06/01/2017

DJazz amordaçado [Nils Petter Molvær]

DOMINGO, 19 SETEMBRO 1999 cultura

Nils Petter Molvær no CCB, em Lisboa

DJazz amordaçado

ESCANDALOSO? Nem por isso. O peixe que o trompetista norueguês e a sua banda Khmer têm para vender não tresanda, é um facto, mas também encontrou, na passada quinta-feira, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, um mercado recetivo a um género musical que procura enviar o jazz para as pistas de discoteca. Só que não é, de facto, nova a música dos Khmer. Poderá parecê-lo a um ou outro purista. Mas esses ou não se manifestaram, ou não estiveram lá ou, afinal, até gostaram. Para os frequentadores da parte mais recuada da “vanguarda” – e muitos se espalharam pelas filas do auditório – porém, foi “piece of cake”. Adoraram.
            Começou morno o desempenho dos Khmer. Ao estilo de uma banda de jazz rock europeu dos anos 70, como os Passport, por exemplo. Antes, porém, chegaram a sentir-se alguns calafrios, provocados por uma introdução eletrónica elaborada pelo dj de serviço, Strangefruit. Uma descarga ameaçadora de “noise” e pulsações digitais que prometia escurecer a noite mas estancou logo de seguida, mal os restantes elementos do grupo se lhe juntaram em palco, transformando-se num previsível groove de hip-hop. Isto porque se DJ Strangefruit funciona como esteio do corte do jazz com o passado, o que tanto irritou algumas franjas da ECM à data do lançamento do disco nesta editora, há dois anos, também é a âncora que impede a música de se reinventar fora das margens, demasiado estereotipadas, do hip-hop, do drum ‘n’ bass e da house. Djazz amordaçado pelo furor de querer aspirar tudo em seu redor.
            Enquanto solista, Nils Petter Molvær mostrou que não estava a fazer bluff ao afirmar ao PÚBLICO o seu parentesco estilístico com outros dois trompetistas, Toshinori Kondo (quando soou mais metalizado) e Jon Hassell (quando fez passar o ar e surdinas que evocaram a selva urbana de um álbum como “City: Works of Fiction”.
            O tribalismo dos Can, os degelos de Terje Rypdal impressos no discurso solístico do guitarrista Eivind Aarseth, intromissões de vozes sampladas e etnotecno assimilado de Jah Wobble e Holger Czukay, revelaram-se outros dos referentes da fusão, sem dúvida bem estruturada.
            O final, poderosíssimo, desatou o novelo: uma longa sequência de tecnopunk foi o desfecho infernal de uma noite marcada ainda pelo excecional trabalho, nas luzes, de Tord Knudsen. Agora escândalo, escândalo, esteve longe de o ser…

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