26
de Maio 2000
FOLK
O
círculo das “meigas”
Desde há alguns
anos na vanguarda do movimento de renovação da música tradicional da Bretanha,
os Skolvan assinaram em “Swing &
Tears” um dos melhores álbuns folk do ano de 1994. Regressam com “Cheñchet’n an Amzer” (“Os Tempos
Mudam”) e, de facto, algo mudou na música do grupo. Uma mudança que terá a ver
com as profundas alterações que entretanto de processaram no seio da banda, com
as saídas de Fañch Landreau e Yann-Fañch Perroches, respetivamente, no violino e
no acordeão diatónico, e as entradas de três novos elementos, Dominique Molard
(percussão), Loïg Troel (acordeão) e Bernard de Dréau (saxofone e clarinete),
mantendo-se Gilles le Bigot (guitarra) e Youenn le Bihan (bombarda e “piston”).
De banda que revolucionou o folk bretão, sem desvirtuar as suas origens, os
Skolvan cederam desta vez terreno ao compromisso, resvalando nalguns temas para
a feira popular e para um tom rockeiro que contraria e contradiz toda a
evolução do passado. Ao lado de um irresistível “an dro” pop em quatro
andamentos como “Arc’hwezh nevez”, a inclusão do “standard” “My favourite
things” (de Rogers & Hammerstein, cantado na banda sonora de “Música no
Coração” por Julie Andrews), um dos temas preferidos de John Coltrane, confirma
a importância do novo soprador na música do grupo e, ao mesmo tempo, o desvio
que poderá, ou não, conduzir os Skolvan ao caminho da fama. (Keltia, distri.
Megamúsica, 7/10)
Se os Skolvan deram um passo à
retaguarda, Patrick Molard
(ex-Gwerz, especialista de vários tipos de gaitas-de-foles, das “uillean pipes”
irlandesas à “biniou” bretã, passando pelas “highland” e “small pipes”
escocesas) avança em “Deliou” ao
encontro do futuro com os pés e a alma bem assentes na rocha, nos bosques e no
mar da Bretanha. Rodeado de dois dos expoentes da música tradicional do seu
país, o seu irmão e antigo companheiro nos Gwerz, Jacky Molard (violino,
bandolim, guitarras, baixo e direção artística) e Jacques Pellen (guitarras),
mas também de outro seu irmão, Dominique Molard (percussões) e Yves Berthou
(bombarda), o gaiteiro bretão contou ainda com a colaboração de um dos
“virtuosos” das “uillean pipes” da nova geração, o irlandês Mick O’Brien (de
quem se recomenda a audição de “May Morning Dew”. Mas é outro dos convidados, a
cantora búlgara Kalinka Vulcheva (da Rádio de Sófia e da formação Le Mystére
des Voix Bulgares) que contribui para um dos momentos mais exaltantes de
“Deliou”, no tema que lhe é dedicado, “Kalinka”, encontro tocante dos Balcãs
com a Bretanha, mas também no tradicional da Bulgária que dá título ao álbum,
diálogo sagrado da voz com as “uillean pipes”. É, de resto, a Bretanha na sua
vocação mais universalista (como acontecia com o Alan Stivell, nos primórdios)
que reencontramos ao longo deste álbum, seja na renovação e devoção às suas
origens mais puras, seja no cruzamento com a Bulgária, ou com outros
territórios centrados na espiritualidade céltica, como a Galiza, que Patrick
Molard homenageia em “Ton Budiño”, marcha processional aprendida com o jovem
gaiteiro Xosé Manuel Budiño e de “Ricardo Portela”, citação a um dos esteios da
“gaita” galega, aqui na miscigenação de uma muiñeira com um “jig” irlandês.
“Deliou” é, além do mais, um magnífico exemplo da música mais bela e profunda
que pode sair do fole de uma gaita-de-foles. (Naïve, distri. Megamúsica, 8/10)
Os digníssimos Chouteira, da Galiza, perderam
definitivamente um parafuso (devolvido, aliás, no interior da caixa…). Depois
de “Ghuaue!”, a atenção voltou-se para a música do Norte de Portugal,
nomeadamente para o Minho, ali mesmo ao lado. E se o álbum tem por título “Folla de Lata” não é caso para se
dizer que foi preciso tê-la, para abrir com a nossa bem conhecida “Ai, ai, ai
minha machadinha”… A lata tem sobretudo a ver com a utilização exaustiva de
instrumentos de metal, nomeadamente uma tuba que, mais do que remeter para as
experiências pioneiras de grupos como os Home Service e Brass Monkey, mostra
que os Chouteira perderam algum tempo a ouvir os Gaiteiros de Lisboa, também
eles adeptos da tradição colorida por sopros de metal. Se dúvidas ainda
houvesse quanto a isto, elas desaparecem quando se verifica que o grupo
português toca num dos temas de “Folla de Lata”, “O arvoredo”. Como os
Gaiteiros, os Chouteira aprenderam a brincar com sons estranhos (“As sete
mulheres do Minho”), ainda que a estrela da companhia seja ainda, e até ver, a
voz da cantora Uxia Pedreira. (Do Fol, distri. Farol Música, 8/10)
Outra Uxia, bem mais conhecida
dos portugueses, fez parte durante muitos anos dos Na Lua. Depois foram cada um para seu lado mas a separação fez bem
aos dois lados. Primeiro à cantora, que se emancipou. O grupo demorou mais
tempo a adaptar-se à situação mas se o álbum anterior, “Os Tempos Son
Chegados”, já indicava uma total reavaliação de processos, o novo “Feitizo” coloca definitivamente o nome
dos Na Lua na fila da frente dos grupos galegos mais importantes da atualidade.
Com uma embalagem de luxo, “Feitizo” debruça-se sobre as histórias e lendas das
“meigas” (feiticeiras) e outras mafarricas que povoam o imaginário da cultura
galega tradicional. Curiosamente, também neste caso o processo de renovação
passou por uma consulta ao folclore português, com três viras repescados do
“Cancioneiro Minhoto” de Gonçalo Sampaio, além de uma versão da “Ronda dos
Mafarricos” de José Afonso (de “Cantigas do Maio”). “As meigas chegan” e a
música dos Na Lua só tem a ganhar com a chegada das feiticeiras, das fadas e do
mistério. “Estas san cousas de encantamento, ir polo aire, vir polo vento”,
cantam em “Fun polo vento”, antes da ronda das gaitas varrer a terra da lua com
um furacão de alegria, em “Meigallo” e a voz da convidada Aloia Martinez,
também ela com a transparência de uma fada, pousar “Para fazer un feitizo”. Que
fez com que este álbum seja o melhor de sempre dos Na Lua. (Do Fol, distri.
Farol Música, 8/10)
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