06/01/2017

Jazz "sexy" para derreter o gelo [Nils Petter Molvær]

QUINTA-FEIRA, 9 SETEMBRO 1999 cultura

Nils Petter Molvær toca esta noite no Centro Cultural de Belém

Jazz “sexy” para derreter o gelo

DENTRO da arca congeladora da editora ECM não são muitos os artistas que conseguem derreter o gelo. Paradoxalmente, é da Escandinávia que sopra o vento abrasador de Nils Petter Molvær, o trompetista norueguês que às 21h30 atua no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, com o seu grupo Khmer – também o título de um álbum que esta formação de seis elementos gravou há dois anos para aquela editora alemã.
            Ao contrário do que é hábito na fábrica de jazz ambiental de Manfred Eicher, Nils Petter Molvær envereda sem pruridos por sonoridades que devem tanto ao jazz como à música industrial, ao dub, ao hip-hop e até – oh heresia! – ao techno. Antigo elemento dos Oslo 13 e dos Maqualero, o trompetista tocou com Elvin Jones, George Russell e Gary Peacock. Recentemente, esteve presente nas sessões de gravação, também para a ECM, do álbum da cantora Sidsel Endresen. Nils não tem pejo em admitir que as raízes da sua música mergulham num passado relativamente recente do jazz, aquele que a partir do momento em que Miles Davis fez “Bitches Brew” e “Agartha” passou a ser chamado jazz rock: “Não cresci a tocar ‘standards’ de jazz, mas sim com o Miles elétrico”.
            O jazz não é, de resto, preocupação exclusiva deste músico que afirma, por outro lado, sentir-se influenciado pelas “rotas de colisão” de Bill Laswell, a pop dos Massive Attack e “o drum ‘n’ bass, jungle e techno que se produzem na Europa”. É esta a sua “tradição”, reconhece. Em “Khmer”, o álbum, assiste-se a uma síntese de tipologias jazzísticas com manipulação de “samples” de toda a espécie (há, inclusive um tema que recupera bocados de “Kleptomania”, dos Coldcut), o que lhe confere uma coloração passível de confundir os que insistem em compartimentar os géneros musicais.
            Não admira, pois, que o som deste trompetista natural de Sula, na costa noroeste da Noruega, já tenha sido apropriada pela música de dança, através de um maxi-“single”, em vinilo, de remisturas de “Khmer”, pelos Herbaliser, Mental Overdrive e Rockers Hi-Fi, com passagens regulares nas discotecas.
            O jazz pode franzir o nariz e olhar para o lado, mas os DJ usam uma palavra para definir a chama rítmica de Nils Petter Molvær: “Groove”. Tanto assim, que o “escândalo” se estendeu ao próprio interior da editora, que pela primeira vez na sua história usou, para definir a música de um dos seus artistas, a palavra “sexy”.

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