22/07/2014

Compêndio de Química [More República Masónica]



2 de Julho 2000

Compêndio de Química

O amor é uma reação química. O mundo é um lugar de falsidade onde nada é aquilo que parece. São duas das ideias presentes em “Chemical love Songs”, o novo álbum dos More República Masónica produzido por Jack Endino, o mesmo dos Nirvana. Um álbum de militância rock com a porta aberta para o psicadelismo e para “a essência das coisas”.

            “Chemical Love Songs”, subintitulado “Soundtrack inspired by achievements and failures of everyday life” começa e acaba com um sample de “sitar”, lançando de imediato a suspeita de que os More República Masónica andaram em viagem. Eles confirmam. Viajaram pelo interior deles próprios, mas apenas de um trabalho de introspeção que dispensou qualquer tipo de aditivos químicos, garantem.
            Com um som mais “eletrónico” e cheio que o das bandas anteriormente produzidas por Endino (Nirvana, Soundgarden, Mushoney…), “Chemical Love Songs” é, na ótica dos MRM, ainda e sempre um álbum de “rock”, que não tem medo de usar as máquinas nem de experimentar novas ideias. Endino soube “captar a essência da banda”, esclarece Jorge Dias, baixista, ocasional teclista e autor de algumas letras da banda. O resultado é um “álbum com um bom som, bem gravado”.
            Um “bom som” que capta a energia das referências musicais dos More, dos velhos Led Zeppelin e dos anarcas de Detroit aos grupos psicadélicos, mas que sabe reconvertê-los numa perspetiva pessoal. “Fizemos coisas que nunca tínhamos feito, como gravar canções a partir de ‘loops’”. Essa perspetiva pessoal levou, inclusive, os MRM a tomar como ponto de partida para a gravação, as suas experiências pessoais, ilustradas na tal banda sonora interior que o subtítulo refere. “Não vivemos em nenhum filme estranho, em nenhuma realidade paralela. Vivemos aqui e aquilo que fazemos reflete aquilo que somos. As canções falam da nossa vida e dos nossos pensamentos. Explorámos as catacumbas que temos cá dentro. E descemos tanto que acabámos por chegar aos elementos químicos, à essência das coisas”, explica Jorge Dias, para quem “as letras não se fecham sobre si, para que toda a gente se possa identificar um bocado com elas”. O álbum era para ter em todos os títulos das canções o nome de elementos químicos. Acabaram por ficar “Oxygen” e “Mercury”, na tabela onde se escreve, também, a essência do rock.
            Temas como “A prayer for the year 2K”, “Megastore” ou “Answer machine” alertam para uma realidade feita de aparências onde o próprio amor, “em última análise, é o produto de reações químicas”. “UST”, outro dos temas de “Chemical Love Songs” significa “Unresolved Sexual Tension”, uma “figura de estilo utilizada no cinema onde duas ou mais personagens têm uma ligação de tensão sexual entre elas que nunca se resolve, como no ‘x-Files’, onde o par de protagonistas passa o tempo a flirtar uma com a outra mas aquilo nunca se resolve…”.
            “Chemical Love Songs” descreve, no fundo, diz Jorge Dias, “uma época em que as pessoas se ligam mais através de fatores externos do que propriamente por motivos pessoais. Pelos estilos de música ou pelas drogas que consomem em conjunto”. No caso dos MRM a química entre os quatro elementos da banda – Jorge Dias, Paulo Coelho, Paulo Vitorino e Nuno Castedo – funcionou em pleno. Para os More não é a música eletrónica ou de dança, que consideram uma “moda passageira” e um “universo hedonista”, que faz mexer as multidões mas o rock, a única coisa que “consegue encher estádios”. Sente-se isso, ao escutar uma faixa como “Celebrating the sun”, uma corrente de energia que liga “um rock mais pesado, às vezes quase metal, e o psicadelismo, a um lado mais atmosférico”. Os More República Masónica fazem, afinal de contas, a defesa da canção. “É a molécula fundamental do nosso trabalho”, reconhece Jorge Dias: “É esta tradição que queremos perpetuar à nossa maneira”.
            Na caixa de “Chemical Love Songs”, sob o suporte do CD, pode ver-se o desenho de um labirinto. As volutas do cérebro? “Isso é que tem piada, cada pessoa lê o disco à sua maneira”, diz Jorge Dias, para quem “o labirinto tem a ver com o facto de o amor ser uma coisa tortuosa. Para se chegar a algum lugar, podia andar-se a direito, mas não, tem que se andar de um lado para o outro, para trás e para a frente, até se conseguir encontrar esse caminho”.

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