QUARTA-FEIRA, 28 NOVEMBRO 1990 POP ROCK
ELEGÂNCIA DECADENTE
ROXY MUSIC
Heart Still Beating
LP e
MC duplos e CD, E.G. Records
Bryan Ferry afirma nada ter a ver
com a edição deste álbum, gravado ao vivo em Frejus, França, há já perto de
nove anos. Mais: não gostava dele na altura em que foi gravado, muito menos
agora. Por seu lado, indiferente às queixas do cantor e Casanova de serviço nos
Roxy Music, a editora, sem mencionar a data de gravação, apresenta o produto
como se fosse o novo disco da banda, recorrendo ainda ao truque de mostrar uma das figuras femininas, fetiche de
álbuns anteriores, de pose renovada – cabelos rapados, tronco masculino e olhar
de pugilista andrógino.
Postas de lado tais questões
chega-se à conclusão que Bryan Ferry até nem terá grandes razões para se sentir
envergonhado. Comparado, por exemplo, com o recente vídeo a solo, verifica-se
que a sua voz se encontrava então em bem melhor forma do que agora e que nunca
a sua produção musical mais recente se voltou a equiparar aos feitos de
antanho.
Descontando a irritação que as
palmas do público possam provocar, o disco apresenta uma seleção de alguns dos
grandes momentos da banda, então composta por Ferry, Phil Manzanera e Andy
MacKay, auxiliados por outros cinco instrumentistas e um trio vocal feminino.
Ao todo são catorze temas, abrangendo quase uma década, desde 1973, data do
segundo álbum, “For Your Pleasure”, até 1982 e “Avalon”.
Representam a fase inicial dos Roxy
Music (quando ainda integravam o “glamour” decadentista de Brian Eno) os temas
“Editions of you” e “A Song for Europe”, este último “pastiche” irónico ao
sentimentalismo de pacotilha das canções da Eurovisão, encenado e interiorizado
por Ferry como se a verdade fosse feita de néons, lantejoulas e eternas
“féeries” de champanhe.
Elegância decadente, o tempo que não
passa e quando passa já é demasiado tarde para recuperar o que num ápice de
serpentinas de perdeu. Tristeza imensa de um copo vazio, de madrugada, no
terraço, e a lembrança de um decote de seda imaginado, de um nome que as brumas
do álcool evocam sem cessar e fizeram esquecer – “Out of the Blue”, do álbum
“Country Life”. Depois foram “Love is the Drug” e “Both Ends Burning”, de
“Siren”, despedida de Ferry como ator de fantasias eróticas, sonhadas na
companhia de bonecas insufláveis. A partir de aí levou-se a sério, perdendo-se
na mudança de atitude o “charme” teatral e o humor inteligente que eclode da
distanciação.
Renascidos das cinzas, os Roxy Music
limitaram-se a passear por entre as ruínas esplendorosas do passado, com Ferry
vestindo de vez a pele do romântico incorrigível, “crooner” de casinos
sentimentais pintados em tons americanos e suavidades de veludo, acrescidos do
fascínio da dança: “Manifesto”, “Flesh and Blood” e “Avalon”. O fantasma de
Lennon em “Jealous Guy”, “Like a Hurricane” de Neil Young e o tema para a
guitarra de Manzanera, “Impossible Guitar” são outros bons momentos de um disco
que, se por ser ao vivo desfaz a ilusão introspetiva da alquimia Roxy, nem por
isso obsta a uma diferente fruição de canções, entretanto alcandoradas ao
estatuto de “clássicas”. (***)

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