CULTURA
TERÇA-FEIRA, 9 NOV 2004
Crítica
Música
Romantismo patológico
Jim Moray
Sábado, dia 6. Teatro Aveirense.
Sala a três quartos.
Tuxedomoon
Domingo, dia 7. Teatro Aveirense
Sala praticamente cheia.
Fez-se história em Aveiro
no Festival Sons em Trânsito. No domingo, os norte-americanos Tuxedomoon
deixaram estarrecida uma audiência repartida entre os que conheciam a obra do
grupo dos anos 80 e os curiosos. Estes últimos devem ter deixado o Teatro
Aveirense de cara à banda, de tal forma a atuação se afastou dos cânones
normais de um vulgar concerto rock.
Depois dos Pere Ubu e dos The Residents ficou assim fechado
o ciclo de apresentações em Portugal das mais estranhas bandas americanas que
assolaram o planeta.
Não foi um concerto rock mas também não foi pop, muito menos
“world”. Terá estado mais perto da “performance”. Sem bateria e com um
alucinado quinto elemento encarregado da “mise-en-scène” visual a apontar uma
lanterna aos músicos, os Tuxedomoon atacaram com “Luther blisset”, do novo
álbum “Cabin in the Sky”. Logo aí ficou estampado um romantismo patológico
pautado pelo trompete de Luc Van Lieshout e o violino, muito Velvet
Underground, de Blaine L. Reininger, com Steven Brown a saltar do piano para o
saxofone e Peter Principle a arrastar baixas frequências no baixo. Cada nova
peça era mais bizarra que a anterior, de esventradas canções construídas sobre
programações dementes – como uma brilhante versão de “Desire”, a sua obra-prima
discográfica – a sequências instrumentais encaixadas entre o jazz, o cabaré
galáctico e texturas ambientais. Os Tuxedomoon vestem várias peles, algumas
delas em simultâneo. Num instante são um combo “mariachi” em combustão
alucinatória, no outro uma constipação de Miles Davis ou uma dança decadente de
Paolo Conte. Reininger cantou sobre l’amore, em italiano e, de de forma
arrepiante, sobre a solidão – “Here comes loneliness” – e neste verso passou
toda uma Europa exacerbada em néons e nostalgia. Como se não bastasse, o homem
das imagens projetava no ecrã ícones de uma civilização ocidental perdida entre
o consumismo e o colapso ou manipulava em tempo real filmes e efeitos visuais
criados no momento, com bonecas “Barbie”, bonecos-caveira ou plasma líquido.
Podemos pensar num novo psicadelismo ou, pela disparidade e alcance da visão,
nuns Roxy Music sem o “glam” e com os pés bem fincados na “new wave”.
Chamados a dois “encores” e com a promessa de voltarem para
o ano, nem mesmo assim os Tuxedomoon facilitaram, despedindo-se com uma
derradeira dose de experimentalismo.
Perante isto, o concerto da véspera, da banda de Jim Moray,
pareceu inócuo. Jim é um rapazote acabado de fazer 23 anos a quem a BBC premiou
o álbum de estreia, “Sweet England”, e que em Aveiro foi apresentado como
alguém que revolucionou a folk inglesa. É preciso não ter memória para dizer
uma coisa destas. O que Moray faz é popfolk elétrico mas os verdadeiros
revolucionários chamam-se Fairport Convention, Steeleye Span e Albion Band.
Dito e feito, o rapaz repesca temas tradicionais como “Raggle taggle gypsy” (que
saudades dos Planxty!) e “The cuckoo’s nest”, junta-lhes guitarras elétricas,
piano e alegres programações, e o resultado até é agradável. Nalguns momentos
fez lembrar Joe Jackson, noutros Richard Thompson (seu padrinho oficial) e no
tema final, “Longing for Lucy”, conseguiu ser puerilmente tocante.
EM RESUMO
Os Tuxedoomon num concerto histórico. Por Aveiro passou uma
das bandas mais estranhas do planeta
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