28/01/2016

Caravan - Caravan

Y 15|FEVEREIRO|2002
discos|roteiro

CARAVAN
Caravan
Verve, distri. Universal
8|10


Faltava o álbum de estreia para ficarem completas as remasterizações da discografia mais relevante dos Caravan, banda emblemática de um movimento, com origem nos anos 60 em Canterbury, que teve nos Soft Machine, Gong, Egg, Matching Mole ou Hatfield and the North outros dos seus expoentes. Mas os Caravan eram especiais na medida em que a sua música aliava uma pureza que hoje se pode considerar impossível de reproduzir (o grupo continua em atividade, ao fim de 36 anos…) com o espírito de uma Inglaterra surreal que, no campo do Progressivo, os Genesis, de “Nursery Cryme”, também souberam vislumbrar. Ao contrário, porém, da banda de Peter Gabriel, os Caravan baseavam as suas canções no jazz e num psicadelismo reformista, segundo uma fórmula de fazer a pop swingar que apenas teve paralelo nos primeiros e canterburyanos álbuns dos Soft Machine. Sem a complexidade orquestral dos posteriores “If I Could do it all over again, I’d do it all over you” e “In the Land of Grey and Pink”, “Caravan” tinha já, porém, o dom de tocar nas melodias com uma varinha de condão.

Mulher fatal [Nico]

Y 15|FEVEREIRO|2002
discos|roteiro

nico mulher fatal



Não fora o contrassenso, diríamos que nunca a música de Nico soou tão radiante como nesta antologia em que, pela primeira vez, a sua música foi objeto de remasterização. É que o sol e a luminosidade nunca fizeram parte do vocabulário musical e existencial da “deusa da lua”, como já chamaram à ex-modelo, atriz de Fellini em “La Dolce Vita”, amante de Brian Jones, Bob Dylan, Lou Reed, Jim Morrison e Alain Delon, e cantora no mítico álbum da banana dos Velvet Underground, que a 18 de Julho de 1988 morreu de um ataque cardíaco, quando passeava de bicicleta em Ibiza, e que de si própria dizia: “sou uma completa estranha para mim mesmo”.
“Innocent & vain” arranca com “I’ll keep it with mine”, do álbum de estreia de 1966, “Chelsea Girl”, mas a novidade é a inclusão de uma versão alternativa (sem vozes masculinas) de “All tomorrow’s parties”, o hino com sabor a espumante estragado de “The Velvet Underground & Nico”, de onde foi igualmente retirado “Femme fatale”, cápsula de amor e cianeto, derradeira golfada de ar ainda não completamente saturado que Nico respirou antes de se lançar nas águas gélidas da noite.
Mas se “Chelsea Girl” era ainda a vida, embora já manchada pela mágoa, e o calor de alguma humanidade, os dois álbuns seguintes, “The Marble Index”, equivalente musical de uma lápide funerária, e “Desertshore”, marcado pelo cinema poético-suicidário de Philippe Garrel, apresentavam já o som gótico e mortuário por que haveria de ficar “conhecida”, com a sua voz arrancada dos abismos a arder em combustão fria na religiosidade de um órgão de pedais. Ainda que nenhum destes dois álbuns (por razões contratuais?) contribua para o alinhamento da presente antologia, o seguinte, “The End” (1974) faz-se representar por quatro: “You forget to answer”, “Valley of the kings”, “Secret side” e “Innocent and vain”, exemplos tão gloriosos como trágicos da música em forma de dilúvio interior de Nico, tornada rainha por breves instantes pela produção majestosa do seu antigo companheiro nos Velvet, John Cale.
“Innocent & Vain” termina com o tema-ícone daquele álbum, uma espantosa e descarnada interpretação de “The end”, de Jim Morrison, aqui curiosamente através da versão ao vivo incluída em “June 1st, 1974”, litania do fim a contrastar com as canções dos seus companheiros neste trabalho, Kevin Ayers, John Cale e Brian Eno.
14 anos após a sua morte, 17 após a gravação do seu último álbum, “Camera Obscura”, a música de Nico continua a petrificar-nos com o que, a propósito de “The Marble Index”, o jornalista Lester Bangs definiu como “a paixão escondida por detrás de uma auto-tortura sem sentido”.

NICO
Innocent & Vain – An Introduction to Nico
Island, distri. Universal

8|10

Julian Cope - The Collection

Y 15|FEVEREIRO|2002
discos|roteiro

JULIAN COPE
The Collection
Ed. e distri. Universal
7|10


Depois de louco é que o homem brilhou com intensidade máxima. O “louco”, já adivinharam, é Julian Cope, “Saint Julian”, o ex-líder dos Teardrop Explodes que se fez fotografar vestido com uma carapaça de tartaruga, é tu cá tu lá com os extraterrestres, o cartógrafo da Inglaterra secreta dos druidas, escritor, erudito do krautrock, “acid head”, demente, genial e, acima de tudo, rocker de alma e coração. A “loucura” adveio com “Peggy Suicide” e, a partir daí, cada novo álbum é melhor que o anterior, de “Jeovahkill” a “Autogeddon” e “20 Mothers”, culminando na bíblia do “space rock” dos anos 90 que é “Interpreter”. “The Collection” não consegue, no entanto, aguentar a pedalada, preferindo mostrar o Julian Cope “relativamente normal” de “St. Julian” e “My Nation Underground”, indo o atrevimento até “Jeovahkill”, de 1992. O que significa que o Cope épico e espacial da atualidade foi preterido a favor do compositor de clássicos pop como “Sunspots”, “Pristeen” e “Beautiful love”. Não será, pois, uma odisseia no espaço mas uma amostra explosiva dos preparativos que antecederam a largada do foguetão.

Estrada sem retorno [Lee Ranaldo]

Y 1|FEVEREIRO|2002
capa|música

lee ranaldo
estrada sem retorno

Para dar cabo da cabeça e dos nervos, não há nada melhor do que escutar um álbum em vinil de Lee Ranaldo, intitulado “From Here to Infinity” (1987), em que, seja qual for o ponto onde se faz descer a agulha sobre o disco, esta fica bloqueada, ficando a girar eternamente sobre a mesma espira (“locked grooves”). Impossível ser mais minimalista e repetitivo.
            É a faceta mais radical do guitarrista e compositor dos Sonic Youth – por sua vez, uma das bandas de rock americanas mais dadas à experimentação, como está patente no álbum “Goodbye 20th Century”, com versões de compositores contemporâneos como Cornelius Cardew, John Cage, Christian Wolff, Georg Maciuna, Pauline Oliveros e Steve Reich, gravado pelos Sonic Youth no seu próprio selo Syr (“Sonic Youth Records”). Em Serralves (e, uma semana mais tarde, a 15 e 16, na Gulbenkian, em Lisboa) não se prevê que Ranaldo vá tão longe. Mas nunca fiando. Onde a improvisação leva noa se sabe se existe estrada de regresso.
            O ponto de partida para ele e o português Rafael Toral discorrerem musicalmente é a exposição de Robert Smithson e Bernd & Hila Becher, “Field Trips/Viagens de Campo”, patente no Museu de Serralves até dia 3 de Março, sabendo-se da influência que o primeiro exerce sobre o trabalho do guitarrista americano.
            A improvisação servirá de guia através, não só do diálogo entre os dois guitarristas, como da relação estabelecida entre eles e as imagens criadas pela artista multimédia Leah Singer, e o “Video Caleidoscópio”, de João Paulo Feliciano, ambos manipulados em tempo real.
            Lee Ranaldo, além de membro-fundador, guitarrista, compositor e letrista dos Sonic Youth, colaborou com o Wagner das guitarras elétricas, Glenn Branca, o papa do pós-rock Jim O’Rourke, os Master Musicians of Jajouka e o baterista de jazz William Hooker.Gravou vários álbuns a solo de guitarra e de “spoken word”, de que é exemplo o recente “Amarillo Ramp”. Publicou livros de poesia. De viagem. “Road Movies”. À maneira de Ginsberg e Kerouac, profetas da “beat generation” dos anos 60. “Eric’s Trip”, “Pipeline/Kill Time” e “Mote” são alguns dos temas mais conhecidos escritos por si para os Sonic Youth. “Put Moore Bllod into the Music”, título de um dos filmes em que participou como ator, é uma legenda adequada à sua atitude perante a arte.

LEE RANALDO + RAFAEL TORAL
Porto Auditório de Serralves. Tel: 22 6156584.
sáb., 9, às 22h. Bilhetes a 12,50 euros