28/01/2016

Mulher fatal [Nico]

Y 15|FEVEREIRO|2002
discos|roteiro

nico mulher fatal



Não fora o contrassenso, diríamos que nunca a música de Nico soou tão radiante como nesta antologia em que, pela primeira vez, a sua música foi objeto de remasterização. É que o sol e a luminosidade nunca fizeram parte do vocabulário musical e existencial da “deusa da lua”, como já chamaram à ex-modelo, atriz de Fellini em “La Dolce Vita”, amante de Brian Jones, Bob Dylan, Lou Reed, Jim Morrison e Alain Delon, e cantora no mítico álbum da banana dos Velvet Underground, que a 18 de Julho de 1988 morreu de um ataque cardíaco, quando passeava de bicicleta em Ibiza, e que de si própria dizia: “sou uma completa estranha para mim mesmo”.
“Innocent & vain” arranca com “I’ll keep it with mine”, do álbum de estreia de 1966, “Chelsea Girl”, mas a novidade é a inclusão de uma versão alternativa (sem vozes masculinas) de “All tomorrow’s parties”, o hino com sabor a espumante estragado de “The Velvet Underground & Nico”, de onde foi igualmente retirado “Femme fatale”, cápsula de amor e cianeto, derradeira golfada de ar ainda não completamente saturado que Nico respirou antes de se lançar nas águas gélidas da noite.
Mas se “Chelsea Girl” era ainda a vida, embora já manchada pela mágoa, e o calor de alguma humanidade, os dois álbuns seguintes, “The Marble Index”, equivalente musical de uma lápide funerária, e “Desertshore”, marcado pelo cinema poético-suicidário de Philippe Garrel, apresentavam já o som gótico e mortuário por que haveria de ficar “conhecida”, com a sua voz arrancada dos abismos a arder em combustão fria na religiosidade de um órgão de pedais. Ainda que nenhum destes dois álbuns (por razões contratuais?) contribua para o alinhamento da presente antologia, o seguinte, “The End” (1974) faz-se representar por quatro: “You forget to answer”, “Valley of the kings”, “Secret side” e “Innocent and vain”, exemplos tão gloriosos como trágicos da música em forma de dilúvio interior de Nico, tornada rainha por breves instantes pela produção majestosa do seu antigo companheiro nos Velvet, John Cale.
“Innocent & Vain” termina com o tema-ícone daquele álbum, uma espantosa e descarnada interpretação de “The end”, de Jim Morrison, aqui curiosamente através da versão ao vivo incluída em “June 1st, 1974”, litania do fim a contrastar com as canções dos seus companheiros neste trabalho, Kevin Ayers, John Cale e Brian Eno.
14 anos após a sua morte, 17 após a gravação do seu último álbum, “Camera Obscura”, a música de Nico continua a petrificar-nos com o que, a propósito de “The Marble Index”, o jornalista Lester Bangs definiu como “a paixão escondida por detrás de uma auto-tortura sem sentido”.

NICO
Innocent & Vain – An Introduction to Nico
Island, distri. Universal

8|10

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