos [Krautrock]

Sons

12 de Fevereiro 1999
KRAUTROCK

Gille Lettman, Sand, Cluster, Roedelius

Viagem da rapariga das estrelas pelo cosmos

Rolf Ulrich-Kaiser, patrão da editora Ohr, como Julian Cope diz no seu livro “Krautrocksampler”, “tinha uma visão”: a criação, na sua editora, de uma música absolutamente fora deste mundo, a própria essência da “kosmische music”. Entre os vários projectos que organizou com este fim, todos derivados de desvairadas sessões de estúdio alimentadas a ácido, contam-se a fase inicial dos Ash Ra Tempel, “Tarot”, do cigano pintor e místico Walter Wegmüller, “Lord Krishna Von Goloka”, do poeta suíço Sergius Golowin e o naipe de discos dos Cosmic Jokers, montados pelo próprio Kaiser a partir de colagens de excertos das ditas sessões de estúdio, com participações da nata dos auto-designados “cosmic courriers”. Gille Lettmann era a mulher de Rolf-Ulrich Kaiser e musa inspiradora de todo o movimento. “Gilles Zeitschiff”, de 1974, assinado com o seu nome, reúne um punhado de alucinações sónicas recortadas de sessões de estúdio dos “cosmic courriers”, posteriormente manipuladas por Kaiser e realizadas pelos “suspeitos” do costume: Manuel Göttsching e Hartmut Enke (dois Ash Ra Tempel), Klaus Schulze, Jurgen Dollase e Harald Groβkopf (ambos dos Wallenstein) e Walter Westrupp, além de Wegmüller, Golowin e Timothy Leary, o papa do LSD (que a “troupe” cósmica encontrou na Suiça, quando o professor andava fugido da polícia). Leary que funcionou como motor de arranque de vários produtos dos “cosmic courriers”, entre os quais este “Gilles Zeitschiff”, um manifesto psicadélico sobre a percepção do tempo sob o efeito das drogas psicotrópicas. “O Tempo é a nova dimensão que alimenta a música cósmica. O Tempo contém três grandes experiências que nos fazem voar em direcção à rainha do sol. O amor está no Tempo. Voem com alegria”, exclama Gilles no cume do seu transe. Sobre um fundo de “acid jams” cósmicas, a “sternenmädchen”, a “rapariga das estrelas”, como era conhecida, faz flutuar a sua voz de virgem-bruxa (antecipando um papel semelhante assumido por Gilly Smyth nos Gong) em declamações espaciais e comentários sobre os seus amigos cósmicos (incluindo a apologia de Leary), retalhados por efeitos de estúdio, que apenas fazem sentido no contexto do ácido. É um dos melhores exemplos do espírito então reinante no seio da comunidade cósmica, dominado pelos sintetizadores de Klaus Schulze, superior em estranheza e em poder de síntese da simbiose ácido-música, a qualquer dos álbuns dos Cosmic Jokers. Depois, é deveras interessante verificar como soa um “blues” executado em plena “trip”, como em “Downtown”, na linha dos “blues” cósmicos dos Ash Ra Tempel. (Spalax, import. Lojas Valentim de Carvalho, 8).

Outro objecto valioso do psicadelismo germânico, também de 1974, chega ao compacto por uma via algo bizarra: “Golem”, disco único dos Sand, um trio originário de Bodenwerder, na Saxónia, liderado por Johannes Vester, reeditado por Steve Stapleton, mago dos Nurse With Wound e admirador de longa data do “krautrock” em geral e dos Sand em particular. Reintitulado “Ultrasonic Seraphim”, o disco aparece aumentado para CD duplo, incluindo quatro baladas psicadélicas de um disco a solo de Vester, “Born at Dawn”, e um segundo disco composto por uma releitura da música dos Sand pelos Nurse With Wound. Influenciados pelos Pink Floyd mais planantes, os Sand criaram em “Golem” mantras de sintetizadores animados por pulsações animalescas numa espécie de variante cósmica de “Ummagumma”. Faixas como “Helicopter” (longa e assustadora alucinação electrónico-psicadélica), as personificações, por Johannes Vester, de Syd Barrett, em “Old loggerhead” e “On the corner” (não estaria descabida em “The Piper at the Gates of Dawn”), a balada semi-acústica “May rain” (entre os Faust e os Eagles...) ou a viagem cavernosa pelos meandros da psique de uma tal “Sarah”, em dois movimentos que vão dos sepulcros estelares de “Atem”, dos Tangerine Dream, aos Cluster industriais de “Cluster II”, constituem uma das experiências mais marginais de todo o “krautrock”. (United Durtro, distri. Symbiose, 8).

Finalmente, os Cluster regressam com uma nova reedição na Sky, desta feita “Curiosum”, de 1981, um dos discos da obra da dupla Moebius-Roedelius, posteriores a “Sowiesoso”, preferidos por Julian Cope. Abstracto, maquinal e minimalista, por vezes próximo de “Ralf & Florian”, dos Kraftwerk (“Tristan in der bar”), a “Curiosum” faltará apenas o humor e o tom de realejo da obra-prima “Zuckerzeit”, numa música cuja arquitectura concilia o sentimento e a matemática. Indispensável para os incondicionais do grupo, “Curiosum” prenuncia ainda trabalhos mais recentes como “Apropos Cluster” ou a sessão do super-grupo Space Explosion. (Sky, import. Lojas Valentim de Carvalho, 8).

Elemento romântico dos Cluster, Hans-Joachim Roedelius gravou “Jardin au Fou” em 1978, um dos seus melhores e mais diversificados trabalhos dos anos 70. Aqui, a vertente clássica e pianística (presente em temas como “Toujours” ou “Balsam”) característica de grande parte da sua discografia a solo, escapa por completo ao teor “new age” que enferma álbuns como “Momenti Felicci”, num saudável convívio com o experimentalismo electrónico e um lado concretista que o músico apenas viria a retomar nos recentes (e magníficos), “Sinfonia Contempora No.1” e “La Nordica”. “Cafe central” apresenta a sonoridade e uma construção melódica típica de Michael Rother, “Le jardin” é uma aguarela matutina de sol e chilrear de pássaros com a mesma serenidade zen dos Popol Vuh, enquanto a valsa de marionetas “Rue Fortune” constitui um delicioso exemplo da arte de Roedelius, no difícil equilíbrio entre o sério e o pueril. (Captain Trip, import. FNAC, 8)