10/06/2011

Chamada de Saturno [Saturnia]

18 de Fevereiro 2000


Música cósmica portuguesa para dançar

Chamada de Saturno



A nave do “space rock” que no final dos anos 60 foi lançado pelos Hawkwind, Nektar e Pink Floyd e hoje se mantém em órbita com os Ozric Tentacles é habitada em Portugal pelo projecto Saturnia, de Luís Simões. Segundo o próprio, “uma mistura de psicadélico clássico e progressivo dos anos 70 com beats contemporâneos”.

Tudo começou porque o irmão mais velho se casou e saiu de casa, deixando-lhe a colecção de discos em vinilo. Luís Simões, de 27 anos, não se fez rogado. Aprendeu a ouvir e a gostar do passado. Há quatro anos formou – com M. Strange (pseudónimo de Eduardo Vasconcelos), aos quais se juntou mais tarde um terceiro elemento, Vasco Pereira – os Saturnia, um projecto de “sensibilidade hippie para os anos 90” onde se misturam theremins, ondas de krautrock e grooves de drum ‘n’ bass. “Música cósmica”, para viajar. “Trippy”, como Luís Simões lhe chama numa alusão às “trips” de música e ácido que há 30 anos atiravam as cabeças para o lado oculto da lua.
“Somos os três músicos com um ‘background’ de rock mas estacionado nas áreas do ‘space rock’ e do ‘prog rock’ do fim dos anos 60, princípio dos 70, dos Hawkwind, Pink Floyd, Gong, esse tipo de bandas”, explica Luís Simões. “Em 1996, quando a cena dos Saturnia começou, esse tipo de referências, da ‘trip’, da improvisação, dos ambientes, estavam completamente excluídas do rock.”
Mas Luís Simões percebeu que “essa forma de pensar, essa filosofia” tinha “ficado presa na cena da música electrónica, mesmo ainda de o drum ‘n’ bass e do trip hop terem rebentado, com a cena tecnotrance, os ‘chill outs’, tudo isso”.
O que os Saturnia fizeram foi a 2fusão” entre esses dois universos separados pelo tempo mas paradoxalmente unidos pelos conceitos de viagem e evasão. O primeiro desses universos herdou-o Luís Simões do irmão mais velho. “Era o que se ouvia sempre lá em casa.” Hoje, depois de ter absorvido os velhos álbuns em vinilo que ficaram lá por casa depois de o irmão se casar, fala com à-vontade sobre o livro “Krautrocksampler”, de Julian Cope e da foto da capa, tirada do álbum “Yeti”, dos Amon Düül II. A música de dança e electrónica, essa, enche o éter do ano 2000.
Basta ler os títulos das faixas do álbum que os Saturnia tencionam em breve editar para se perceber a galáxia em torno da qual gravitam: “Club Aquarium”, “The twilight bong”, “Interstellar rainbow lung”… Neles, o “groove” é uma constante mas apontado às estrelas. A tal “trip” que Luís Simões só até certo ponto conota com o consumo de drogas psicotrópicas. Sorri ao falar dos Hawkwind, os quais, neste particular, eram “uma desgraça!”. Quanto aos Saturnia, admite que pode haver diferenças entre ouvir-se a música em estado “normal” ou “alterado”. Pode ser considerada “uma banda sonora tripante”, reconhece Luís Simões, embora negando que seja esse o propósito. “É mais uma música que visa a harmonização do ‘eu’ com o universo que o rodeia. Mas também um “sequencial de religiosidade dopada, de mantras dopados”. No fundo, para o ideólogo dos Saturnia, trata-se afinal da “cena descendente do período psicadélico, um psicadelismo contemporâneo”. “Busca-se qualquer coisa, não só em relação à música mas, de uma forma geral, do que é a sociedade ocidental actualmente, onde há uma enorme falte de valores, ideais e crenças.” Para Luís Simões, a resposta encontra-se algures entre os anéis de Saturno.

Soul Center - Soul Center

18 de Fevereiro 2000
DISCOS – POP ROCK

Soul Center
Soul Center (6/10)
W.v.B. Enterprises, distri. Ananana


Uma das perguntas que ao longo dos últimos anos fiz a mim próprio foi: “Para que serve a música de dança?”. Sem que me desse conta, fez-se luz e a resposta brotou, luminosa, no meu cérebro: “Para dançar”. Armado com esta descoberta encarei de frente a tarefa de escrever sobre este álbum sobre o qual a informação é nula, exceptuando o facto de me terem dito que o mentor dos Soul Center é o alemão Thomas Brinkmann, o mesmo que no ano passado, no concerto de encerramento do Festival Reset!, me fez corar de vergonha, pondo-se a dançar ritmos tecno, ali em frente de toda a gente! O tema de abertura de “Soul Center” prolonga aquilo que se ouviu naquela ocasião: música electrónica primária mas extremamente eficaz. As coisas mudam de figura no tema seguinte, com um swing construído a partir de samples vocais que lembra “Idioglassia”, um excelente e ignorado álbum de Chris Burke. A batida tecno-tribal regressa no tema nº3, o que me obrigou a saltar uma vez mais do computador para o meio da sala, possuído pelo furor da dança. “Funky man!”, gritei de entusiasmo, os olhos injectados de sangue, as pernas fora de controle. Mais “funk” e vozes sampladas na faixa 4. Começo a ficar preocupado. Estou a gostar. Vejo ao longe James Brown acenar com os braços. Uma coberta de sintetizador de cetim analógico aumenta ainda mais a sedução. Thomas Brinkmann é um pragmático, tudo na sua música converge para a sagrada função de fazer dançar, custe o que custar, de forma por vezes linear mas sempre sob o comando, mais do que da inteligência, dos estímulos disparados pelos sentidos. Sem ser inovador, soando sempre a anacronismo, “Soul Center” toca, afinal, nesse tal centro da alma – lugar onde convergem e de onde partem todas as danças.