28/09/2017

The Robert Fripp String Quartet - The Bridge Between

Pop Rock

13 Abril 1994

THE ROBERT FRIPP STRING QUARTET
The Bridge Between
Discipline, import. Contraverso

DO BARROCO AO TORMENTO

Não, não se trata disso. O ex-líder dos King Crimson e inventor das “frippertronics” não entrou na onda dos Kronos, Balanescus e afins. O String Quartet é simplesmente a designação, algo irónica, da reunião de Fripp com o California Guitar Trio e um quinto guitarrista, Trey Gunn, no “grand stick”, que supomos ser uma variante do “Chapman stick”, uma guitarra eletrónica com efeitos, sem caixa. Temos assim cinco guitarras, elétricas e acústicas, mais “frippertronics”, num álbum gravado ao vivo (sem ruído de palmas…) em Maio e Junho do ano passado, com posteriores pormenores de pós-produção efetuados em estúdio.
“The Bridge Between” é, sob certos aspetos, um álbum surpreendente. Surgido num período em que Robert Fripp se debate com problemas legais relacionados com a sua antiga editora, a EG, que levaram, inclusive, a que o disco seja uma espécie de edição de autor saído com o selo Discipline, título e logotipo de um álbum antigo dos King Crimson, há nele uma fúria dissimulada, a par da habitual tendência do guitarrista para a teorização. Neste caso, e não por acaso, concentrada num pequeno manifesto em que Fripp faz o enquadramento do ato criativo e do papel desempenhado pelo músico na sociedade contemporânea, acompanhado de um rodapé em que alerta os músicos para a defesa intransigente dos seus interesses em matéria de direitos de autor, contra o “statu quo” vigente de atropelos constantes a esses direitos.
Quanto à música, prolonga e refina a tendência para a harmonização, por vezes quase sinfónica, das guitarras, característica do anterior projeto de Robert Fripp, a League of Crafty Guitarists. Uma música que alia a energia do rock (“Kan-non power”) à complexidade contrapontística da música barroca (em três peças de Johann Sebastian Bach, “Chromatic fantasy”, “Contrapunctus” e “Passacaglia”), à citação “kitsch” de “Yamanashi blues”, para terminar no longo e perturbante tema final, “Threnody for souls in torment” (canto lúgubre para as almas em tormento) que soa a Arvo Pärt no inferno e confirma antigos e xamanísticos interesses de Fripp pelo tantrismo e pela temática do apocalipse. Acima de tudo a ressalta a ideia de que Robert Fripp continua atento e atuante. Com a sua guitarra a arder com a mesma intensidade de sempre. (8)


Pós-GNR - Mimi Tão Pequena E Tão Suja

Pop Rock
1991

MARGEM DE CERTA MANEIRA

PÓS-GNR
Mimi Tão Pequena e Tão Suja
LP/MC/CD Polygram



Não é difícil, a um músico minimamente inteligente e informado, ultrapassar a vulgaridade vigente no meio rockeiro nacional. Difícil é fazê-lo de forma original, isto é, partindo de códigos conhecidos, chegar a qualquer coisa diferente e realmente nova – tarefa que hoje em dia poderá parecer a qualquer compositor pouco menos que impossível. O mundo da música transformou-se numa torre de Babel, onde todas as linguagens, e as suas infinitas interpermutações, se multiplicaram até ao ponto limite do total esvaziamento de sentido, auferindo, à falta de melhor, de uma legitimidade permitida pela “dignidade” da atitude sintetista, chamemos-lhe assim.
“Mimi Tão Pequena e Tão Suja!” (bom título para uma fita neo-realista-saloia) cabe desde que articulado com um mínimo de coerência e o apoio suplementar da muleta conceptualizadora.
“Mimi” recua aos anos 70, mais concretamente à vertente menos sinfónica do progressivismo e ao bruitismo controlado dos King Crimson à época de “Red”. Grande parte do álbum avança por esse som saturado, no qual assumem papel preponderante os diversos enunciados da guitarra elétrica e as deambulações de um baixo poderoso e bem articulado, instrumentos que o próprio Rua manuseia com o talento que se lhe reconhece.
“Scales & solos” junta ao tom geral de opressão a violência extra, aprendida na vertigem “hardcore”. Por entre o massacre (aumentado pelo som resultante de uma prensagem péssima que acentua ainda mais a sensação de “massa” sonora, talvez a querer dar razão ao “sujo” do título…), irrompem pequenos pormenores, mais ou menos exóticos, como os que são criados pelo xilofone da David Maranha (dos Osso Exótico) em “Hardcore II”, por um solo de piano (excelente Miguel Megre) de súbito rendido à serenidade, em “Independança II”, ou pelo humor e fraseado guitarrístico muito Eugene Chadbourne de “Strange perception”.
Passando ao lado do par de temas que abre o segundo lado, num registo mais próximo da pop, acaba por ser a londa sequência instrumental que encerra o disco a suscitar a maior parcela de interesse: “The next album” (será de facto o próximo álbum todo assim?), incursão demolidora nos meandros do ruído, que as linhas melódicas do baixo, do piano e a inspirada e fragmentada prestação de Rui Azul, no saxofone, impedem de mergulhar no caos. Uma referência final aos textos, escritos e cantados em inglês com a fluência do estudante aplicado que procura alinhar uma sequência de frases sem errar. Mesmo assim, há erros (ou gralhas?): “Trough” em vez de “through”, “Tokio” em vez de “Tokyo”, “Demon” pronunciado “démon” em vez de “dimon”. Pormenores que não comprometem, mas aos quais não ficaria mal prestar de futuro mais atenção. Vítor Rua e a sua “Mimi” não salvam o rock português, mas situam-se orgulhosamente à margem dele, com a convicção dos que procuram arriscar. (7)