08/12/2010

O. K. Computador! [Trans AM]

Sons

16 de Abril 1999

Trans AM citam Radiohead em “Futureworld”

O. K. Computador!

Depois de três álbuns “escuros” e de uma fecunda pescaria nos anos 70, os Trans AM pintaram-se de branco e foram buscar alimento à década seguinte, num novo trabalho, “Futureworld”, em que, apesar da herança incontornável dos Kraftwerk, puseram um pé no funk e outro no electropop. Enquanto se preparam para entrar no ano 2000 como uma banda de guitarras.

Um anos depois de “The Surveillance”, a banda de Chicago regressou mais poderosa do que nunca, com um álbum carregado de electricidade e distorção, mas também de melodias para dançar. Phil Manley falou ao PÚBLICO dos preparativos para a entrada no novo milénio.
PÚBLICO – O tema de abertura de “Futureworld” tem por título “1999”. É alguma declaração sobre o ano em curso, ou sobre o final do milénio?
Phil Manley – É um tema com um som muito “cool”, com saxofone e um naipe de cordas. Faz lembrar um pouco uma canção dos Funkadelic, “Megaprint”, com um solo que parece interminável. Escolhemos o título empurrados por toda esta febre do final do milénio, mas também por ser uma espécie de homenagem a Prince e à sua canção com este mesmo nome.
P. – Qual a sua opinião sobre a música que se tem feito nestes últimos anos?
R. – Não sei... Tenho de admitir que ando um bocado por fora de tudo. Normalmente a música que ouço é mais antiga. Acabei de ouvir, por exemplo, um álbum dos Black Sabbath, “Masters of Reality”. Adorei.
P. – No tema seguinte utilizam um Vocoder. Penso que pela primeira vez. Tentaram criar uma voz de robô, como a dos Menmachine dos Kraftwerk?
R. – Exactamente. Cantar é uma coisa algo difícil para nós. Por isso refugiámo-nos atrás da máquina.
P. – Este tema usa uma melodia que parece decalcada dos Tubeway Army, de Gary Numan. Foi propositado?
R. – Acha? Adoramos Gary Numan, é capaz de criar melodias fantásticas e de extrema simplicidade. Mas não foi intencional, embora não me surpreenda que ache o tema parecido com os Tubeway Army...
P. – Depois do “krautrock” dos anos 70, dá a impressão de que as bandas conotadas com o pós-rock estão a assimilar influências dos anos 80, Human League, Cabaret Voltaire, Clock DVA. Isto também acontece com os Trans AM?
R. – A maior parte das pessoas, ao referir-se aos anos 80, só fala de Madonna ou de Michael Jackson, quando na verdade houve muita música underground que passou totalmente despercebida. Como os Chrome, uma das minhas bandas favoritas, que têm álbuns fantásticos como “Red Exposure” ou “No Humans Allowed”. Ou os Throbbing Gristle, os Suicide, os P. I. L., a fase inicial dos New Order, tudo bandas que as pessoas não ouviam na altura.
P. – Em “Futureworld”, há uma óbvia colagem a “Radioland”, do álbum “Radio Activity”, dos Kraftwerk. Até usam a mesma palavra, “radio”...
R. – Sim, é fácil para nós “roubarmos” coisas dos Kraftwerk [risos]. O problema é como é que se pode evitar isso? É como perguntar a uma banda pop de foram influenciados pelos Beatles.
P. – “Futureworld” corresponde a uma visão sobre o futuro do mundo?
R. – Não sei. Gostamos de estar atentos ao que se passa e tentamos ser optimistas. Mas não pensamos muito no futuro. Escolhemos “Futureworld” como título porque nos pareceu um termo apelativo. Como “Computer World” [dos Kraftwerk] ou “Future Days” [dos Can].
P. – No tema seguinte, “City in flames”, pode ouvir-se uma voz ameaçadora. Corresponde a alguma personagem específica?
R. – É interessante que fale numa personagem. O nosso baterista, Sebastian, interessa-se por toda a espécie de jogos de personagens [“role games”], como “Dungeons & Dragons”, que gira em torno de um ambiente com dragões e cavaleiros, aventura e fantasia. A partir daqui ele inventou uma nova personagem, com uma linguagem própria, meio humana meio lobo, gravada num registo muito grave. É assustador. Como alguém a falar-nos por cima do ombro.
P. – “AM Rhein” apresenta um ritmo e riffs de guitarra completamente rock. Os Trans AM preparam-se para ser uma “guitar band” no ano 2000?
R. – Espero bem que sim [risos]. A guitarra continua a ser o meu principal instrumento e o Nathan é, sem dúvida, um baixista tradicional. Não tencionamos mudar. As pessoas, neste final dos anos 90, já estão fartas da cena tecno. Um destes dias vai haver de certeza um revivalismo da guitarra. Talvez só aconteça daqui a 20 anos, seja como for, poderei dizer que a toquei sempre durante este tempo todo.
P. – “Cocaine computer” é um título bizarro para um tema delicioso. Os Trans AM renderam-se ao funk?
R. – O título é uma homenagem a “O. K. Computer”, dos Radiohead. Mas é também uma espécie de desabafo numa altura em que nos estávamos a sentir chateados no estúdio. É quase uma “jam session”.
P. – O computador envia-nos alguma mensagem?
R. – Não. Nenhuma. Somos bastante amadores no que respeita aos computadores. Temos um computador já antigo. Todo o trabalho de electrónica mais difícil do álbum foi feito pelo Sebastian, num velho Atari que ele programou em Basic.
P. – Depois de “Futureworld”, surge um “Futureworld II”. Trata-se de algum futuro alternativo?
R. – Fizemos um “Futureworld II” porque não tínhamos mais nenhum título para essa canção... Também nos agradou fazer algo semelhante ao que fizeram os Police, em “Synchronicity”, um e dois. Mas também é possível, de facto, encarar o tema como essa tal alternativa, já que uma das versões tem letra enquanto a outra é muito mais abstracta. E assustadora, na maneira como começa, com o som de chuva...
P. – Como em “Blade Runner”?
R. – Exactamente.
P. – “Sad and Young” parece quase ter sido feito por uma banda diferente. Não soa a nada que apareça para trás no álbum... É uma despedida ou um lamento?
R. – É um lamento. Percebo o que quer dizer, soa de facto a algo produzido numa sessão de gravação diferente. Está cheio de guitarras e do som de órgão. É um tema orgânico...
P. – Jonas, uma personagem de Alain Resnais, fará 20 anos no ano 2000. O que poderá esperar um jovem de 20 anos do próximo milénio?
R. – Toda a gente está a ficar apanhada pela ideia de que tudo mudará radicalmente no próximo milénio, mas penso que não haverá assim tantas mudanças, embora eu esteja convencido de que a economia global do planeta irá entrar em colapso e que a pobreza aumentará.
P. – A capa de “Futureworld” mostra um horizonte virtual completamente branco e vazio...
R. – Certo. Gostamos dessa imagem. Mas, por outro lado, a capa é branca e verde por outra razão. Queríamos uma imagem com brilho...
P. – Como um monitor de computador?
R. – Sim, algo que desse uma ideia mais positiva, até porque os nossos três primeiros álbuns são todos bastante escuros.
P. – A ideia final que “Futureworld” me sugere é a de uma viagem puramente mental, através de um computador, como se se tivesse perdido a ligação com o mundo exterior. É lícito concluir que o tema principal é a ilusão?
R. – Sim, suponho que sim. Ou a fuga. Na tentativa de encontrar alguma esperança.
P. – Os Trans AM estão prontos para entrar no novo milénio?
R. – Absolutamente. Construímos um abrigo antibombas e enchemo-nos de comida enlatada [risos]. Pessoalmente, estou preparado para fazer uma enorme festa, provavelmente em Nova Iorque. É lá que costumo fazer as passagens de ano. Acontece sempre algo de louco.

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