CULTURA
SEGUNDA-FEIRA, 7 ABR 2003
C r í t i c a M ú s i c a
Bólides
irlandeses ultrapassaram Mercedes
XIII FESTIVAL
INTERCÉLTICO
Gaiteiros de
Lisboa + Four Men and a Dog
4 de Abril, sala praticamente cheia
Mercedes Péon +
Altan
5 de Abril, sala cheia
PORTO Coliseu
Terminou o 13.º Festival
Intercéltico do Porto. Em apoteose. É quase sempre assim, quando a Irlanda
desce ao Porto, com festa rija, toda a gente a dançar e um ar de felicidade estampado
nos rostos e nos corpos. Os Altan cumpriram com brilho, sábado, no Coliseu, a
tarefa de que foram incumbidos, divulgando a mensagem renovada de uma Irlanda
definitivamente enraizada nos hábitos culturais do Intercéltico. Grande
concerto, em crescendo, sem concessões. É assim que deve ser, atrair o público
até à música, levá-lo a compreendê-la, senti-la e aceitá-la, ao invés de apelar
aos desejos mais básicos de quem ouve. Os Altan começaram devagar, com o canto “a
capella” de Mairead Ní Mhaonaigh (na foto). Os “jigs” e “reels” apareceram naturalmente,
sem tiranizar a beleza de baladas como “Roaring water” ou “A tune for Frankie”
(dedicado ao malogrado flautista e fundador dos Altan, Frankie Kennedy). Aos
poucos os corpos soltaram-se. Vieram as danças, a imparável vontade de
participar.
Mairead,
além da voz que se conhece, mostrou ser uma exímia violinista, entrando em
diálogos vertiginosos com Ciaran Tourish, sem o apoio de quaisquer percussões.
A assistência mostrou estar à altura dos acontecimentos, sabendo dosear a folia
com o silêncio, como quando cantou, sem uma desafinação, uma melodia a quatro
tempos ensinada por Mairead. Com os Altan a Irlanda profunda esteve presente no
Porto e deixou marcas.
Na
véspera foi uma outra Irlanda que passou pelo Intercéltico. Ao contrário dos
Altan, os Four Men and a Dog praticam uma música mais universal e tecnicista.
Ausente Gino Lupari (para grande desapontamento de muitos), trocado pelo
competente e amplificado Jimmy Higgins, no “bodhran”, o quarteto selou uma atuação
tecnicamente irrepreensível de onde sobressaíram as acrobacias violinísticas de
Cathal Hayden e Gerry O’Connor. A forma como transformaram “Music for a Found
Harmonium”, dos Penguin Cafe Orchestra, num tema com uma complexidade harmónica
que o original não possui foi exemplar da atual abordagem estilística dos Four Men
and a Dog, um grupo que, sem Gino Lupari, manifestamente se tornou mais
musical, ganhando em rigor o que perdeu em teatralidade e “verve” humorística.
Mesmo assim, um “boogie” saído da cartola mostrou que ainda anda por ali à
solta um cão vadio...
Desiludiram
as duas bandas chamadas a fazer as primeiras partes. Na sexta-feira, os
Gaiteiros de Lisboa esticaram demasiado a corda. Inegável continua a ser a
originalidade de uma música única no panorama da “folk” europeia. Polifonias
intrincadas, uma tensão instrumental feita da polaridade entre a música antiga
e a modernidade mais radical, um humor inteligente e “nonsense” mordazes, a força
de percussões arrancadas ao cancioneiro
português mais genuíno, tudo isto
esteve presente na atuação dos Gaiteiros na noite portuense. Faltou a unidade,
a sustentação prática de um edifício cuja complexidade não cessa de aumentar.
Se o motor rítmico funcionou e as vozes compensaram com a beleza do labirinto
um ou outro défice de colocação, o mesmo não se poderá dizer das
gaitas-de-foles numa noite em que andaram manifestamente perdidas. Nem sempre é
possível acompanhar a força das marés, e a onda gigante, o macaréu, dos
Gaiteiros é força da Natureza, umas vezes doce, outras tempestade difícil de
domar.
Mercedes
Peón, na abertura de sábado, não esteve melhor. Não que o público não tivesse
gostado. Adorou. Mas porque a cantora galega lhes ofereceu prato de fácil
digestão: batidas rock de baixo elétrico e bateria, cânticos fortes servidos
por um vozeirão que se deve ter feito ouvir na outra margem do Douro, gaitadas meia-bola-e-força
e canções dignas de uma “Operação Triunfo” não tiveram dificuldade em impor-se.
Mas Mercedes foi mais veículo de carga do que automóvel de luxo. No “stand” do
Intercéltico, os bólides irlandeses continuam a ser os mais viáveis.
EM
RESUMO
Duas Irlandas, a profunda dos Altan
e a universalista dos Four Men and a Dog, “arrasaram” o Coliseu do Porto.
Gaiteiros e Mercedes foram a
arranjar para a oficina
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