14/08/2020

O estranho mundo de Spring Heel Jack


CULTURA
QUINTA-FEIRA, 2 DEZ 2004

O estranho mundo de Spring Heel Jack

O acontecimento e, talvez, o choque, dá pelo nome de Spring Heel Jack, grupo que no sábado se estreia nos palcos portugueses, no Festival Jazz ao Centro, em Coimbra, na apresentação do novo álbum “The Sweetness of the Water”. O programa, de jazz contemporâneo, começa hoje com a apresentação de um quarteto liderado pelo contrabaixista Adam Lane, e inclui ainda atuações do trio do acordeonista Will Holshouser e de Bernardo Sassetti, ambas amanhã.
            A história dos Spring Heel Jack é a história de um monstro que assusta os amantes do jazz mais tradicional e intriga os consumidores de música eletrónica. O monstro é bicéfalo e é alimentado por dois músicos, John Coxon e Ashley Wales, cuja atividade prévia na música compreendia o “dub” e o “drum ‘n’ bass”, embora explorando já as suas zonas mais sombrias.
            Depois de uma fase em que exploravam já citações a Hendrix, Cage, Reich e ao “free jazz”, é no álbum “Masses”, de 2001, que a aproximação – perigosa – ao jazz e à improvisação eletroacústica se processa com maior intensidade. A par disso, Coxon e Wales convidavam para tocar com eles músicos como Matthew Shipp, Evan Parker, Tim Berne, Daniel Carter, William Parker ou Mat Maneri.
            “Amassed” (2002) reforça o escândalo e duplica as perplexidades. Com Han Bennink, Paul Rutherford, Kenny Wheeler e, de novo, Evan Parker, William Parker e Shipp, é um dos grandes discos de jazz alienígena desse ano. O efeito da audição anula e desafia catalogações e categorias estéticas. O álbum “Live” (2003) expande ainda mais as fronteiras, indo do caos à liturgia. Já este ano, “The Sweetness of the Water”, ainda com Evan Parker, a dupla rítmica John Edwards e Mark Sanders e o trompetista Wadada Leo Smith, vem revelar a faceta mais introspetiva do grupo. Smith, um veterano ideólogo de Chicago, e o sempre inovador Evan Parker, colam e descolam as suas descobertas contra um fundo de constantes metamorfoses. Mesmo sem o saxofonista, em Coimbra, o resto da formação garantirá certamente, por sua conta e risco, as mais delirantes viagens.
            Hoje, Adam Lane contará no seu quarteto com os prestigiados John Tchicai (sax tenor) e Barry Altschull (bateria) e ainda Paul Smoker (trompete). Lane assimilou as influências de Ellington, Cecil Taylor e Stockhausen e deste coletivo é de esperar surpresa e criatividade sem entraves.
            Will Holshouser, que se apresenta amanhã, toca acordeão, um instrumento que pode soar irritante se nas mãos erradas. Como Galliano ou Guy Klucevsek, porém, Holshouser usa os foles como matéria de pesquisa para uma música que abarca as vertentes folk e urbana e assimila as culturas do tango ou da klezmer. No mesmo dia, na segunda parte, o pianista português Bernardo Sassetti explorará a solo as profundezas, o céu e as paisagens que impressionisticamente pintou nos álbuns “Nocturno” e “Indigo”.

Festival Jazz ao Centro
COIMBRA Teatro Académico Gil Vicente. Tel. 239855636. Bilhetes: 12 euros. Bilhete para os três dias: 25 euros.
ADAM LANE QUARTET. Hoje, às 21h30
WILL HOLSHOUSER TRIO / BERNARDO SASSETTI SOLO. Dia 3, às 21h30
SPRING HEEL JACK. Dia 4, às 21h30

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