CULTURA
SEXTA-FEIRA, 28 MAR 2003
C r í t i c a M ú s i c a
O
sentido da vida, segundo os Sparks
Sparks
LISBOA Grande Auditório CCB
26 de Março, 21h
Sala
praticamente cheia
“Lil’ Beethoven”, uma
mini-ópera gelada que desmonta os lugares-comuns da sociedade e do “show
business” contemporâneo, foi apresentado anteontem no Grande Auditório do Centro
Cultural de Belém, em Lisboa, para uma plateia praticamente cheia e deslumbrada
pela estranheza do novo álbum dos Sparks. Montra de manequins e projeções de
vídeo, habitado por estranhos personagens como o pianista de braços ridiculamente
longos que Ron Mael protagonizou em “How Do I Get to Carnegie Hall?”, numa
referência inicial ao universo dos Monty Python (houve quem descortinasse Samuel
Beckett neste teatro do absurdo), citada de “The Meaning of Life”.
“Lil’Beethoven” pode ser visto, aliás, como uma outra leitura, tão retorcida e
não menos cáustica do que a do mítico grupo cómico inglês, do sentido da vida.
Ron Mael, embora já sem o bigode à Hitler que o popularizou nos anos 70 e 80,
continua a ter o ar de empregado de escritório engravatado que está ali por
engano mas que em “Ugly Boys with Beautiful Girls” passeou pelo palco, com ar
imbecil, de braço dado com uma morena escultural.
Musicalmente esta primeira parte
seguiu à risca o alinhamento de “Lil’ Beethoven”, com utilização de sons pré-gravados
e a presença adicional de uma baterista e de Dean Menta, ex-Faith No More, na guitarra.
“My Baby’s Taking Me Home”, um dos temas melodicamente viciantes do álbum, com
Russell a repetir a mesma frase até à exaustão e Ron a recitar um “poema” indescritível
sem desmanchar o ar de autista compenetrado, deixou o público num estado intermédio
entre o choque e o deslumbramento.
Numa segunda parte preenchida com temas
de álbuns como “Indiscreet” e “Propaganda”, os Sparks entraram na onda de
parolice “electro” que voltou a estar em voga. O conceptualismo de “Lil’
Beethoven” deu lugar ao exagero assumidamente gratuito e a tiques que foram dos
Yello aos Soft Cell, passando pelos Simple Minds e Pet Shop Boys. Russell não
resistiu a fazer de “bicha” louca, mas mesmo no meio deste serão pela Feira Popular
coube uma vez mais ao irmão Ron o papel de rei das farturas, no momento mais
genial e hilariante da noite. Foi assim, embora as palavras descrevam mal o
absurdo da situação: Russell apresenta o irmão como principal artífice do
conceito Sparks. A música
pára, as luzes
apagam-se deixando apenas um holofote apontado à figura solitária de Ron Mael.
Este aproxima-se timidamente da boca de cena e, após alguns segundos de
hesitação, olhando o vazio com expressão esgazeada, desata a fazer um
desengonçado sapateado. Muitos dos espetadores no CCB ter-se-ão nesse instante
recordado de um dos momentos mais cómicos da história da Humanidade, aquele em
que John Cleese faz o seu número de “passos disparatados” noutro “sketch” dos
Monty Python.
No final, com “encore”, o público
aplaudiu de pé, rendendo-se à desfaçatez com que os Sparks, ao fim de 30 anos, continuam
a ridicularizar os lugares-comuns da música pop.
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