CULTURA
QUINTA-FEIRA,
26 JUL 2001
Sines,
no castelo, de frente para o mar
Festival
Músicas do Mundo leva ao litoral do Alentejo o melhor da world music
Tem hoje início e terminará no
sábado, em Sines, a edição número dois do festival Músicas do Mundo. Festival
de world music, como facilmente se depreende. Mais um, pensarão os leitores.
Não será bem assim. Vejamos porquê.
O
que determina o êxito ou o fracasso de um festival de música, sobretudo agora
quando se tropeça, dia sim, dia não, num deles? Ou, pior ainda, num dos
milhares de tocadores de djembé que nesta altura do ano fazem soar
ininterruptamente as peles dos seus tambores de Norte a Sul do país?
Digamo-lo
com toda a frontalidade: o que determina o sucesso de um festival, de world
music ou outra música qualquer, é, precisamente, a ausência de tocadores de
djembé ou, no mínimo, a sua arrumação em local adequado, estilo reserva situada
a pelo menos cinco quilómetros do palco.
Em
segundo lugar: o local. Com bom ou mau ambiente, com ou sem a chamada
“mística”. Sem bom ambiente não há festival que se aguente até ao dia glorioso
da sua institucionalização. A chuva, contra todas as aparências, contribui para
uma boa mística (veja-se o sucedido no recente Vilar de Mouros).
Em
terceiro lugar: haver casas de banho perto e, sobretudo, uma quantidade de
bares onde se possa beber uma “bojeca” de dois em dois minutos. Sem estes
últimos é impossível haver bom ambiente.
Em
quarto lugar: Uma boa programação e, já agora, um bom som. Pode parecer
estranho colocarmos este item em último lugar, mas é assim mesmo que a coisa
funciona. Bons grupos sem que haja cerveja, dá fracasso na certa. Pelo
contrário, cerveja a rodos com uns tipos quaisquer lá na frente a tocarem umas
malhas, resulta maravilhosamente.
Programa de qualidade
Ora bem, e dentro de tais
considerandos o que é que Sines tem para oferecer? Começando pelo fim: um
programa ótimo. Juntar em três dias, por ordem de apresentação, a Brigada
Victor Jara, Bal Tribal, Carmen Linares, Taraf de Haidouks, Andrea Marquee,
David Murray com The World Saxophone Quartet e Black Uhuru com Sly &
Robbie, é obra.
Resumindo,
dir-se-á que a Brigada Victor Jara é uma das mais importantes e mais antigas
bandas de música de raiz tradicional portuguesas das duas últimas décadas e que
os Bal Tribal são uma super-formação bretã de 12 elementos dos quais fazem
parte os irmãos Jacky e Patrick Molard, mais Jacques Pellen, os três formados nos
Gwerz, trazendo ainda a grande atração extra que é a cantora búlgara Kalinka
Vulcheva, a mesma cuja participação em “Deliou”, de Patrick Molard, um dos
melhores álbuns folk editados no ano passado, é deslumbrante. Brigada e Bal
Tribal atuam hoje.
Amanhã
será o dia da espanhola Carmen Linares e dos romenos Taraf de Haidouks. Carmen
é uma das vozes femininas do “cante jondo”, típico do flamenco, mais
conceituado da atualidade. Já a compararam com uma versão, em formato mulher,
de Camarón de La Isla. “Tem um poder expressivo extraordinário”, diz o jornal
“The New York Times”. Pois tem.
Molhada reggae
Os Taraf de Haidouks também têm
um poder expressivo extraordinário. Instrumental, mas não só. Os seus elementos
pertencem a três gerações mas, sejam eles imberbes ou dobrados pelo tempo, o
virtuosismo e o humor são uma constante. Já atuaram em Portugal por diversas
vezes e em todas elas o público saiu atarantado. Lembramo-nos, numa dessas
ocasiões, de um velhinho, acordeonista imparável, que, já depois do concerto
terminado, era incapaz de parar de tocar. Foi preciso pegar nele e depositá-lo
na carrinha. Lá dentro, continuou a tocar. O novo álbum chama-se “Band of
Gypsies”. Também não se consegue parar de ouvir.
No
sábado, com início uma hora mais cedo, às 21h, o Músicas do Mundo recebe a
cantora brasileira Andrea Marquee, o saxofonista de jazz David Murray e os
“dubbers” Black Uhuru com Sly & Robbie. Andrea vem com um quarteto e a
garantia de escrever “MPB para o povo dançar”. Gravou o álbum “Zumbi”, que
rebentou nas listas de vendas de world music. David Murray dirá mais aos
amantes do jazz. Mas, em Sines, com os The World Saxophone Quartet, apresentará
a sua costela mais étnica, centrada na música sul-africana e na memória do
baixista Johnny M’Bizo, a quem este projeto é dedicado. Para terminar, uma
olhada de reggae de primeira água. Black Uhuru, ainda por cima aumentados pela
dupla Sly & Robbie, garantem sacudidelas suficientes para fazer vomitar de
êxtase toda a cerveja ingerida ao longo dos três dias de festival.
E
os tais outros aspetos? A relva, os bares, a mística, os djembeiros? Tudo do
melhor. O local é o interior das ameias do castelo. Quanto a mística, quem, no
ano passado, no último dia do festival, se deitou na relva para contemplar,
extasiado, o fogo-de-artifício que coloriu o céu do Verão, poderá dizer
qualquer coisa. Combustível há em quantidade. A única e terrível dúvida
prende-se com a presença ou não dos djembeiros. Mas, caso apareçam ou não, tudo
o resto apagará o eco dos batuques, com um toque de magia.
1 comentário:
O FMM é um dos locais onde fui feliz, e durante muitos anos não perdi um. Mas só comecei a ir em 2004.
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