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24|MAIO|2002
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república masónica|música
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república masónica
despir o ego
Independência, integridade, persistência. São três das
ferramentas com as quais os More República Masónica construíram a sua loja de
rock, agora reaberta com a antologia Egostrip – A Retrospective, uma viagem de
egos em direção à essência.
Faz 12 anos que os More República
Masónica (MRM) iniciaram a obra e para celebrar a efeméride nada melhor do que
rever as iniciações passadas através da compilação “Egostrip – A Retrospective”,
agora editada, que reúne uma seleção de temas remasterizados dos álbuns
lançados pelo grupo até à data: “More More More” (1992), “Blow Your Mind (with
Supersonic Meditation)” (1995), “Equalizer” (1996) e “Chemical Love Songs”
(2000, com produção de Jack Endino, um dos papas do “grunge”). O percurso
faz-se cronologicamente de trás para a frente e, segundo a visão dos República
Masónica – presentemente, formada por três dos músicos fundadores, Jorge Dias,
Paulo Navarro e Nuno Castêdo –, “é assim que faz sentido”.
“Poucos duraram o que nós já
durámos”, garante com orgulho Jorge Dias, baixista e, mais recentemente,
teclista dos MRM. O segredo não tem nada de maçónico e muito menos de secreto:
“Basicamente, a gente gosta disto!”. “Isto” parece simples, mas não é fácil
manter firme uma ideia e muito menos bater-se por ela. Mas há uma ponta
escondida, embora também neste caso esteja longe de se apresentar como a salvação
do mundo. Mas salva-os a eles. É que se eles gostam de “isto”, não é menos
verdade, acrescenta o baixista dos More, que nenhum dos elementos da banda
“precisa disto para viver” o que, à partida, lhes garante “uma certa dose de
liberdade” de trabalho. Não em “full time” mas num “part-time”, de maneira
“insistente” e “consistente”.
Amadores na plena aceção do
termo, é esta insistência e consistência, às quais se poderá acrescentar uma
grande dose de fé no que fazem, que tem permitido a evolução segura de uma
música que nunca se preocupou com a urgência e as pressões da atualidade. “Há
bandas que aparecem, são faladas durante dois minutos e desaparecem em seguida,
sem que tenham cumprido as expetativas”. É o que acontece em Portugal numa
percentagem superior ao que seria desejável. Mas essa é uma questão da qual os
MRM têm sabido precaver-se. “Desde o início que temos consciência – ou no
subconsciente – que o nosso tipo de música não é para vender avidamente, ou
para combater nessa jogada comercial que é a maior parte do mercado português”.
Jorge Dias sintetiza, em suma, a posição dos MRM, apontando uma “atitude de
não-compromisso com o mercado”, a par do esforço em “manter a música o mais
pura possível”.
evoluir na continuidade. A luta continua e, volvidos 12
anos sobre a abertura das “hostilidades”, o grupo não dá sinais de ceder.
Nota-se, isso sim, uma evolução na continuidade de que os MRM se orgulham e que
Paulo Navarro define como a tentativa constante de “atingir sempre um patamar
superior” àquele em que se encontravam anteriormente, ainda que sem pôr de
parte a expetativa de o grupo poder vender cada vez mais discos e, deste modo,
fazer chegar a sua música a mais pessoas. “Hoje já conseguimos chegar a um
número maior de pessoas porque possuímos alguma estrutura a nível de
distribuição, já não temos que ser nós a fazer tudo, embora a atitude de gravar
discos continue a depender de nós”, diz Jorge Dias, garantindo a imunidade
completa dos MRM “ao que o mercado exige”. “Nunca alinhámos em moda, estamo-nos
completamente nas tintas para o que está a dar ou não neste momento”, conclui
Nuno Castêdo, o mais introvertido do trio.
Não é fácil definir a música dos
More República Masónica. É rock. Tem força. É combativo. Mas cada vez mais
imbuída de uma faceta que remete para o psicadelismo (Luís Simões, dos
Saturnia, toca “sitar” em dois dos temas que farão parte do próximo álbum de
originais dos More, já gravado, mas ainda sem data de lançamento). Apesar de os
três elementos ouvirem coisas tão díspares como Six by Seven, And You Will Know
us by the Trail of Dead, Wilco, Gomez, Josh Rouse, Boards of Canada, The Hives,
ou The Strokes, e de cada vez mais transformarem cada ensaio numa tertúlia de
troca de impressões, discos e de discussão do “estado da nação”, a música dos
MRM evidencia uma vitalidade que os anos não conseguem apagar. Se os MRM são,
como afirma Jorge Dias, “uma banda de continuidade”, é nessa linha sem falhas,
que une o primeiro álbum ao penúltimo, que a energia flui, sem vazamentos. “O
grupo viveu sempre de três correntes”, conclui Jorge Dias: “o punk rock, aquele
lado ‘do it yourself’ e mais imediatista, o hard rock, mais ligado com a nossa
primeira fase de um rock mais pesado e agressivo, e o psicadelismo, o lado mais
ambiental, de atmosferas mais complicadas”.
Para confirmar, basta escutar de
fio pavio o antológico “Egostrip”, título escolhido para dizer, também ele,
alguma coisa, como Jorge Dias explica: “Começámos a rever o nosso passado e
vimos que há um certo lado de ‘ego trip’, o orgulho do que já se fez, por outro
lado tem também essa faceta engraçada de se conseguir ver os pontos fracos e os
pontos fortes, como um despir…”.
Um “despir” progressivo que
justifica a ordem cronológica inversa com que foram arrumados os 18 temas da
antologia (a única novidade é uma versão de “Zip zap woman” dos Pop Dell’Arte),
como se nessa viagem em direção à fonte se guiasse o auditor até à descoberta
da “essência” do grupo, presente desde a sua génese. Mais prosaico, Nuno
Castêdo fala, a propósito deste disco, do “fecho de um ciclo” e, referindo-se
no que se lhe seguirá, ao “início de um novo”. “Um salto para a frente”, nas
palavras de Jorge Dias. Uma mudança, enfim.
Mas será mesmo a revolução ou um
cerrar de fileiras ainda com mais força? É ainda Jorge Dias quem abre a porta
que dá para o que o futuro esconde ao virar da próxima esquina: “No início, os
tais três lados que estavam separados – punk, hard rock e psicadelismo – um
tema mais assim, outro mais assado, aparecem agora juntos. Temo-nos afastado
cada vez mais das correntes em si para conseguir que o nosso som, hoje em dia,
seja uma amálgama disso tudo”. Afinal de contas, um outro ponto de equilíbrio
entre uma insatisfação permanente e uma perceção, nunca interrompida, do tal
“estado da nação” onde os MRM insistem em não querer sujar os pés. Dois pólos
complementares bem ilustrados pelos títulos de duas das canções incluídas em
“Egostrip – A Retrospective”: “More more more” e “Too much reality”. Uma
realidade que poderá esconder mais do que aquilo que mostra. Mas isso, os More
República Masónica deixam para o ouvinte decidir…
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