Y 28|MARÇO|2003
pink floyd|música
O lado escuro da Lua
deixou de ser negro para passar a ser azul. “Dark Side of the Moon”, no original
de 1973, e a presente reedição em Super Áudio CD, são como a noite e o dia. Um
som perfeito para uma música que alguns teimam em não aceitar como tal. De que
lado da Lua está a razão, afinal?
O monstro que saiu dos
PINK FLOYD
Se, no imaginário da música popular do
último século, os Beatles foram condecorados com a insígnia mais nobre da pop e
os Rolling Stones se assumem de bom grado como a mais perene das maldições
rock, pertence aos Pink Floyd o estatuto de representantes oficiais de todas as
outras músicas situadas no território indefinido onde as mais variadas
tendências, cores, estilos e estratégias servem para, precisamente, retirar ao
termo “música popular” o adjetivo “popular”. “Dark Side of the Moon”, editado pela
primeira vez em 1973, tem suscitado desde sempre um sem-número de divergências,
não sendo possível chegar-se a uma unanimidade quanto à sua dimensão e
importância reais, quer no interior da discografia dos Floyd quer relativamente
ao papel desempenhado por esta obra no desenvolvimento do rock progressivo dos
anos 70.
A
extrema exposição a que, logo nesse ano e até hoje, foi sujeito faz deste disco
um objeto apetecível mas também uma presa fácil para os que têm o hábito de
colecionar ódios de estimação. Como “Sgt. Pepper’s” dos Beatles, ”Dark Side of
the Moon” começa por ser um triunfo da produção. Um disco fechado em si mesmo
que parece existir suspenso num universo autónomo, quer em relação à fase anterior,
psicadélica e “space rock”, do grupo, personificado pelos álbuns “The Piper at
the Gates of Dawn” (ainda com Syd Barrett), “A Saucerful of Secrets”,
“Ummagumma”, “Atom Heart Mother” e ”Meddle”, quer enquanto anúncio da fase mais
pop que haveria de seguir-se com “Wish you Were Here”, “Animals” e “The Wall”.
O impacte das canções esfuma-se perante a opulência dos efeitos — que vão do
barulho de passos a um despertador, de uma caixa registadora a vozes perdidas
–, a grandiloquência dos coros e solos de saxofone perigosamente colados à
estética MOR (“middle of the road”).
Se
a totalidade dos álbuns atrás referidos valem por uma música aberta que não se
esgota nos meios de produção utilizados, “Dark Side of the Moon”, pelo
contrário, soa como cristalização. O que para alguns é perfeição tem, para
outros, a configuração da morte, mumificação de uma linguagem tornada
autofágica, como a serpente que a si própria se completa e se devora. Claro que
não é possível comparar as pequenas e iluminadas “comptines” alucinadas de Syd
Barrett, como “Arnold Layne” ou “See Emily play”, ou navegações galácticas como
“Set the controls for the heart of the sun”, com as melodias, tão exatas como
redundantes, de “Dark Side of the Moon”. São naturezas diferentes e isso será o
que mais chocará os admiradores dos Pink Floyd até ao aparecimento do
“monstro”. O que, em contrapartida, levou a música do grupo a um outro tipo de
auditores, mais vasto, e, como consequência, a ser abocanhada pela hidra do
“mainstream”.
o mesmo e o outro. “Dark Side of the
Moon”, apesar de poder orgulhar-se de ser um dos discos mais vendidos de todos
os tempos (25 milhões de cópias, um número assombroso que não pára de crescer)
e de ter permanecido durante uma década, sem interrupções, no Top da “Billboard”,
continua, porém, a provocar tanto adesões entusiastas como a mais profunda das
aversões. A verdade é que, ame-se ou odeie-se, não há ninguém que não tenha
entranhadas nos ouvidos as melodias de canções como “Time”, “Money” ou “Us and
them”, o que, temos que admitir, também contribuirá para que, de tempos a tempos,
alguém sinta vontade de partir o disco em pedaços (as edições em vinilo) ou, no
caso dos CD, o submeter a um banho de ácido sulfúrico concentrado.
Numa
última tentativa de restituir ao dito cujo uma frescura que parecia definitivamente
perdida, eis que a reedição em formato de Super Áudio CD “híbrido”, ou seja,
passível de ser tocado tanto num leitor de CD específico como
num convencional, vem de novo recordar-nos que
“Dark Side of the Moon” nunca esteve, afinal, longe de nós.
É
o mesmo e outro disco, aquele que chega às bancas na próxima 2ª feira. A capa, apesar
de levar a assinatura de Storm Thorgerson, o mesmo que, integrado no projeto
Hipgnosis, desenhou a original, sofreu alterações de pormenor. O prisma que
refrata a luz branca no espectro do arco-íris tornou-se mais branda,
abandonando o negro do fundo. A noite tornou-se, mais do que penumbra, azul do
dia, traindo a essência noturna que o próprio título do álbum contém. Mas o
mais importante é que esta música, que pensávamos não ter já reservada qualquer
surpresa para oferecer, soará agora como nunca soou antes, numa gloriosa
submissão à audiofilia que finalmente justificará o esforço de produção posto
na edição original de 1973. “Dark Side of the Moon” será, afinal, uma potência disponível
até ao infinito, matéria de atualização dos permanentes avanços da tecnologia,
um livro em branco através do qual sucessivas gerações encontrarão algo de
feérico mas que pouco ou nada terá já a ver com o contexto histórico que esteve
na sua origem. Mas talvez faça sentido: “Dark Side of the Moon” nunca teve
verdadeiras sombras.
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