15/12/2021

O romântico da televisão [Tom Verlaine]

Pop

A DISCOTECA
 
O ROMÂNTICO DA TELEVISÃO
 
Tom Verlaine, lendário guitarrista e compositor, estará em Portugal a 5 de Maio, para a realização de um concerto no cinema Alvalade. Depois de, com os Television, ter provado que a New Wave podia ser inteligente, Verlaine regressa com novo álbum a solo, de genérico “The Wonder”.
 

O
universo da música popular é fértil em personagens estranhas, a maioria só de fachada, algumas genuinamente alienígenas. O homem dos Television é sobretudo misterioso. Pouco dado a entrevistas, quase nada se sabe da sua visão do mundo, para além dos discursos poéticos gravados ao longo de um percurso discográfico simultaneamente brilhante e irregular. Tímido e introvertido em extremo, perde a vergonha nos discos e dispara palavras cínicas e geladas, apoiadas por uma guitarra não menos incisiva e cortante.
 
A Lua na Sarjeta
 
            Os Television, banda seminal da New Wave americana, nasce em 1973, fruto da associação de Verlaine com o baixista/vocalista Richard Hell e o baterista Billy Ficca. Cedo dão nas vistas, congregando à sua volta um grupo de admiradores que rapidamente os elevam ao estatuto de “banda de culto”. Tom Verlaine, líder incontestado e carismático, convence os proprietários do clube CBGB a abrir as portas à nova vaga de grupos e artistas que, entretanto, emergiam no circuito “underground” da cidade, e dos quais se destaca Patti Smith, em cujo “single” estreia, “Hey Joe/ Piss Factory”, Verlaine virá a colaborar.
            Patti e Tom partilham o gosto pela poesia, desde os românticos (Tom escolheu como apelido o do simbolista francês Paul Verlaine), aos poetas da Beat Generation, como Kerouac ou Ginsberg. Em comum, também, a preocupação de que as palavras sejam algo mais do que simples letras de canções e o estilo declamatório de as cantar. Características estas bem vincadas no álbum-estreia dos Television, “Marquee Moon”, de 1977, autêntica pedrada no charco do primarismo “punk” que então vingava, sobretudo do lado de cá do Atlântico.
 
Poeta Ignorado
 
            Para trás ficam a tentativa infrutífera de Brian Eno (que chega a produzir algumas “demo tapes” da banda), de levar Verlaine e os companheiros para o luxo da Island britânica, e a substituição de Richard Hell (que virá a formar com Johnny Thunders os Heartbreakers) por Fred “Sonic” Smith.
            “Marquee Moon” suscita o entusiasmo da crítica e do público ingleses, deixando o lado “yankee” estranhamente indiferente. Richard Hell não tem melhor sorte com os Heartbreakers e abandona o ex-New York Dolls, para formar a sua própria banda, os “Voivods”, contando nas suas fileiras com um senhor guitarrista chamado Robert Quine, aceite mais tarde como membro de “elites” já de um outro mundo. Os dois polos opostos iniciais dos Television, Verlaine, o intelectual, e Hell, o “junkie” decadente, procuram por vias divergentes o sucesso em grande escala, que sempre lhes fugirá.
            Depois de uma “tournée” como banda de suporte dos Blondie, os Television lançam, em 1978, o segundo álbum, “Adventure”, mais elaborado que o anterior e em que a parte musical (até então um tanto ofuscada em detrimento da poética) se equipara em requinte e subtileza às palavras, sempre corrosivas, do poeta. Os ingleses voltam a captar a mensagem, em termos de aceitação crítica e de vendas. A proverbial falta de gosto das massas americanas continua a ditar leis na pátria do segundo Verlaine.
           
Via Aberta
 
            Os Television acabam e Tom parte para uma carreira a solo, iniciada com o álbum “Tom Verlaine”, de 1979, e continuada, dois anos mais tarde, com “Dreamtime”. “Words From The Front” (1982) e “Cover” (1984, já na multinacional Virgin) são outras tantas tentativas frustradas de traduzir em números uma reconhecida qualidade artística. Por fim, em 1987, a Fontana, especialmente reativada para a ocasião, edita “Flash Light”, um dos melhores discos de Verlaine, mas ainda e sempre com o mesmo destino dos restantes: a indiferença pública.
            “The Wonder” pode alterar este estado de coisas. Permanecendo, no essencial, fiel às características que distinguem a sua música, Verlaine abre um pouco o som, como na ainda tímida tentativa de criar um “funky” intelectual, no tema “Shimmer”, também editado em maxi. Um outro maxi, “Kaleidoscopin”, denota a mesma preocupação e evidencia, até na pacificação das palavras, uma serenidade e uma maturidade capazes finalmente de convencer, mesmo o mais empedernido, de que o homem tem coisas importantes para dizer.
 
VIDEODISCOS QUARTA-FEIRA, 25 ABRIL 1990

Fleetwood Mac - Behind The Mask

Pop
 
FLEETWOOD MAC
Behind the Mask
LP e CD Warner Bros., import. WEA
 
Mick Fleetwood e Christine McVie, sobreviventes da formação inicial, têm, entre vários defeitos, uma grande virtude: a persistência. 23 anos consecutivos nesta vida não são brinquedo. De 67 até hoje, muita coisa mudou. Dos rhythm’n’blues dos primórdios nada resta. A partir do álbum “Fleetwood Mac”, de 75, primeiro de uma longa série de discos de platina, a banda encontrou a fórmula definitiva do sucesso. Vendas maciças e estatuto de meninos queridos das FM americanas são os sinais inconfundíveis do êxito da estratégia então aplicada, sendo a adopção da loirinha Stevie Nicks apenas mais uma operação de cosmética destinada à venda do produto. “Behind The Mask” não adianta nem atrasa em relação a discos anteriores. Canções bonitinhas condimentadas por produções sempre em cima da jogada e as vozes da dupla feminina Mc Vie/Nicks chegam de momento para manter a máquina a funcionar. Canções que se ouvem e se esquecem de seguida como açúcar dissolvido em café quente. Do esquecimento geral escapam a original introdução, em tintas electrónicas, de “In the Back of My Mind” e a interpretação de Christine McVie no tema que dá título ao álbum. As gerações passam, mas os Fleetwood Mac não arredam pé. Para incómodo de muitos e deleite, se calhar, de muitos mais.
 
QUARTA-FEIRA, 25 ABRIL 1990 VIDEODISCOS