17/01/2017

Electromagnetes [Tone Rec]

SÁBADO, 30 OUTUBRO 1999 cultura

Tone Rec no segundo dia do Festival Reset, no Bairro Alto, em Lisboa

Electromagnetes

“When airwaves swing, distant voices sing” cantavam os Kraftwerk em 1975 no álbum “Radio-Activity”. Já não. Os franceses Tone Rec apropriaram-se das ondas do éter e envenenaram-nas com frequências residuais e estalos de eletroestática. Um assalto aos neurónios, esta noite, em Lisboa, na segunda jornada do festival Reset. Vai haver estragos!

Claude Pailliot, um dos elementos do grupo francês de música eletrônica Tone Rec – que atua esta noite no edifício de “A Capital”, ao Bairro Alto, em Lisboa –, explicou ao PÚBLICO que o grupo não pretende magoar os seus ouvintes mas tão-só estimular neles uma “escuta criativa”. Nos três álbuns que gravaram até à data, “Tone Rec”, “Pholcus” e o novo “Coucy-Pack”, atingiram plenamente esse objetivo. Até ao exagero: os neurónios ficam num estertor, o sistema nervoso num desalinho. Ao lado destes quatro electromagnetos das ondas hertzianas vão estar os alemães Komet e os portugueses NRV.
         PÚBLICO – Os Tone Rec provêm de uma eventual cena pós-rock francesa?
            CLAUDE PAILLIOT – A cena pós-rock nunca existiu em França. E nunca nos sentimos próximos, nem dessa etiqueta nem dos músicos que dela se reclamam...
            P. – São misteriosos: entrevistas raras, discos sem informação...
            R. – É que, até há pouco tempo, ninguém nos queria entrevistar! Mas é verdade que procurámos evitar dar um aspeto egocêntrico às nossas produções. Não sentimos necessidade de reivindicar individualmente as nossas participações.
         P. – Identificam-se com alguma das escolas eletrónicas francesas dos anos 70 (Heldon, Pole, “live electronic” ligadas ao IRCAM), 80 e 90 (Chion, Zanési, Teruggi, etc.)?
            R. – O único ponto em comum que temos é o tratamento dos sons acústicos. Sentimo-nos mais influenciados por certas músicas populares. Sim, é difícil identificarmo-nos com esse tipo de movimentos “eruditos” que depois acabam por se tornar institucionais.
         P. – O grupo tem prazer em magoar os auditores? Por vezes soam como uma broca de dentista...
            R. – Longe de nós tal intenção! O que procuramos é suscitar uma escuta ativa segundo métodos que utilizam certas disfunções digitais que nos afetam de forma particular: saturação, parasitagem, contraste entre altas e baixas frequências, erro estereofónico e volumétrico... Estes diferentes elementos são a seguir injetados no seio de estruturas rítmicas e/ou melódicas.
         P. – Existe na música dos Tone Rec algo que sugere contaminação. Usam a tecnologia digital como um instrumento cirúrgico infetado?
            R. – Há múltiplas potencialidades no meio informático que se ajustam aos nossos processos. É um vasto campo...
         P. – Que processos? Partilham o conceito de estúdio-instrumento, como o Kling-Klang [o estúdio] dos Kraftwerk?
            R. – A pós-produção é muito importante nas nossas composições, o próprio material e tecnologias de gravação fazem parte do nosso instrumentário. Cada um trabalha com diferentes elementos sonoros que depois são processados por um computador central. Todo o conjunto de atividades ligadas a este processo se desenrola na nossa sala de estar onde estão apenas alguns PC comprados em saldo e duas mini mesas de mistura...
         P. – A expressão “música residual” aplica-se aos Tone Rec?
            R. – Gostamos que os “loops” se arrastem até ficarem dessincronizados, com o objetivo de criar micro-rítmicas inesperadas. Exploramos também as saturações e as altas frequências “residuais” reveladas através da técnica de “cut & paste” (como no Word). Isso traz-nos problemas, sobretudo nas prensagens em vinilo. As estruturas rítmicas podem sugerir estilos populares como a tecno, house ou hip-hop a um nível que ultrapassa a caricatura.
         P. – Teorizam sobre a música que fazem?
            R. – Não fazemos qualquer abordagem teórica ao nosso trabalho. Limitamo-nos, humildemente, a criar a nossa própria “cut-&-paste-human-random-musique”.

TONE REC, KOMET, NRV
Lisboa, Edifício da Capital (ao Bairro Alto), 22h30

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