CULTURA
QUINTA-FEIRA,
3 ABR 2003
Se um grupo
irlandês agrada a muita gente…
FESTIVAL
INTERCÉLTICO
Shantalla, Four
Men and a Dog e Altan. Dose tripla de música irlandesa no Intercéltico. O
Festival começa hoje no Porto e estende-se a Lisboa, Montemor-o-Novo e Arcos de
Valdevez
Ex-líbris da
cidade do Porto, o Festival Intercéltico desce, nesta sua 13ª edição, até ao
Sul do país. Ao Alentejo, imagine-se, terra de mouros para quem as polifonias
do cante ou o rasgar de uma viola campaniça falam mais alto ao coração do que o
gemido de florestas distantes do fole de umas "uillean pipes"
irlandesas. Desta vez não será apenas o Coliseu do Porto a acolher a festa e a
beleza de uma música que insiste em demarcar-se da voragem consumista. Lisboa,
Montemor-o-Novo e Arcos de Valdevez entraram no mapa.
Hoje mesmo, o melómano folk poderá
escolher entre ficar na capital para ouvir, no Coliseu dos Recreios, os grupos
irlandeses Altan e Four Men and a Dog, ou assistir ao Intercéltico na sua sede
própria desde o primeiro dia e receber no Coliseu portuense a Brigada Victor
Jara e os também irlandeses Shantalla. Irlanda que, como se vê, se faz
representar em força no Intercéltico deste ano, de novo sob a alçada do MC -
Mundo da Canção.
Shantalla, Four Men and a Dog e
Altan (estreia absoluta no Intercéltico, embora já tivessem actuado num dos
Encontros Musicais da Tradição Europeia) são os ilustres representantes de uma
linhagem de presenças intercélticas que inclui os De Danann, The Chieftains,
Déanta, Dervish, Arcady, Patrick Street, Solas e Lúnasa. Mas três bandas
irlandesas no mesmo Intercéltico, eis a grande novidade. Espera-se algo de
especial.
Os Shantalla, que hoje partilham o
palco com a Brigada Victor Jara, deixaram gratas recordações a quem os viu e
ouviu há três anos, entre copos e conversas, no café-concerto do Teatro Rivoli.
Cresceram entretanto. Tanto, que hoje nada devem às grandes bandas clássicas
irlandesas da atualidade. O novo álbum, "Seven Evenings, Seven
Mornings", é a prova viva de que a música dos Shantalla tem tudo para nos
transportar até ao céu do "puirt a beul" vocal ou ao círculo
"diabólico" dos "jigs" e dos "reels". Com ou sem
"whiskey", ou um "pint" de Guinness, a ajudar. Helen
Flaherty é a voz iluminada de um colectivo onde pontifica o talento
instrumental de Kieran Fahy, no violino e viola de arco, Michael Horgan, nas
"uillean pipes", flauta e "tin whistle", Joe Hennon, na
guitarra, e Gerry Murray, no acordeão, bouzouki, bandolim, "whistles"
e percussão.
Gino, o grande
Amanhã, depois dos
Gaiteiros de Lisboa, em processo de apuramento dos muitos confrontos e
maravilhas presentes no seu novo álbum, "Macaréu", será a vez dos
Four Men and a Dog tentarem repetir, ou ultrapassar, a loucura que na sua
apresentação no Intercéltico de 1995 quase fez estourar de folia a vetusta sala
do Coliseu do Porto. Sob a liderança, vocal e visual, do anafado Gino Lupari,
gigantesco na presença física, na "verve" humorística e no ritmo
imprimido ao "bodhran", os quatro homens e um cão apresentam-se como
arautos de um ecletismo levado ao extremo, com uma música que assimila,
espalha, integra, recria e transfigura não só as modalidades tradicionais
irlandesas como o "boogie", os "blues", o
"rockabilly", a "salsa", a "country", o
"rap", o "rhythm'n'blues" e, no novo álbum, "Maybe
Tonight", a música tradicional russa e (mais) uma versão de "Music
for a found harmonium", dos Penguin Cafe Orchestra.
Sábado, no fecho do festival,
estarão presentes os Altan, dos casos mais emocionantes de ascensão no panorama
da nova folk europeia, após o trauma causado nos anos 80 pela morte de um dos
seus elementos fundadores, o flautista Frankie Kennedy. Tal não impediu a
progressão deste grupo com origem em Donegal que, de álbum para álbum - entre a
sua discografia contam-se pérolas como "Horse with a Heart",
"Harvest Storm", "Island Angel", "Blackwater",
"Another Sky" e "The Blue Idol" -, tem conquistado um
número cada vez maior de admiradores. Mairead Ni Nhaonaigh é a voz que promete
pôr mais do que um coração de rastos.
Mas não só da Irlanda, em termos de
presenças internacionais, se faz o Intercéltico. A anteceder o concerto dos
Altan, a cantora galega Mercedes Péon levará ao Coliseu do Porto o espanto, a
beleza convulsiva e alguma inquietação. Cabeça rapada, como Sinéad O'Connor, a
voz localizada naquele registo, misto de devoção e luciferismo, de cantoras
malditas como Meira Asher e Diamanda Galas, Mercedes percorre as gamas mais
obscuras da folk galega, de muiñeiras e "alalas" modificadas por uma
visão que mergulha no seu núcleo mágico e transfigurador. "Isué", o
seu álbum de apresentação, tem tanto de novo como de atraente. De iconoclastia
como de provocação. Logo veremos se, como se diz, as raparigas boas vão para o
céu e as más para todo o lado.
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